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ANIVERSÁRIO DA REVOLUÇÃO CUBANA | A 60 anos da Revolução Cubana

O 60º aniversário da revolução ocorre no contexto da mudança da Constituição da República e a da saída do Governo da geração de 59. O que estas mudanças significam para a ilha e para as conquistas revolucionárias.

quinta-feira 3 de janeiro de 2019 | Edição do dia

Este primeiro de janeiro marca o 60º aniversário da Revolução Cubana, uma revolução social que, por sua profundidade, encorajou a luta dos povos de todo o continente contra a dominação imperialista e a exploração capitalista. Este ano é especialmente importante porque ocorre no contexto de dois grandes eventos históricos: a mudança da Constituição da República e a saída do governo da velha geração que liderou a Revolução.

No primeiro caso, sem querer fazer aqui uma defesa da Constituição anterior, que foi aprovada em 1976, sem passar nem ao menos por um parlamento eleito pelo povo, e consagrou o regime reacionário de partido único do Partido Comunista Cuba (PCC), a nova "lei das leis" implica um enorme retrocesso para a economia nacionalizada, para os instrumentos que a protegem relativamente da economia mundial capitalista, e os elementos da planificação econômica, que eliminava o lucro como um motor do aparelho produtivo.

Esses são as principais conquistas sociais que permitiram ao povo cubano contar até alguns anos atrás, apesar do bloqueio imperialista, com o pleno emprego (que não existe mesmo em países imperialistas mais desenvolvidos), leite para bebês e crianças até 5 anos além de acesso à todas as vacinas, saúde e educação gratuitas, em muitos casos superiores a outros países latino-americanos (a expectativa de vida ao nascer é de cerca de 80 anos e o analfabetismo já foi erradicado em 1961), moradia gratuita (que não existe em qualquer lugar do planeta, apesar de condições visivelmente deterioradas), serviços essenciais quase gratuitos como água, gás, luz e transporte (que também não existe em qualquer lugar, e apesar disso durante os anos mais críticos a luz e o transporte foram muito afetados), entre outras. Aquelas conquistas que deram à revolução um caráter socialista estão seriamente ameaçadas com a introdução da propriedade privada e o mercado capitalista na nova Constituição.

Sempre que falamos sobre as conquistas sociais da revolução (expropriação/nacionalização da grande propriedade privada, monopólio do comércio exterior, a centralização e planejamento da economia) entendemos e analisamos com relatividade devido ao fato da revolução ter nascido com fortes deformações em relação ao programa ou medidas da revolução operária e socialista em contraposição à como foram realizadas nos primeiros anos da Revolução Russa, quando os conselhos (sovietes) de trabalhadores, camponeses e soldados conduziam o país; ter ocorrido mais tarde uma degeneração devido ao criminoso bloqueio imperialista e a dependência brutal da União Soviética e do "bloco soviético", que sustentou a economia cubana com enormes subsídios, mas ao preço de, por exemplo, reprimarizar a economia em torno de açúcar dentro a falsa ideia stalinista de "divisão socialista internacional da economia"; terem sido sufocadas pelo planejamento burocrático da economia e, após a restauração da URSS, a introdução das reformas de mercado que praticamente desmantelou o monopólio do comércio exterior, fundamental para resistir à economia capitalista mundial, debilitando a propriedade nacionalizando e criando uma estratificação da sociedade com setores mais beneficiados, ligados ao dólar, e outras maiorias cada vez mais empobrecidas; de 2010-2011 com a aplicação das "diretrizes econômicas" votadas pelo VI Congresso do PCC, vimos um aprofundamento e ampliação dessas reformas de mercado que agravam ainda mais a situação.

Mas, apesar desses limites e subsequente degradação sofrida pela economia nacionalizada, o monopólio do comércio exterior e a planificação econômica (embora burocrática) demonstrou a sua enorme superioridade sobre as economias capitalistas com milhões de pobres e indigentes, desempregados sem acesso à saúde, sem as necessidades básicas satisfeitas, com um ensino primário e secundário deplorável e sem acesso ao ensino superior (e em muitos casos o analfabetismo continua), com enormes e crescentes favelas onde se agrupam milhões de pessoas que o sistema arrasta para a miséria. Apenas basta comparar outros países semelhantes na região, como Haiti, Jamaica, Nicarágua ou até mesmo outros países mais desenvolvidos, como Brasil ou Argentina, para ver essa realidade.

A nova constituição

Quando dizemos que implica um forte retrocesso, é porque pela primeira vez se outorga um artigo constitucional à propriedade privada capitalista, ao investimento 100% estrangeiro, e abre as portas para "gestão" privada ou mista de meios básicos de produção e serviços. A propriedade privada e o investimento estrangeiro já existem parcialmente e de forma controlada pelo Estado há anos, mas só foram permitidos por leis e decretos específicos, como a Lei de Investimentos Estrangeiros.

Isso significa uma base muito mais sólida para o capital e mais difícil de reverter, dando-lhe o que chamam de "segurança jurídica". Além disso, este quadro jurídico superior, permite que o capital que é agora limitado ao turismo (a maior entrada de divisas) e níquel (principal produto de exportação), possa expandir e diversificar para outros setores da economia, embora o texto mantenha menções à "irrevogabilidade do socialismo" e até mesmo o "objetivo final da construção da sociedade comunista".

Como dissemos em outros artigos, a burocracia do PCC tem como "modelo" os casos da China e do Vietnã, onde se voltou para o capitalismo mantendo o regime de partido único e um forte controle do Estado pela burocracia governante.

É por isso que a nova Constituição também mantém as menções de que a sociedade é baseada na "propriedade socialista de todo o povo nos meios fundamentais de produção, como uma forma de propriedade principal, e na direção planificada da economia", embora agora se agregue "que considera e regulamenta o mercado, de acordo com os interesses da sociedade" e reconhece "a propriedade privada: aquela que é exercida sobre determinados meios de produção, conforme o estabelecido".

Ao mesmo tempo estabelece limites observando que "O Estado regula para que não exista concentração de propriedades em pessoas naturais ou jurídicas não estatais" e depois "A lei estabelece as normas que asseguram o cumprimento eficaz" (art. 22), o que resulta ser suficientemente ambíguo (regula para que não exista) para que o governo possa determinar o grau de acumulação de capital no ramo ou setor que lhe convier ou para tal grupo de negócios específico.

Alcance e limites da reforma

O economista liberal Carmelo Mesa-Lago estudou durante décadas a economia cubana e o relacionamento com os Estados Unidos. Professor de Economia e Estudos Latino-Americanos da Universidade de Pittsburgh desde 1999, é crítico do bloqueio norte-americano, enquanto exige reformas pró mercado muito mais profunda do que as impulsionadas pela burocracia. Em fevereiro 2018 afirmou que "O principal problema do modelo [de Cuba] é proclamar de forma ’machacona’ que o ’plano central’ deve prevalecer sobre o mercado e a propriedade estatal sobre a não-estatal, e o princípio da que não pode haver concentração de riqueza e propriedade, que também é aplicado arbitrariamente" (entrevista em Cubaposible.com). Essas contradições, que a partir de uma perspectiva liberal e pró capitalista, observa Mesa-Lago no início deste ano, são semelhantes às expressas pelo novo texto constitucional quando a sociedade baseada na "propriedade socialista de todo o povo" e "a direção planejada" mas introduz "a propriedade privada e o mercado". Vemos duas coisas, por um lado, que as reformas na Constituição vão no sentido que este economista liberal iria querer e, portanto, são um sério perigo para a economia nacionalizada. Por outro lado, as reformas não são tão profundas, amplas e aceleradas quanto ele gostaria.

Em outras palavras, a nova constituição significa outro avanço que abre o caminho para a restauração capitalista, mas ainda há fortes limites para que o capital possa se desdobrar livremente em Cuba como em um país capitalista. Na economia real isso é claramente expresso. Os investimentos estrangeiros que a burocracia deseja desde mais de uma década e para o qual promulgou uma nova lei que dá amplos benefícios e garantias de lucros para os monopólios, permanecem muito abaixo do que o esperado. A zona econômica especial de El Mariel, um ambicioso projeto de US$900 milhões promovido por Raul Castro, liderado pela brasileira Odebrecht, até agora rendeu um mínimo de resultados.

Será preciso ver se a maior segurança jurídica atrai maiores investimentos nos próximos meses e anos, mas até hoje eles estão muito aquém do que a burocracia queria. Em julho, foi anunciado um investimento estrangeiro privado (francês) no sistema ferroviário de 46 milhões de dólares, o que poderia ser significativo, mas não está claro se ele vai acabar sendo um incidente isolado ou o primeiro de outros investimentos maiores nesse ou outro setor da economia.

Quanto ao setor cooperativista e de trabalho autônomo, as modalidades que o Estado promoveu fortemente durante o governo de Raul Castro para absorver a maior parte do trabalho expulso por demissões em massa no Estado, também estão estagnados, além de barreiras "estruturais" como estarem presos ao "planejamento", no caso de cooperativas, ou a proibição de determinados profissionais de terem trabalhos autônomos e ainda restrições àqueles que já trabalham nesta modalidade, que atualmente inclui quase 600.000 pessoas.

A velha geração deixou o governo

Quanto à saída do governo da liderança histórica, produzida em abril, é um fato fundamental porque a nova liderança não tem mais o prestígio sobre grandes setores que defendem a Revolução (só o PCC tem cerca de 800.000 membros), de terem sido geração que liderou o processo há 60 anos. O novo presidente, Miguel Díaz-Canel, só nos anos 80 começou a desempenhar um papel na Juventude Comunista. É por isso que ele tomou como seu lema central seu governo "somos continuidade" para ganhar legitimidade.

A geração mais velha, especialmente a sua principal figura Raul Castro, manteve o cargo de primeiro-secretário do PCC que lhe permite manter uma forte participação do poder político e também foi responsável pela elaboração da nova Comissão de Constituição desde a sua criação em 2014. Ao mesmo tempo fez todo o possível para fortalecer a figura de Diaz-Canel que sempre foi mostrada em eventos importantes junto com o que resta da velha geração. É um processo de mudanças muito delicadas, como sempre disse o próprio Castro, que se dá no meio de mudanças econômicas e estruturais e ajustes sobre as massas que mostramos anteriormente, e com o cenário da presidência agressiva Trump que voltou a endurecer as relações bilaterais e reforçou o bloqueio econômico.

Até agora, foi feito de maneira ordenada, executada passo a passo e sem grandes transtornos. À nova Constituição de incluíram algumas mudanças no sistema político como a reeleição máximo do presidente a dois mandatos de 5 anos, incorporar o cargo de Primeiro-Ministro, a remoção das Assembleias Provinciais do Poder Popular e a criação do cargo de Governador que são propostos pelo Presidente e votados pela Assembleia Nacional; mas o regime de partido único do PCC, que continua a ser "a principal força da sociedade e do Estado" e controla todas as organizações de massas, não é alterado.

No entanto, o governo enfrenta uma difícil jornada para abrir o caminho para novos investimentos estrangeiros, crucial para os planos da burocracia que visa imitar os modelos chineses ou vietnamitas, até a demorada unificação monetária, que implica um fenomenal ajuste sobre as massas trabalhadoras através da inflação e do fechamento de mais empresas estatais deficitárias. A isso devemos acrescentar a tarefa de conter as diferentes alas da burocracia, com setores mais conservadores que veem seus interesses em risco com o processo de reformas e outros que querem mudanças mais rápidas e profundas. Raúl Castro os manteve por mais de uma década com a famosa consigna "sem pressa mas sem pausa"; resta saber se Diaz-Canel pode manter esse equilíbrio interno.

É no contexto das tensas relações com Washington e da forte virada à direita nos governos da região como Bolsonaro no Brasil e do persistente enfraquecimento de seu aliado quase único no continente, Nicolás Maduro. A recente turnê internacional de Diaz-Canel que incluiu Rússia, China, Coréia do Norte, Vietnã, Laos, França, Reino Unido foi significativa nesse sentido. Com Putin, acordaram com a participação russa na modernização das ferrovias e outros acordos cubanos por cerca de 250 milhões de dólares.

Como defender a revolução

Os revolucionários marxistas nunca negamos o direito de Cuba de aceitar investimentos estrangeiros e/ou negociar com o imperialismo sempre que necessário e até mesmo fazer concessões. Mas combatemos e alertamos que no sentido em que faz a burocracia do PCC apenas conseguirá minar ainda mais a já fraca economia nacionalizada, o planejamento (por si burocrático) e o controle do comércio exterior que desde os anos 90 permanecem nas mãos de a cúpula da FAR (Forças Armadas Revolucionárias), que o utiliza para fazer negócios com capital estrangeiro como no turismo como acontece com o Grupo Gaviota, parte da Holding Gaesa, entre outras empresas que controlam a zona livre de Mariel.

Partindo do combate contra o imperialismo e qualquer agressão contra Cuba, primeiro o bloqueio econômico que leva quase 60 anos, alertamos que a principal ameaça da restauração capitalista vem dos principais setores da burocracia do PCC que através da direção das principais empresas, controlam a maior parte da economia estatal.

Por isso lutamos para que cada reforma e concessão ao imperialismo e ao mercado seja discutida e decidida num marco de ampla democracia dos trabalhadores onde sejam os trabalhadores, camponeses e setores populares que proponham e decidam o curso da economia, podendo corrigir e reverter qualquer medida quando considerem necessário. Todas as reformas pró-mercado que foram feitas desde os anos do período especial, e mesmo antes, devem poder ser revistas e modificadas total ou parcialmente pelos trabalhadores. Todos os privilégios da burocracia devem ser eliminados, em particular de seus estratos superiores, que são um empecilho para a economia.

Para que isso seja possível, é essencial acabar com o regime de partido único. Um regime concebido para enquadrar as massas nas políticas do topo da direção do partido e do Estado e que reprime qualquer tendência para sair desse quadro. A única instituição tolerada pela burocracia do PCC é a Igreja, à qual não apenas dá benefícios, mas permite-lhe organizar-se e ganhar peso político (como visto no veto ao casamento igualitário), enquanto é um inimigo jurado da livre organização dos trabalhadores e de todos aqueles que, criticando a burocracia, defendem as conquistas da revolução. O mais democrático que acontece são algumas consultas populares quando querem os dirigentes e que estão controladas pelo PCC além das críticas e propostas que depois que surgem são filtradas pelos dirigentes à vontade como aconteceu na última consulta para a nova Constituição que eles aceitaram os pedidos para eliminar o casamento igualitário, mas negaram a eleição direta para Presidente e Governadores, o aumento de salários ou o direito a um advogado a partir do momento da prisão.

É necessário um regime baseado em organizações operárias e populares que as massas construam ou recuperem em sua luta. Uma ampla democracia operária significa que exista plena liberdade de associação, imprensa, opinião, greve e mobilização de todos os partidos, grupos e sociais, sindicais e organizações de estudantes que defendam a revolução e se reivindiquem anti-imperialista.

Um regime destas características das massas auto-organizadas e auto-determinadas mudarão "tudo o que deve ser mudado", mas voltadas para o benefício geral das pessoas e não do capital estrangeiro, burocratas enriquecidos ou outros setores privilegiados que se enriquecem. O Norte para sair da crise econômica não estará posto como agora em seduzir os investimentos estrangeiros estão vindo só para obter lucros excepcionais, mas para desenvolver a luta dos povos contra o capitalismo e o imperialismo e para atrair a solidariedade de seus irmãos classe e estender a revolução para o resto do continente.




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