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SITUAÇÃO INDÍGENA | 523 anos de resistência e as crianças que não viraram estatística

segunda-feira 12 de outubro de 2015 | 23:36

Em 12 de outubro, data em que é comemorado tradicionalmente o dia das crianças no Brasil não foi mais um dia feliz para as diversas aldeias indígenas no país. Há exatos 523 anos, navios espanhóis chegaram ao que hoje conhecemos como Continente Americano. Junto a si trariam apenas mazelas que se perpetuam para diversos povos originários até os dias de hoje. Invasão e expulsão de terras, estupro e sequestro de mulheres, milhões de mortos a sangue frio e doenças que em apenas um dia conseguiam reduzir uma comunidade de 500 pessoas a 30. Processos de escravidão e tortura que permanecem mascarados até os dias de hoje, aos olhos de uma sociedade que foi criada sob o espectro de um eurocentrismo. Porém, jamais serão esquecidos pelos povos originários, que continuam regando o solo desse continente com sangue.

“Em 12 de outubro de 1492, os nativos descobriram que eram índios, descobriram que viviam na América, descobriram que estavam nus, descobriram que existia pecado, descobriram que deviam obediência a um rei e uma rainha de outro mundo e a um deus de outro céu, e que esse deus havia inventado a culpa e a roupa e havia mandado queimar vivo quem adorasse ao sol, à lua, à terra e à chuva que a molha.” Eduardo Galeano

Acordei neste feriado e me deparei com uma matéria do Portal Brasil [Brasil reduz mortalidade infantil acima da média mundial] que Lula havia compartilhado em sua página do facebook para supostamente comemorar o dia das crianças. Nela se destacava o fato de o Brasil de 1990 até 2015 ter reduzido a mortalidade infantil 20% acima da média mundial. Seria ótimo comemorar esta notícia, mas o que aconteceria se analisássemos a média da mortalidade de crianças indígenas em comparação à média mundial? Um desastre. Em comparação à média nacional, a mortalidade infantil indígena chega ao dobro. Não seria tão alarmante, se a população indígena autodeclarada no país não fosse 0,4% da população total e, poderia ser ainda maior se não houvesse uma ampla política do Estado em negar a identidade indígena, burocratizando os processos de autodeclaração e incluindo pessoas não aldeadas em “pardos” e até mesmo brancos.

Do início dos anos 2000 ao fim de 2013 foram registrados 9.663 óbitos de crianças indígenas antes de completar um ano. A maioria destas mortes ocorre por desnutrição devido a vômitos e diarreias causados por viroses em contato com água contaminada. Existe falta de saneamento básico nas aldeias, muitas se encontram em regiões próximas a rios e córregos que em grande parte servem de despejo de produtos tóxicos de indústrias e agrotóxicos dos latifúndios. Além disso, falta assistência médica até mesmo em aldeias mais próximas ao meio urbano, um fator muito comum que ocasiona a morte de diversos indígenas. Normalmente, em aldeias mais afastadas existem casos em que é necessário viajar ao menos 6 horas de barco para chegar a um posto de atendimento, isso quando não faltam os barcos, gasolina, ou para a maior parte dos casos, médicos.

Na região de Altamira, município onde se ergueu a Usina Hidrelétrica de Belo Monte, a mortalidade infantil aumentou 127% em apenas dois anos. Ironicamente, Belo Monte, a qual Lula afirmou “não existir política de enfiar goela abaixo” hoje mata indígenas e se prepara para operar, mesmo com 15 processos do Ministério Público Federal apontando suas irregularidades. Belo Monte é mais uma das obras que complementa o PAC – Programa de Aceleração e Crescimento, que serviu de ampla propaganda para o segundo mandato do ex-presidente Lula e também da presidente Dilma. Lançado inicialmente como um programa de construção e execução de obras de grande infraestrutura, diretamente voltadas para a aceleração do desenvolvimento com sustentabilidade, hoje se encontra como um grande desastre ambiental, não só para os povos indígenas, mas quilombolas e outros povos tradicionais que habitam as regiões onde serão construídas 54 hidrelétricas, extensas linhas ferroviárias entre outros projetos faraônicos.

Para piorar a situação destas comunidades, a Agenda Brasil proposta pelo presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL) para “solucionar” a crise do governo Dilma, prevê uma série de ataques a estes povos. Entre algumas das medidas está o aceleramento em massa de licenciamento de obras do PAC, a revisão dos marcos jurídicos que regulam terras indígenas pretendendo compatibilizá-las com as atividades produtivas e a revisão do marco jurídico no setor de mineração. Ou seja, obras do PAC como hidrelétricas poderão ser aprovadas nos moldes de Belo Monte, independente de desrespeitarem medidas ambientais e deixarem pessoas sem teto. Reservas indígenas poderão ser demarcadas de acordo com as atividades produtivas do agronegócio e outros setores de investimento, mineradores poderão acessar e extrair minério a bel prazer em qualquer lugar que obtiverem licença. Estas medidas desrespeitam os direitos indígenas na Constituição federal, que garantem o seu direito ao usufruto do território e a obrigatoriedade de consulta quando medidas que afetem a comunidade diretamente sejam tomadas.

Frente às dificuldades que os povos originários vem enfrentando, indígenas de todo o Continente Americano se reuniram neste 12 de outubro, marcado historicamente como dia da resistência indígena. Exigem o direito a terra e a vida, denunciam o assassinato de suas lideranças, o descaso com as crianças e jovens indígenas que morrem diariamente doentes ou cometendo suicídio. Denunciam o estupro e sequestro das mulheres, o abuso aos recursos da natureza, as precariedades nos postos de trabalho, a tortura que sofrem na mão de pistoleiros, o racismo nas escolas, universidades e dentro de uma sociedade que nunca esteve preparada para receber o povo indígena. O dia 12 de outubro é mais um dia dos 523 anos que os povos originários vêm sofrendo um massacre, e mais um dia do qual se levantam para afirmar a todos que mais séculos virão, e os povos indígenas continuarão existindo e resistindo.




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