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DIA 29 DE AGOSTO | A origem da opressão às mulheres: estudantes da USP se preparam para o encontro do Pão e Rosas

No último sábado, dia 22 de agosto, há uma semana do Encontro, estudantes da USP organizaram um debate como preparação para o Encontro Nacional de Mulheres e LGBTs do Pão e Rosas. Partindo de uma análise de conjuntura e dos conceitos trabalhados por Engels em "A Origem da Família, da Propriedade Privada e do Estado", discutiu-se a respeito das origens da opressão às mulheres e como ela se apresenta hoje.

Flávia ToledoSão Paulo

quarta-feira 26 de agosto de 2015 | 13:31

A opressão às mulheres é bastante anterior ao capitalismo. Por que, então, reforçamos sempre a necessidade de, para um combate efetivo ao machismo, combater as bases do sistema capitalista, nos contrapondo ao feminismo burguês que alimenta esperanças de emancipação por dentro desse sistema? Por que também nos contrapomos a setores de uma esquerda inconsequente que afirma que, não havendo emancipação possível das mulheres no capitalismo, devemos ignorar a luta das mulheres e tocar apenas a luta anticapitalista, deixando para “depois da revolução” a discussão a respeito das opressões?

Olhando para a realidade atual, não é difícil compreender como o capitalismo se aproveita da opressão à mulher para superexplorá-la e, consequentemente, aumentar a exploração do conjunto da classe trabalhadora. Além da desigualdade salarial – a média salarial das mulheres é mais baixa do que a média salarial de homens, cabendo às mulheres os trabalhos mais precários e pior remunerados -, temos também uma série de dificuldades para que mulheres consigam empregos, como ter filhos ou ser recém casada (quando aumentam as chances de a mulher engravidar e a empresa ter de arcar com a licença maternidade), baixa escolarização entre mulheres de baixa renda etc. Com mais mulheres desempregadas, a quem se “pode” pagar menos, o salário médio do trabalhador cai, pois há um enorme contingente precisando de emprego e resignado a receber baixos salários.

A função social da mulher também colabora para a exploração capitalista. Sendo o salário médio o custo da reprodução da força de trabalho – portanto, o necessário para que o trabalhador permaneça vivo e capaz de realizar o seu trabalho -, é fundamental para o capitalismo que se compreenda como “natural” a execução de certos trabalhos gratuitamente. Ou seja, associando o trabalho doméstico a uma função “natural” das mulheres, como preparação de comida, limpeza etc, o capitalista não precisa pagar por esse trabalho, necessário para a reprodução da vida, nem o Estado arcar com ele por meio de refeitórios e lavanderias públicas, por exemplo.

Tendo como suas as tarefas domésticas, as mulheres trabalhadoras cumprem duplas jornadas, pelo menos, tendo um número muito maior de horas de trabalho não remuneradas do que os homens, que também não recebem o equivalente à totalidade de horas trabalhadas para garantir o lucro do patrão. Isso, somado a toda a violência sofrida cotidianamente pelas mulheres, que nenhum Estado burguês efetivamente combate, a negação ao aborto seguro para aquelas que não podem pagar, uma ciência cujo desenvolvimento está voltado para o lucro e que não é dedicada a questões tão necessárias a mulheres: são todos dados que provam que o capitalismo se beneficia da opressão às mulheres.

No entanto, o capitalismo não inventou o machismo. A divisão de funções entre homens e mulheres e a opressão destas é muito anterior ao atual modo de produção. Engels analisa em seu “A Origem da Família, da Propriedade Privada e do Estado” como se dá a transformação das diferenças em desigualdade. Segundo Engels, o desenvolvimento da humanidade se dá pelo desenvolvimento do trabalho, ou seja, o trabalho realizado pelo ser humano seria um elemento constitutivo do ser humano como tal. Com o desenvolvimento da agricultura e da domesticação de animais, além do avanço tecnológico das ferramentas, a possibilidade de instalar-se em um lugar fixo e de produzir além da demanda imediata gerou um excedente de produção e novas funções e relações sociais. Produtos poderiam ser trocados entre tribos, uma vez que não seriam consumidos imediatamente pela coletividade. Daí a necessidade de alguém administrar esse excedente e as trocas. A divisão do trabalho passa a contar com aqueles que organizam o trabalho do conjunto da tribo e administram o fruto do trabalho, surgindo, aí, uma hierarquia na produção.

A primeira divisão de trabalho se dá pelas diferenças biológicas entre homens e mulheres (pensando, aí, em uma definição mais próxima de "macho" e "fêmea"): por conta da gravidez e da amamentação, as mulheres passaram a ser designadas para tarefas mais "internas" na coletividade. Já que os cuidados iniciais com as crianças poderiam ser supridos apenas pelas mães, todo o cuidado com a prole passa a ser sua função.

E assim o trabalho masculino ganha contornos externos à "casa", públicos, e o trabalho feminino vai se restringindo ao doméstico e privado. As funções de administração do excedente da produção, de trocas e, posteriormente, de subjugo de outros homens (escravos, por exemplo) surgem como funções masculinas. A posse, a propriedade privada cabe, aí, aos homens.

Da existência da propriedade privada e da necessidade de se passar uma herança para alguém surge a importância de uma filiação paterna (já que os bens são dos homens) bem definida. Para garantir que os homens beneficiassem apenas seus filhos "legítimos", a monogamia passa a ser uma regra - para a mulher, é claro.
Ou seja, à medida que surgem a propriedade privada e uma sociedade dividida em classes, surge também uma profunda desigualdade entre homens e mulheres. E ao longo da História, com o surgimento e a superação de diferentes modos de produção, essa desigualdade se mantém, levando à opressão estrutural das mulheres.

Quando falamos de opressão, falamos de uma ideologização das diferenças. Isso explica, por exemplo, o fato de a monogamia seguir sendo uma regra social ainda que haja diversas possibilidades de se evitar a concepção e descobrir laços de parentesco por meio de testes de DNA. Ou de ainda haver uma divisão de tarefas supostamente baseada em diferenças biológicas que o avanço tecnológico das forças produtivas há muito já deu conta de superar. E o fato de, apesar de inseridas no mercado de trabalho, as mulheres ainda terem como suas funções o trabalho doméstico.

Se a opressão às mulheres, a propriedade privada e a dominação de uma classe sobre a outra (ainda que estas se alterem, a História da humanidade, segundo Marx, é a história da luta de classes) andam juntas, o fim da opressão às mulheres passa, necessariamente, pelo fim da propriedade e por uma sociedade sem classes. Sendo o capitalismo a forma mais avançada de exploração, a luta contra a opressão às mulheres deve estar ligada à luta contra o capitalismo, e se a opressão às mulheres é um fator fundamental para a manutenção de um estado de forte exploração, a luta anticapitalista deve estar ligada à luta contra a opressão




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