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SEMANÁRIO

A ala esquerda da II Internacional diante da I Guerra Mundial

Diana Assunção

A ala esquerda da II Internacional diante da I Guerra Mundial

Diana Assunção

Leon Trótski, em seu texto “A Guerra e a Internacional” de 1914, definiu a guerra da seguinte forma: “As forças produtivas que o capitalismo desenvolveu transbordaram os limites do estado. A presente guerra é, no fundo, uma sublevação das forças produtivas contra a forma política de nação e estado. E isso significa a derrubada do estado nacional como uma unidade econômica e independente”. Nesta passagem, com outras palavras, demonstrava o caráter imperialista da guerra em curso ao transbordar os limites do próprio estado reafirmando a época de crises, guerras e revoluções como anunciou Lênin. Para além dos prognósticos, como ficou a ala esquerda da II Internacional e especificamente da social-democracia alemã diante da guerra?

Uma data foi marcante e dividiu águas. O dia 4 de agosto de 1914. Segundo o historiador Peter Nettl nos dez anos seguintes bastava falar dessa data entre a vanguarda que todos já sabiam do que se tratava: não da declaração de uma guerra imperialista, mas do apoio do Partido Socialdemocrata alemão a essa guerra quando votou favoravelmente aos créditos de guerra por parte da Alemanha, ou seja, o orçamento do Estado dedicado aos gastos militares. Essa situação era fruto de anos de capitulação construída por uma pretensa “estratégia de desgaste” de Karl Kautsky que se aventurando nas analogias militares buscou uma separação entre parlamento e luta de classes justificada pela busca de uma “correlação de forças no tempo certo” que, como a história demonstrou, nunca chegou. Foi a esta política que Rosa Luxemburgo eternizou a frase de que Kautsky fornecia aos trabalhadores “nada mais do que parlamentarismo”. O problema é quando este parlamentarismo se depara com posições tão aberrantes como o apoio a uma guerra imperialista.

O debate sobre como os 110 deputados do Partido Socialdemocrata Alemão iriam votar no Reischtag (Parlamento Alemão) era concreta, mas foi tratada como secundária. Peter Nettl definiu como uma votação que dizia respeito ao futuro do socialismo no século XX e de fato, estava mais próximo disso, ainda que em si a definição guardava certo ceticismo em não ver a possibilidade de que uma política de forte rechaço à guerra imperialista e à capitulação história da socialdemocracia poderia dar lugar ao surgimento de uma nova Internacional. A justificativa dos deputados naquele momento para votar a favor dos créditos de guerra foi de que seria impossível negar à população pobre e trabalhadora alemã o direito à defesa diante do inimigo, e assim com essa roupagem esquerdizante apoiaram a burguesia alemã na guerra.

Como comentamos acima a I Guerra foi diretamente uma guerra imperialista fazendo concreta a definição de Lênin de que o imperialismo era uma época de crises, guerras e revoluções, ou seja, uma guerra imperialista que tratava diretamente de uma disputa para definir quem assumiria a chefia dos assuntos capitalistas no mundo. Por isso, nesse momento, também havia um setor de socialdemocratas que estavam em “dúvida” do que fazer e um setor ainda mais minoritário que estava contra apoiar a guerra imperialista. Na votação desse dia emblemático até Karl Liebknecht, que virá a ser parceiro de Rosa Luxemburgo nos próximos anos, votou a favor do governo alemão. Há uma certa confusão sobre isso porque na realidade ocorreram duas votações, uma em agosto e outra em dezembro. Na de agosto Liebknecht votou a favor simplesmente por disciplina partidária, segundo o argumento dele, se pronunciando contra a guerra, mas votando a favor. Logo depois ele considerou que isso foi um erro, e de fato foi. Por isso, na votação de dezembro ele vai votar contra os créditos e ser então o único deputado contrário à guerra, fazendo história com essa posição.

Este ocorrido, o apoio da socialdemocracia à guerra, foi um acontecimento fatal para os revolucionários da época, mas não surpreende em si mesmo já que não se trata de uma capitulação que surge do nada. Era o resultado dos últimos 20 anos de revisionismo e oportunismo no seio da socialdemocracia, desvios sobre os quais Rosa Luxemburgo buscou empreender uma enorme batalha. Por isso o voto favorável aos créditos de guerra não era o começo de uma degeneração, mas sim o final de um longo processo, ou seja, era uma consequência lógica de ações passadas e não algo que aconteceu inesperadamente. Infelizmente a classe operária alemã, e internacionalmente, teve que pagar as consequências de uma política que atravessou uma fronteira de classes incorrigível.

Não somente a construção anterior dessa capitulação já estava colocada, como, em vários momentos, algumas discussões antecipavam o que viria a ser a ala esquerda da II Internacional. Em “Greve de massas, partido e sindicatos” de Rosa Luxemburgo sobre a Revolução Russa de 1905, folheto publicado em 1906, já podemos ver os primeiros indícios do início de uma ruptura de Rosa com a direção da socialdemocracia alemã que se negou a aprender sobre luta de classes com a experiência russa. Alguns anos depois, em uma troca entre Rosa Luxemburgo e Clara Zetkin [1] podemos ver um embrião da tática da ala esquerda da socialdemocracia alemã, onde Rosa já apontava o desvio parlamentarista e a mudança de eixo de gravidade do partido, deixando a luta de classes como algo subordinado ao parlamento. Estes combates a Karl Kautsky, inclusive, Rosa fez antes de Lênin, que reconheceu em uma carta a Shlyapnikov em outubro de 1914 “Rosa Luxemburgo tinha razão. Há tempo tinha compreendido que Kautsky era um teórico contemporizador, servo da maioria do partido, e em breve, servo do oportunismo”.

O fato é que no dia 4 de agosto de 1914 o SPD, assim como os outros partidos da Alemanha Imperial, se converteu em um grupo de pressão que articulava interesses especiais (ainda que taticamente em tempos de guerra) mas sem a esperança de tomar ou empenhar o poder do Estado, ou seja, diante de uma situação dramática para a classe trabalhadora o SPD atuava como um partido como qualquer outro do império alemão, pensando seus próprios interesses e já sem nenhuma intenção de tomada do poder em perspectiva revolucionária. Depois dessa votação a ala esquerda da social-democracia alemã se viu em situação catastrófica. Segundo Peter Nettl, tanto Rosa Luxemburgo quanto Clara Zetkin estiveram próximas do suicídio. Clara com maior desespero, Rosa com maior controle. E Rosa viu que a primeira tarefa depois de tudo isso era se separar dessa votação em apoio a guerra, ou seja, mostrar para as massas e para os camaradas dos outros países que eles não tinham acordo com essa política, não corroboravam com isso.

Por isso, na mesma noite do dia 4 de agosto Rosa convocou uma reunião com amigos mais próximos em seu apartamento. Depois Rosa enviou telegramas a 300 funcionários locais do partido que ela achava que eram oposicionistas chamando-os para uma Conferência urgente em Berlim. Segundo Rosa “Clara Zetkin foi a única que imediatamente e sem reservas me comunicou seu apoio. Os outros – os que se deram o trabalho de pelo menos enviar uma resposta – o fizeram com desculpas esfarrapadas”. Depois disso, a primeira negação pública da política do SPD apareceu em setembro de 1914 em formato de um comunicado pouco categórico que dava a entender que haveria uma oposição na Alemanha de forma vaga: “Os camaradas doutor Sudekum e Richard Fischer realizaram na imprensa estrangeira do partido (na Suécia, na Itália e na Suíça) a tentativa de apresentar a atitude da socialdemocracia alemã durante a guerra atual à luz de suas próprias concepções. Por isso consideramos necessário assegurar aos camaradas estrangeiros que, certamente com muitos outros socialdemocratas alemães, vemos essa guerra, suas origens, seu caráter assim como o papel da socialdemocracia na situação atual desde um ponto de vista inteiramente diferente, e que não corresponde ao dos camaradas Sudekum e Fischer. A lei marcial nos impede de no momento expressar publicamente nosso modo de ver. Assinado: Karl Liebknecht, Dr. Franz Mehring, Dra. Rosa Luxemburgo, Clara Zetkin”.

Uma carta claramente vaga, mas que buscava transmitir o recado de uma “visão diferente”. Esse “tom” foi proposta de Rosa Luxemburgo com a expectativa de que isso lhe aumentasse o número de assinaturas, o que, efetivamente, não aconteceu. Mas a carta apareceu em jornais na Suíça e Lênin captou a mensagem. Segundo Ernst Meyer essa declaração foi reconhecida posteriormente como o primeiro passo concreto para a criação de um partido comunista separado, no caso o KPD alemão ainda que com muito atraso. Logo depois Karl Liebknecht começa a ter mais visibilidade dando claramente um giro aproveitando a localização como deputado para fazer eco dessas posições e também porque sua votação em dezembro converteu seu nome em um símbolo da ala esquerda. Nesse momento ele vai dizer como parte do discurso do seu voto: “O inimigo está em casa”. E isso vai selar fortemente a parceria entre Karl e Rosa.

No começo de março de 1915 Rosa tinha planejado acompanhar Clara Zetkin a uma Conferência Internacional de Mulheres na Holanda. Mas no dia 17 de fevereiro ela foi presa, foi uma prisão inesperada com o argumento de que estava “organizando encontros políticos”. Karl Liebknecht ficou mais sozinho do que nunca sem Rosa Luxemburgo, que era o impulso intelectual do grupo. Mas neste momento da prisão ela vai escrever a obra “A crise da socialdemocracia alemã” que ela chegou a batizar de Brochura de Junius que era seu codinome na prisão. Uma das passagens mais conhecidas diz o seguinte: “A vitória do proletariado socialista está ligada a leis pétreas da história, a milhares de rebentos de um desenvolvimento precedente doloroso e demasiado lento. Mas ela jamais se consumará se da substância das precondições materiais reunida pela história não saltar a centelha incendiária da vontade consciente das grandes massas”.

Nesse mesmo período lançaram a Revista A Internacional. Em abril Rosa escreveu um texto chamado “A reconstrução da Internacional” onde dizia: “A nova versão do imperialismo histórico (emendado pela direção do SPD) nos dá a escolher entre este ou aquele. Ou a luta de classes é a razão de ser do proletariado inclusive durante a guerra e a proclamação da harmonia das classes pelas autoridades do partido é uma blasfêmia contra o verdadeiro interesse vital da classe trabalhadora, ou a luta de classes inclusive em tempo de paz é uma blasfêmia contra os “interesses nacionais” e a “segurança da pátria”. (...) A Internacional não ressuscitará entonando depois da guerra o mesmo som de sempre... somente pode começar o renascimento da Internacional diante de uma cabal e cruel burla de nossas próprias debilidades, da nossa decorada moral a partir de 4 de agosto, e um primeiro passo nesse sentido somente pode ser terminar rapidamente com a guerra”. Aqui ficam marcados os primeiros comentários de Rosa em apontar os limites da II Internacional. Ainda assim, ela não defendia o surgimento de uma nova internacional, mas sim uma certa “reconstrução” ou até mesmo em termos de “ressuscitar” a II Internacional. E o caminho que ela vê para isso é o caminho do fim da guerra. Nestes pontos estão novas divergências com Lênin, para além dos conhecidos debates sobre espontaneidade e consciência ou partido de massas e partido de vanguarda. Lênin, corretamente, não considerava que se tratasse de reconstruir a antiga Internacional com novos dirigentes, era preciso uma Internacional diferente, nova, que se separasse dessa traição.

Lênin inclusive faz comentários sobre a chamada “Brochura Junius” sem saber que se tratava de Rosa Luxemburgo, ainda que lhe fosse claro que se tratava de alguém da ala esquerda. Lênin capta, mais uma vez, com exatidão a situação concreta: “Parece alguém que está a margem, como um lobo solitário, que não tem camaradas vinculados a ele em uma organização ilegal, acostumada a pensar soluções revolucionárias até o fim e a educar as massas nesse sentido. Mas estes defeitos – e seria totalmente injusto esquecer disso – não são falhas pessoais em Junius, mas consequência da debilidade de toda a esquerda alemã, atada por todos os lados pela infame rede de hipocrisia e a pedanteria kautskistas e toda a “boa vontade” dos oportunistas”. Essa citação é de um texto de 1916 que está reunida nas Obras Completas de Lênin onde ele descreve o isolamento que estava Rosa Luxemburgo, mas também aponta sua “solidão” mais estratégica ao não estar vinculada a uma organização acostumada a pensar soluções revolucionárias até o fim. Lênin não culpa “Junius”, mas sim a esquerda alemã diante do que foi o kautskismo, com quem ele já havia rompido completamente. Lênin segue: “Junius quase acerta com a resposta devida à questão e com a solução correta: a guerra civil contra a burguesia e a favor do socialismo; mas ao mesmo tempo volta mais uma vez a fantasia de uma guerra nacional nos anos 1914, 1915 e 1916 como se tivesse medo de dizer a verdade até o fim... Proclamar a revolução, ainda que seja, com um programa revolucionário incorreto. No mesmo lugar declara Junius corretamente que não se pode “fazer” uma revolução. Mas a revolução estava no programa (da história) nos anos de 1914 a 1916. Estava nas entranhas da guerra, e nasceria da guerra. Por isso deveria ter-se proclamado em nome das classes revolucionárias: seu programa deveria ter se desenvolvido sem temor”.

Nesta passagem Lênin expressa as posições que defendeu na Conferência de Zimmerwald que foi uma Conferência que vai reorganizar a ala esquerda da II Internacional depois da traição. Ele defendia que a política dos revolucionários diante da guerra não pode ser voltar à paz, e sim “que deveria ter uma guerra civil contra a burguesia e a favor do socialismo”. Essa ideia ele vai elaborar mais profundamente na própria Conferência que ocorreu em duas sessões em setembro de 1915 e depois em abril de 1916. Nessa Conferência ele propõe fundar uma nova Internacional e sintetiza essa posição sobre a guerra na frase “transformar a guerra imperialista em guerra civil”, ou seja, não tem que ser uma guerra entre os estados imperialistas e sim uma guerra civil onde as massas empunhem as armas não contra seus irmãos de classe nos países vizinhos e sim contra sua própria burguesia em defesa do socialismo. Inclusive no que diz respeito ao derrotismo revolucionário, ou seja, que o proletariado na luta contra seu próprio governo caso este fosse derrotado por inimigos estrangeiros não deveria “parar a luta de classes” já que uma derrota militar facilitaria o avanço da revolução, uma posição que Lênin havia apreendido de forma sagaz depois da derrota russa frente ao Japão em 1904-05, e que se provaria correta durante a revolução russa de 1917 combatendo qualquer tipo de pacifismo.

Toda esta situação pós votação dos créditos de guerra também significou uma reorganização na própria ala esquerda da socialdemocracia alemã, debates que Lênin também foi acompanhando de perto. Em janeiro de 1916, antes da segunda sessão da Conferência de Zimmerwald, foi fundada a Liga Espartaco, que levava o nome do dirigente da grande rebelião dos escravos contra o Império Romano. A Liga era uma tendência interna, um grupo interno do SPD, e estava dirigida pelos dois políticos mais conhecidos e populares da Alemanha que eram justamente Karl Liebknecht e Rosa Luxemburgo. Essa Liga buscava recuperar o SPD depois da traição do dia 4 de agosto e a desorientação profunda que reinava no partido. Eles começaram a enviar cartas a dirigentes e militantes de todo o país, buscando burlar a censura, o estado de sítio e a própria disciplina interna do SPD, e tentando convencê-los a se juntar à Liga e construir uma ampla corrente de oposição interna à direção do partido, que oficialmente apoiava o governo no seu esforço de guerra e tinha se comprometido com uma suposta “unidade nacional” mas para impedir a luta de classes, e dessa maneira o SPD e os dirigentes sindicais atuavam como “polícia” do governo dentro do movimento operário.

A fundação da Liga Espartaco era expressão de que diante da traição do próprio partido a esquerda teve que refletir o que fazer, como continuar militando e sob que forma de organização, e tinham várias possibilidades. Uma possibilidade era abandonar o SPD e fundar um novo partido. Esse foi o caminho que tomaram desde o começo de 1916 – quando já havia passado 1 ano e meio da traição – um setor da esquerda socialdemocrata cujos principais referentes eram Anton Pannekoek, teórico holandês, Karl Radek, de origem polonesa e também Paul Frölich. Eles ficaram conhecidos como “os radicais de esquerda” e tinham maior vinculação com os bolcheviques russos com a mesma posição de chamar a fundar novos partidos e uma nova internacional.

Outra possibilidade de como continuar a luta era continuar funcionando como uma tendência interna dentro do SPD, buscando ganhar o máximo possível dos seus militantes e dirigentes. E esse foi o caminho que tomou a Liga Espartaco. Rosa Luxemburgo considerava que romper com o SPD era equivalente a romper com o próprio movimento operário, se localizar à margem dele e terminar se transformando em uma seita. A esta altura é chamativa a decisão de não romper com o SPD quando ele protagoniza esse nível de traição. Neste episódio vemos fortemente a concepção da Rosa em não se afastar de maneira nenhuma do SPD. Para ilustrar sua visão, quando sua amiga Henriette Roland-Holst queria romper com a socialdemocracia holandesa em 1908 ela escreveu o seguinte: “Uma fragmentação de marxistas (não confundir com diferenças de opinião) seria fatal. Agora que quer deixar o partido quero impedir com todas minhas forças que o faça. Sua demissão da socialdemocracia holandesa significa simplesmente que você vai se afastar do movimento socialdemocrata. Isso não deve ser feito! Nenhum de nós deve fazer isso! Não podemos estar fora da organização, fora do contato com as massas. O pior partido da classe operária é melhor que não ter nenhum”.

Essa citação mostra de forma visceral o quanto Rosa era uma mulher de partido. Mas mostra o seu maior erro, que foi em base a essa concepção não tomar a decisão correta frente a uma traição do partido, que seria se retirar do mesmo e batalhar pela construção de uma nova internacional. Foi isso que aconteceu em 1914. A ala esquerda alemã ficou nessa importante crise, passaram por prisões, ela escreveu esse folheto Junius e decidiram fundar um grupo mais organizado, ou seja, dar um caráter de grupo para essas pessoas que desde 1914 estavam incomodadas com a política da direção do SPD e em janeiro de 1916 fundam a Liga Espartaco. Só que a Liga Espartaco se manteve dentro do SPD, não era um grupo independente e era bastante minoritário.

Ao mesmo tempo que fundaram a Liga Espartaco, surgiu dentro do próprio SPD um grande grupo intermediário, entre a direita e a esquerda, que inclusive tinha uma quantidade importante de deputados, que se chamava “Grupo de Trabalho Socialdemocrata”. E o principal representante desse grupo era o Karl Kautsky, liderando novamente o setor intermediário do partido junto com o revisionista Bernstein. Eles se localizavam como uma “oposição leal” à direita do SPD, justificando no começo o voto a favor dos créditos de guerra e a entrada ao conflito bélico da Alemanha com o argumento de que Alemanha estava atuando supostamente em uma guerra defensiva, mas depois, à medida em que a repressão, a censura e a exploração se intensificaram, este setor, junto com seus deputados, começaram a votar contra os créditos de guerra e a se opor às medidas de guerra “não defensivas”. A questão é que sua oposição era completamente passiva e restrita ao parlamento.

Também começava a surgir durante a guerra uma oposição operária nas fábricas. Sua expressão organizativa era de uma corrente interna do próprio SPD e dos sindicatos, chamada de “Delegados Revolucionários”, com muita força entre os metalúrgicos de Berlim, particularmente nas fábricas de armamentos, seu bastião, de onde vinha seu principal dirigente Richard Muller (que em 1925 escreveu e publicou a primeira história marxista da Revolução Alemã) mas também surgem correntes parecidas de “delegados revolucionários” em outras partes do país. Os Delegados Revolucionários constituíam uma rede clandestina e conspirativa que trabalhava unicamente dentro das fábricas e coordenava suas ações com a Liga Espartaco. Que, por sua vez, influenciava teórica e politicamente os Delegados Revolucionários, mas se tratavam de duas correntes distintas, inclusive os espartaquistas tinham pouco trabalho próprio nas fábricas.

Os Delegados Revolucionários e a Liga Espartaco organizaram conjuntamente a primeira grande ação pública de oposição à guerra: o 1º de maio de 1916 foi um ato em uma praça muito importante do centro de Berlim, cujo único orador foi Karl Liebknecht, mas ele só conseguiu falar duas palavras de ordem “Abaixo a guerra! Abaixo o governo” em seguida sendo preso com forte repressão. Em junho de 1916 ele foi julgado e os Delegados Revolucionários organizaram a primeira greve política pela libertação de Liebknecht. Em abril de 1917, quase a metade dos deputados social-democratas que pertenciam ao outro grupo, o “Grupo de Trabalho Socialdemocrata” dirigido por Kautsky se opôs a votar um novo crédito de guerra e foram expulsos do SPD dirigido neste momento por Scheidman e Ebert. Como consequência disso se fundou um novo partido, com muito peso, o Partido Social-Democrata Independente da Alemanha, conhecido pela sigla USPD, ao qual a Liga Espartaco se somou como tendência interna assim como os Delegados Revolucionários. Dessa maneira, o USPD representava uma espécie de “retorno ao SPD das origens”, de antes da guerra, já que seus principais dirigentes eram os próprios líderes do velho SPD, desde Bernstein e Kautsky até Rosa e Liebknecht. O USPD se tratava então de um partido centrista de massas porque oscilava entre correntes e posturas reformistas e revolucionárias... Os “Radicais de Esquerda”, que cooperavam com os espartaquistas e queriam fundar um partido revolucionário em comum com eles, na verdade ficaram de fora, mas não conseguiram fundar um outro partido. Em todo este período pós traição, Rosa, equivocadamente, nunca batalhou pela construção de um novo partido diretamente comunista na Alemanha, como lhe aconselhou Lênin.

A definição de 1904 de Rosa de que a socialdemocracia e o movimento da classe operária eram praticamente a mesma coisa levava a uma visão que podemos chamar de “partido-processo” naquele momento mais parecida com a de Trótski – que em 1917 muda completamente e dá razão a Lênin. Ou seja, uma visão de que o partido de fato se forma somente “no calor dos acontecimentos”, onde a conformação do partido é um “processo” do momento da luta e não tem ênfase o prévio, planificado, como foi o Partido Bolchevique de Lênin. Isso não significa que o Partido Bolchevique de Lênin não considerasse que o partido poderia se transformar e avançar nos processos de luta, a diferença estava mais na etapa preparatória, ou seja, na ênfase e na importância que Lênin dava para um partido preparado, que estudasse inclusive a arte da insurreição para se preparar o máximo possível. Rosa achava que isso tolhia a espontaneidade das massas. Já Lênin considerava que sem isso era impossível tomar o poder. De fundo, a diferença estava no fato de que Lênin batalhava por construir frações revolucionários no proletariado que pudessem se transformar em força material (militância real) para dar carne as ideias do marxismo revolucionário que se preparassem para atuar nos momentos mais decisivos (e inclusive nos menos decisivos que ele sempre chamava de “escolas de guerra”) sendo dirigidos por uma direção o mais preparada possível. Essa não era a visão de Rosa.

Essas posições de Rosa foram as bases para seu não rompimento com o SPD depois de 1914. Apesar de ver com precisão a burocratização dentro do SPD não tirou conclusões radicais sobre isso, diferente de Lênin que propôs para Rosa romper e fundar um partido independente e foi quem deu o passo para de fato romper a II Internacional a partir da traição em 1914 e construir a III Internacional anos depois. Ainda assim, no final de 1918 finalmente é fundado um partido de fato independente como propunha Lênin que foi o Partido Comunista Alemão, o KPD. Mas foi fundado de forma totalmente improvisada e nas piores condições, sem nenhuma preparação. E na prática era um partido de “vanguarda”. O KPD tinha 10 mil militantes em todo o país, enquanto o USPD tinha 2 milhões. Em Berlim, que era o bastião dos esparquistas, tinha 600 militantes quando o USPD tinha 200 mil. Então na prática ao final de sua vida Rosa percebeu que era necessário ter um partido independente, de vanguarda inclusive, mas a questão é que ao fazer isso de forma totalmente improvisada e sem preparação, a Revolução Alemã chegou num momento em que não havia um partido revolucionário como havia na Rússia de 1917, havia apenas um partido reformista que não somente traiu a revolução como assassinou Rosa, e um partido centrista que era o USPD. Inclusive, Paul Levi, que era advogado da Rosa; também seu companheiro; e assumiu a direção do KPD depois da sua morte em 1920 apontou que o principal erro dos alemães foi não ter se organizado de forma independente, inclusive antes de 1914. Lênin considerava que o partido era um destacamento da vanguarda para dirigir a maioria da classe para tomada do poder e isso foi feito na prática em 1917.

Os grandes debates e a reorganização da ala esquerda da socialdemocracia e da II Internacional depois da I Guerra e da traição são ricos debates que permitem um fio de continuidade com a atualidade que é uma firme posição contra a guerra e por uma política revolucionária como expressou a ala esquerda, particularmente Lênin na Conferência de Zimmerwald, que permite atualizar a consigna de luta contra a guerra imperialista em um momento em que vivemos uma ofensiva russa na Ucrânia e a ocupação da OTAN no Leste Europeu.


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FOOTNOTES

[1Carta de Rosa Luxemburgo a Clara Zetkin, 1907: “Desde que retornei da Rússia, me sinto muito isolada... Advirto sobre a maldade e a vacilação do regime de nosso partido mais clara e dolorosamente que nunca. De qualquer forma, não posso me alegrar com a situação como você, porque vejo com uma clareza desanimadora que nem as coisas e nem as pessoas podem se modificar até que toda a situação se transforme, e ainda assim teremos que contar com uma resistência inevitável se quisermos ajudar as massas a continuarem avançando. Cheguei a esta conclusão depois de amadurecer tal reflexão. A verdade nua e crua é que August [Bebel], e os outros ainda mais, se entregaram plenamente ao parlamento e ao parlamentarismo, e sempre que ocorre algo que transcende os limites da ação parlamentar eles se sentem perdidos. E pior que perdidos, porque fazem tudo que podem para obrigar o movimento a voltar ao eixo parlamentar e atacam furiosamente ’como inimigo do povo’ qualquer pessoa que se atreva a ir além dos limites deles. Me parece que as massas organizadas dentro do partido estão cansadas de parlamentarismo e que receberiam muito bem uma nova linha na tática; mas os dirigentes e, ainda mais, o estrato superior de editores oportunistas, deputados e dirigentes sindicais parecem abafá-las. Devemos protestar vigorosamente contra este estancamento geral, mas é evidente que, ao fazê-lo, nos enfrentaremos com os oportunistas, assim como com os dirigentes do partido e com August. Enquanto nos defendíamos contra Bernstein e seus amigos, August e cia estavam felizes com nossa ajuda, porque não conseguiam lidar com a situação sozinhos. Mas quando lançamos uma ofensiva contra o oportunismo, August e os outros estão com Ede [Bernstein], Vollmar e David contra nós. É assim que vejo as coisas, mas o principal a manter é não abaixar a cabeça e não se emocionar muito. Nosso trabalho duraria por anos”.
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