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ELEIÇÕES ARGENTINAS | A campanha da esquerda anticapitalista argentina rumo a uma eleição histórica

A 25 de outubro, a fórmula da FIT que encabeça Nicolás Del Caño concentra todo o voto da esquerda em um pólo unificado, com as forças que se reivindicam da extrema-esquerda. Um momento em que as idéias do trotskismo e sua intervenção decidida na luta de classes dos trabalhadores, principalmente através da estratégia do PTS, serão responsáveis pela maior votação da história da esquerda desde 1983.

André Barbieri São Paulo | @AcierAndy

terça-feira 20 de outubro de 2015 | 00:00

A situação de evidente esgotamento, ainda que sem características catastróficas, dos partidos “pilares” do regime burguês argentino, configura um cenário particular. Com Daniel Scioli (do partido do governo, “Frente para la Victoria”) dificilmente vencendo as eleições no primeiro turno, a oposição burguesa com Macri (do partido “PRO”) e Massa (do partido peronista “Frente Renovador”) não encantando ninguém, abrem-se possibilidades de crescimento da esquerda classista expressa na FIT.

Apesar da inexistência de grandes solavancos econômicos nos marcos de contornos conservadores, sem radicalização e episódios ainda pontuais da luta de classes (comparados com lutas importantes no ano passado como os nove meses do conflito na fábrica de autopeças Lear e a luta contra as demissões na gráfica Donnelley, que culminou na ocupação da fábrica pelos trabalhadores), a dinâmica social e política habilita o fortalecimento, evolutivo mas persistente, de um inédito pólo político e social da esquerda classista, diante dos ajustes que estão sendo preparados pelos três candidatos burgueses, produto do retrocesso do PIB latinoamericano (-0,3%) previsto pelo FMI em 2015 e a crise brasileira.

A patronal argentina e os monopólios estrangeiros, que lucraram violentamente durante a década “nacional e popular” do kirchnerismo, como Paolo Rocca que acumula um patrimônio de 3,4 bilhões denunciado neste programa eleitoral da FIT, agora quer descarregar a crise sobre os trabalhadores e procura o melhor candidato. Assim como no Brasil o PT fez durante as eleições toda a demagogia de ser o “mal menor” que não atacaria os direitos dos trabalhadores como faria a direita e agora é o principal agente dos ajustes contra a população, na Argentina os principais candidatos burgueses lançam a tese do mal menor para enganar os trabalhadores.

No domingo, dia 25, a esquerda obterá a maior porcentagem de votos para uma eleição executiva desde 1983,” assegurou Nicolás Del Cãno, dirigente do PTS e candidato a presidente pela Frente de Esquerda e dos Trabalhadores, em declarações de rádio. “Ao longo do país cada dia que passa notamos uma maior adesão a nossa candidatura. Cada vez são mais pessoas que não entraram na armadilha de ter de escolher por um suposto mal menor entre políticos que se postulam para gerir os interesses dos grandes grupos econômicos, e entendem que o único voto útil para defender os interesses do povo trabalhador é um voto na FIT,” colocou o candidato da única coalizão de esquerda que compete nestas eleições, que integra junto com Myriam Bregman, também do PTS.

Esta é uma poderosa via de como a esquerda pode dar uma saída dos trabalhadores para a crise. Na Argentina como no Brasil, a lógica do "mal menor" é o caminho mais curto para o pior. Temos a experiência clara com os ajustes do PT de Lula e Dilma e o papel garantidor das demissões e acordos de flexibilização de direitos com a burocracia sindical da CUT/CTB. Como parte da campanha da FIT, denunciamos esta verdadeira polícia política dentro do movimento operário, que paralisa e fragmenta os trabalhadores, organizando suas derrotas a serviço dos monopólios. Defendemos a recuperação dos sindicatos como instrumentos de luta dos trabalhadores, varrendo estes burocratas na luta.

O único voto "útil" é em uma esquerda da luta de classes, que se aferra aos trabalhadores, às mulheres e à juventude contra os governos nacionalistas burgueses e populistas (chavismo na Venezuela, evomoralismo na Bolívia, petismo no Brasil, kirchnerismo na Argentina) que na América Latina fazem a política da direita e governam junto a ela.

Os números da esquerda argentina desde 1983

Um breve percurso pelos resultados da esquerda nas últimas décadas lança luz sobre a importância deste desafio histórico da FIT.

Em 1983 as três fórmulas da esquerda obtinham somadas 0.43% dos votos. Em 1989 duas chapas alcançavam 2.72% dos votos (2.45% pela Alianza Izquierda Unida, de Rogelio De Leonardi). Em 1995 três fórmulas eleitorais da esquerda conseguiam 0.61% dos sufrágios. Em 2003, duas chapas obtinham 2.44%. Em 2007, três chapas (uma delas antecipava a Frente de Esquerda atual) alcançavam 1.8%.

Nas eleições gerais de 2011, na inauguração da FIT, a fórmula Jorge Altamira (PO) e Christian Castillo (PTS) alcançam 503.370 votos que representam 2.3%. Nas legislativas de 2013, a FIT conseguiu 1,2 milhão de votos em todo o país (ao redor de 5%) e conquistou três deputados federais, um deles Del Cãno, que usou sua bancada a serviço da luta de classes, participando dos piquetes e sendo reprimido pela polícia na luta de Lear e denunciando a casta política que vive como empresários, recebendo o mesmo salário de uma professora e dedicando o restante à luta dos trabalhadores.

A possibilidade de alcançar uma magnitude ainda maior em 2015 numa eleição para cargos executivos mostra que é possível conquistar peso em setores de massas sem abandonar a luta para que o movimento operário se transforme em sujeito político, avance das lutas sindicais à militância política e construa um partido com independência de classe que lhe seja próprio.

Este conteúdo militante da campanha anticapitalista e classista do PTS na FITestá ganhando grande impacto na juventude e nos locais de trabalho, pois expressa a vontade de que a esquerda deixe de ter um papel testemunhal e tenha peso decisivo na política nacional. Nico deixou claro este conteúdo, atacando os candidatos do ajuste em rede nacional durante o debate presidencial.

Fortalecer a construção de uma esquerda revolucionária na luta de classes

Como dissemos em outra nota, o Partido dos Trabalhadores Socialistas, desde sua fundação no início da década de 1990 e com mais força depois das jornadas de 2001 na Argentina, escolheu construir-se nas principais concentrações operárias. Esta estratégia levou o partido a participar das principais experiências da luta de classes na década kirchnerista, ser protagonista do fenômeno do “sindicalismo de base” antiburocrático, e tirar as lições de grandes conflitos como a luta dos trabalhadores de Kraft em 2009 contra a patronal norteamericana, fortalecendo uma tradição da luta independente dos trabalhadores junto à esquerda.

Graças a este desenvolvimento, hoje é possível reconhecer uma ala claramente de esquerda no sindicalismo de base, que provém deste fenômeno e que se referencia politicamente na Frente de Esquerda e dos Trabalhadores. Fruto disso são as 1800 candidaturas operárias, as dezenas de trabalhadores de Kraft (a maior indústria de alimentação da Argentina) que se candidataram junto ao PTS e os motoristas de ônibus da Linha 60 de Buenos Aires, que triunfaram recentemente numa dura greve contra o governo e a burocracia, que redigiram uma carta chamando voto em Del Caño na FIT.

O desenvolvimento do PTS na Argentina, aprofundando sua inserção no movimento operário e tendo como base de seu avanço superestrutural a intervenção decidida na luta de classes aumentam as possibilidades de construir uma corrente da esquerda classista e partidária no movimento operário, e uma juventude revolucionária no movimento estudantil. Esta prática política, desconhecida no Brasil, é uma mostra poderosa de como é possível atuar de maneira revolucionária no parlamento sem separar-se da luta dos trabalhadores.

Del Caño representa uma força real, de centenas e milhares de trabalhadores que utilizam a campanha eleitoral para dizer explicitamente que o capitalismo tem de ser destruído e substituído por um governo dos trabalhadores que abra caminho à conquista de uma sociedade sem explorados nem exploradores. Trata-se de um exemplo que é de interesse de toda a esquerda e de todos que andam desiludidos com a possibilidade de uma política que não seja para enriquecer e para interesses individuais, sentimento que no Brasil é massivo devido à traição do PT.




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