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REFERENDO GREGO | A Grécia depois do NÃO

O jogo de Alemanha, França, Estados Unidos e o FMI. Os riscos econômicos e políticos de um “Grexit”. Novos e complexos cenários. Uma depressão deliberada. Restruturação, remover e ajustar. A posição de Stiglitz.

Paula BachBuenos Aires

terça-feira 7 de julho de 2015 | 01:28

O amplo triunfo do “Não” no plebiscito grego é uma clara expressão de cansaço dos trabalhadores e povo frente à prepotência da denominada “Troika”(União Europeia, Banco Central Europeu e FMI). A maioria dos representantes da UE, sob a liderança da Alemanha, trabalharam insistentemente durante os últimos dias pelo triunfo do “Sim”, atemorizando a população com um discurso de que um voto negativo conduziria a saída da Grécia da Eurozona.

Questão que se converteu em uma ameaça de expulsão ao mesmo tempo que em uma tentativa de derrubar o governo do Syriza. Enquanto isso, a França – ainda quando mostrasse sua preferência por um triunfo do “Sim” –, Washington e mais veladamente o FMI, com interesses imperialistas próprios, advertiram sérios riscos econômicos, políticos e geopolíticos, e pressionaram pela suavização do discurso da UE.

Os economistas norte-americanos e o prêmio Nobel, Stiglitz e Krugman, se manifestaram abertamente pelo triunfo do “Não” e defendiam por uma reestruturação da fraudulenta dívida grega. Em uma linha similar, o FMI que cumpriu um papel macabro durante os piores momentos das negociações, publicou a dois dias um informe – ocultado a fim de aguardar o instante até a pressão da UE – em que afirma a insustentabilidade das finanças púbicas gregas, apoiando uma remoção e um período sem pagar de vinte anos para as dívidas existentes. Casualmente, o mesmo que pedia Tsipras e o governo de Syriza.

Cenários

Haverá que se esperar os próximos dias para ver como se desenvolve a situação, ainda que o triunfo do “Não” inaugura novos cenários complexos. Em princípio Tsipras – e o renunciante Varoufakis – se propõe terminar de acordar as reformas exigidas pela Troika em troca da reestruturação da dívida. O diário El País disse que os referendos não levantam os “controles de capitais”, não abrem os bancos, não pagam os saldos públicos, nem garantem a permanência na zona do euro. E que, falando a verdade, essas possibilidades estão nas mãos da Troika, isto é, dos perdedores, sendo esse o paradoxo. O referendo é uma vitória contra a Troika, mas o problema é que a Troika é quem deve mover-se para evitar a saída do Euro. Por outro lado e contraditoriamente, a vitória sobre a Troika, criou saudáveis ilusões nas massas gregas que provavelmente complicam o propósito de Tsipras de ceder até o limite, muito além do desejo daqueles que acabam de outorga-lo outro voto de confiança.

Segundo o editorialista do Financial Times, Edward Luce, tanto o governo de Obama como o FMI – ferramenta norte-americana do poder financeiro mundial -, pediram insistentemente na Europa por uma quitação e reestruturação da dívida, mas não conseguiram, deixando em evidência a maior debilidade dos Estados Unidos no mundo. O autor assinala que o desespero para evitar o Grexit, tem fundamentalmente dois componentes: um econômico e outro geopolítico.

O econômico é que a saída da Grécia do euro poderia afetar tanto o crescimento dos principais sócios comerciantes dos Estados Unidos – debilitando as exportações norte-americanas – como estender-se afetando seriamente os mercados globais. Embora, nada pode prever como e em que medida, o risco de contágio do Grexit, pesa sobre a Reserva Federal dos Estados Unidos e suas intenções de elevar as taxas de juros. O geopolítico é que uma saída da Grécia do euro poderia fortalecer a Rússia que tem nos Balcãs um objetivo natural. A Grécia poderia sair do euro e permanecer na União Europeia, questão que representaria um cenário de “mal menor”. Contudo, eventualmente, este cenário também poderia iniciar uma reação em cadeia, expulsando a Grécia da UE e da OTAN. É um caminho imprevisível que poderia seguir uma Grécia desestabilizada. Por outra parte e agora, Merkel e Hollande só disseram que era necessário “respeitar a decisão do povo grego” e que se organizaria uma cúpula na terça-feira para discutir as consequências do referendo.

A Alemanha saiu dessa corrida danificada e perde força interna. Uma vez mais, não está descartando que sua debilidade relativa a impulsionar a romper suas próprias “linhas vermelhas” e impulsionar o desencadeamento do que poderia transformar-se em uma nova catástrofe. Não obstante, a Europa também necessita da integridade do euro e uma Grécia dentro da União Europeia e da OTAN. Questão que faz impossível descartar um acordo que busque impor a Grécia o brutal ajuste buscado em troca de algum tipo de reestruturação da dívida. Também o Banco Central Europeu caiu com menor margem e legitimidade para seguir puxando a corda.

Toda a imprensa imperialista cai com virulência sobre o Syriza e o Primeiro Ministro Tsipras a quem recordam que escapou do risco de ser “humilhado” e que “o orgulho grego foi salvo”, com a intenção de evitar que se “deixe influenciar” pela sensação de triunfo interno, para dispô-lo a aceitar cada uma das exigências da Troika. Uma tarefa complexa para Tsipras: toda vez que os trabalhadores e o povo grego se sentem um pouco mais fortes, sua missão conciliadora e redentora do capital se torna mais complexa.

Depressão Deliberada

A dívida grega alcança em torno de 177% do PIB. Desde o estouro da crise de 2008 e depois dois chamados “resgates” – através dos quais a Troika facilitou dinheiro a Grécia em troca de ajustes – o montante da dívida se incrementou de 112% do PIB até o alcançar o valor atual.

Durante o mesmo período o PIB caiu em 25% e o desemprego alcançou a marca de 27%. Stiglitz, ex economista chefe do Banco Mundial, um conhecedor – se houver – do funcionamento deste tipo de mecanismos assinalou “Não me ocorre nenhuma outra depressão, nenhuma, que tenha sido provocada de forma tão deliberada e tenha tido consequências tão catastróficas” (The World Post). Para adicionar, as políticas prévias “resultaram benéficas para Alemanha e outros resgatadores, que se aproveitaram da angústia grega ao aplicar-lhe uma taxa de juros muito, muitíssimo mais alta que o custo do seu capital” (El Huffington Post). Adiciona ainda, que “depois de anos de chantagem a Grécia e exigências insaciáveis de austeridade, que levaram a uma depressão econômica catastrófica, a Troika conseguiu empurrar o país para o abismo do não-pagamento.

A reestruturação de 2012, segundo Stiglitz, não só não foi suficientemente profunda, mas também modificou a composição da dívida, que passou de mãos de credores em sua maioria privados a credores públicos, questão que dificulta novas reestruturações. Justamente a passagem da dívida de mãos privadas a públicas foi a resultante da grande operação de resgate dos bancos privados por parte dos Estados desde 2008, com a adição de que este mecanismo centraliza muito mais a posse da dívida, dificultando sua reestruturação. O que é notável é que depois esta série de alegações, não ocorreu a Stiglitz a possibilidade de que a Grécia rejeite definitivamente o pagamento de tal fraude. Tampouco ocorreu a Tsipras, apesar de ter-se encarregado da investigação da dívida com uma comissão integrada por 15 especialistas estrangeiros e 15 especialistas nacionais. Após uma extensa avaliação, a comissão determinou a dívida “ilegal”, “ilegítima” e “odiosa personagem insustentável” recomendando o seu não-pagamento.

O FMI, Stiglitz e Syriza

Enquanto as instituições europeias e do FMI revelam em certa medida interesses conflitantes, sua essência os unifica e em parte jogam o jogo da “policial bom” e do “policial ruim”. A finalidade consiste em afogar os trabalhadores e o povo grego até o máximo possível, mas evitando a crise. Embora, e como assinalamos, tanto pela divergência de interesses como pela complexa situação que atravessa a Grécia, o jogo pode falhar. A proposta de reestruturação da dívida que revelou o FMI nos últimos dias, tem alta probabilidade de transformar-se em fator chave da discussão nas mesas de negociação.

Ainda não foi publicada em detalhe, mas seu conteúdo consistiria fundamentalmente em que os organismos europeus apliquem uma leve redução de 30% na dívida, um prazo de pagamento de 20 anos e uma “ajuda” a Grécia ao redor de 50 milhões de euros em troca... do plano de ajuste da Troika. Este era o que casualmente recomendava o ex Secretário do Tesouro norte-americano, Larry Summers, no Financial Times, há 15 dias. Stiglitz, por sua vez, se localiza com uma espécie de ala “ultraesquerda” deste programa.

Rechaçando o ajuste “explícito” e assinalando que a economia deve crescer, para logo poder pagar. Embora reconheça diferenças entre Grécia e Argentina de 2001, sugere – de forma tímida e sem demasiada convicção – que este último poderia eventualmente ser o caminho. Trata-se de outro tipo de ajuste, distinto do modelo da Troika, e é o ajuste da desvalorização. Na Argentina, onde um default de uma dívida impagável foi imposta pelos acontecimentos em 2001, a desvalorização no ano seguinte aprofundou largamente a recessão que, entre outras pérolas, provocou uma queda de 40% - em termos reais – dos salários.

A recuperação econômica na Argentina começou em 2003. Mas incluso em um cenário em que os trabalhadores e amplos setores de massas se sentiam com a força de ter voltado a um governo e ainda depois uma troca que reduziu a dívida ao redor de 75% - caso toda a dívida reestruturada estava em mão de credores privados -, os ganhadores resultaram ser, de longe os donos do capital e os credores. Pouco tempo depois de começada a recuperação, a Argentina retoma – em seguida, troca – o pagamento da dívida em 2005 e os lucros dos donos de capital – ao menos dos mais concentrados – crescem em termos relativos muito mais que os salários, questão que indica um incremento da exploração do trabalho. Enquanto isso e, em média, apenas em 2007 os salários foram capazes de recuperar o valor real já deprimido que eles desfrutavam em 2001. Junto – e como disse a presidenta CFK - os donos do capital “ganharam muito” e a Argentina se tornou um “pagador em série” da dívida externa.

E ainda assim o problema mais profundo é que o capitalismo não funciona de maneira evolutiva, mas destrutiva. Não é verdade que como lei os trabalhadores avançam lenta ainda que firmemente rumo a uma melhora qualitativa e durável em seu nível de vida, muito menos quando o fantasma dos limitados espaços para a acumulação assolam o capital internacional.

Não, os pequenos avanços conseguidos pelos trabalhadores são fagocitados na próxima crise. Por isso, em termos gerais – e mais ainda nas últimas décadas -, a desigualdade no modo capitalista de produção cresce. E, salvo escassas exceções, os trabalhadores não se convertem em donos do capital, mas em um perpétuo trabalho de Sísifo tentam ciclo a ciclo manter o valor de seus salários. Além do fato de que a situação grega é qualitativamente distinta da Argentina em 2001, não é progressista o sopro da desvalorização contra o ajuste, simplesmente porque se trata apenas de uma troca de formas. E o que geralmente força o capital para as concessões não são exatamente as distintas “mecânicas” econômicas aplicadas, mas as relações de força entre as classes.

Por último, o Syriza já havia expressado sua estratégia na voz de seu Ministro de Finanças, Varoufakis, que horas antes do plebiscito disse estar disposto a aceitar medidas duras em troca de uma reestruturação da dívida e investimentos. Sua recente renúncia – aparentemente exigida pela Troika – é uma nova oferta do Syriza. Indica que, prontos para apaziguar e resgatar o capital, vão fazer todo o possível para transformar em um “Sim” o determinante “Não” que os trabalhadores e o povo grego exclamaram contra a Troika.

A saída está em outra parte. Não ao pagamento da fraudulenta dívida, Não ao ajuste, por uma ruptura das negociações com a Troika e um plano integral de emergência.




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