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DOIS ANOS DAS JORNADAS DE JUNHO | 17 de Junho em SP: Milhares nas ruas; o futuro adiante!

Um relato - despretensioso - do que vi e vivi no maior ato de minha vida.

André BofSão Paulo

quinta-feira 18 de junho de 2015 | 04:10

Ninguém esperava o que viria. Mas a surpresa já estava instalada no que se esperar naquele ano que, pela primeira vez, antigos rostos da juventude, da esquerda e da militância pela primeira vez experimentaram a voz de uma verdadeira multidão. De massas.

Já estávamos acostumados a em outras “jornadas”, como chamamos o “ciclo” de luta contra o aumento que ocorre todo ano em SP, com a mesma resposta do governo: pancadaria, prisões, bombas, mentiras e muita enrolação.

Dessa vez a ação de Alckmin e seus assessores – ou melhor seria, repressores- não foi diferente, mas algo novo começava a rolar.

Logo a partir do primeiro ato, milhares de jovens já tomavam as ruas, indignados com o aumento das tarifas, ainda mais este aumento implementado pelo “prefeito do novo” Haddad e Alckmin.

No ato do dia 13 e no anterior, apesar de experimentar o bom e velho “cassetete democrático” com o qual já lidamos diversas vezes, a maré parecia começar a subir.

Foram cerca de 20 mil pessoas tomando a Avenida Consolação que, quando proibidas de seguir e atacadas sem aviso algum pela Polícia, pulverizaram-se em grupos de milhares, caminhando, cantando e resistindo por diversas regiões do centro.

Resistir com pedras e o que desse na Consolação; descer por baixo do minhocão colocando barricadas e caçambas para frear a ação da PM e do Choque; subir a Augusta pela praça Roosevelt chamando outros a seguir a mobilização para o MASP; ajudar, ser ajudado, respirar gás, vinagre, desviar de tiros, presenciar ataques gratuitos a pessoas em bares, jornalistas com câmeras; sangue, pólvora e barulho.

Aquela quinta feira havia deixado um gosto amargo na garganta e não só dos, apesar de muitos para o esperado, ainda poucos milhares naquele ato, mas para toda uma juventude que via espantada a selvageria e o “micro estado de exceção” instalado em São Paulo.

Assim foi que os “de sempre”, que podemos definir como a vanguarda que nos últimos anos seguiam o combate por um transporte visto não como uma mercadoria, mas como um direito e se levantava contra os aumentos, chegaram com ódio e gana para o dia 17. Ainda assim, não esperavam o que se viu.

Desde a USP, algo já indicava uma nova situação. Mais de 3 mil estudantes da USP tomaram a avenida Vital Brasil, rumo ao largo da batata. Ali se concretizou um mini-ato que, no entanto, ao chegar ao Largo da Batata, tornou-se uma “pequena reunião” diante da multidão assombrosa que ali estava.

Era um “mar de gente”! Uns diziam 40 mil, outros 70 mil, órgãos da mídia especulavam cerca de cem mil, a PM chutava 20 mil, estudantes de matemática se esforçavam para contas de área, velhos militantes estudantis testavam seu “olho de manifestação” arriscando palpites, mas, de qualquer modo, para nós aquilo era a maior manifestação de todo o período recente. Era a história diante de nossos olhos! A ação de milhares, com apoio de milhões, em busca por um futuro...

Diante daquele mar de gente, já começavam os primeiros indícios do que viria a ser o mais contraditório e politicamente utilizado por setores da direita e mídia, para controlar as manifestações, impedir a radicalização e isolar os setores de esquerda: “Sem partido! Sem violência! Abaixa a Bandeira!”.

Ainda assim, o que predominava era a euforia e as divisões ainda não se impunham tão fortemente.

Naquela manifestação milhares de jovens que nunca haviam ido a um ato estavam presentes e, com todas suas contradições, mas muita força e vontade de mudança, tateavam os objetivos e começavam a lutar pela redução da tarifa, um ataque injusto num país que diz que “aumenta direitos e amplia oportunidades para a juventude”, mas também por “mais de 20 centavos”. Para onde este “além” iria, isto já é uma outra história...

Caminhamos.

O trajeto da Avenida Faria Lima, entrando pela marginal Pinheiros, até a Ponte Estaiada, próxima a Rede Globo, parecia interminável.

No caminho especulavam-se valores e trajetos: “A maior manifestação desde a Ditadura, mais de 300 mil!”, “Esperei do começo até a última pessoa do ato e fiquei 45 minutos esperando”, “ Vamos invadir o palácio dos bandeirantes”, “Vai ser o maior conflito que já teve entre a PM e o movimento!”, “Tem de ir pra Paulista!”.

Como um movimento novo, com milhares de novos ativistas, com uma direção que não lutava por uma organização democrática, e naquelas condições de explosão de adesões da juventude, nem estava preparada para isto, o movimento seguiu o trajeto decidido pelo MPL que, chegou a ponte Estaiada.

A Polícia, percebendo a estupidez cometida com a repressão selvagem contra os manifestantes e a mídia, que resultou no massivo apoio social aos atos pela redução da tarifa, segurou seus cães e, por uma noite, milhares de jovens tomaram, caminharam e fecharam uma das vias mais importantes da cidade- a Marginal Pinheiros- sem ver um carro da PM ou vivenciar um conflito. Começava a ganhar força a cantoria “Não tem polícia, não tem repressão!”

Pés doíam, vozes falhavam, estômagos roncavam mas, ao chegar a ponte, era como se um triunfo inicial fosse coroado! Tomando a ponte como se tomássemos um castelo, dezenas, centenas, quem sabe milhares de jovens não queriam esperar: Ao invés de esperar para dar a volta e entrar caminhando, subiam nas grades laterais, puxavam seus colegas pelos braços, faziam uma força gigantesca e iam se substituindo.

É esta uma das cenas que mais me marcou: Cada novo “puxado” se somava lado a lado na grade puxando outro, formando um verdadeiro exército, organizado e se renovando, fazendo força, sorrindo, cantando, ajudando os que tentavam subir.

Aquilo não tinha muita utilidade. Daríamos a volta de qualquer jeito, mas ali a juventude podia fazer aquilo. Queria fazer! Queria expressar sua gana, soltar o grito da garganta, tomar as ruas e o que mais houvesse a ser tomado e, expressavam no simples ato de puxar pessoas para cima de uma ponte, renovando continuamente a fileira de puxadores e batendo firme nas costas do companheiro ao seu lado, um lampejo de solidariedade e companheirismo com os quais conquistariam seus objetivos: Coletivamente, com a força de milhares!

Ao chegar a ponte, o MPL deu por “terminado” o ato e saiu de sua frente. Muitos grupos da esquerda, como PSOL e PSTU se diluíram. Ali, naquele momento, é que as especulações ganharam vida e forma.

Caminhando pela ponte, como quem desfila sob uma fortaleza conquistada, aqueles milhares perguntavam para onde ir, o que fazer, como aproveitar aquela energia de milhares. Por um momento, para todos nós, “a hora é agora”! Haveríamos de fazer algo, só não sabíamos muito bem o que.

Alguns milhares foram para a CPTM. Boatos de que abriram catracas rondavam as fileiras do ato. Outros marcharam decididos para a porta do palácio dos Bandeirantes, sede do Governo Alckmin e, mais tarde, soubemos que o fizeram tranquilamente e, inclusive ao chegar encontraram um pequeno efetivo da PM, acuado e amedrontado, que atacou com bombas por detrás dos portões, os jovens que batiam as portas do governo.

No entanto a grande massa do ato, sem saber muito bem o que fazer retornava pelo caminho da Marginal Pinheiros, sem uma frente ou faixa. Sem o MPL e com diversos grupos da esquerda diluídos ou saindo do ato, nos vimos diante de uma massa de 80 mil, quem sabe mais, jovens, caminhando sem direção.

A hora era aquela! Com faixas pela estatização dos transportes e redução da tarifa, corri ao lado de um pequeno bloco de jovens da Juventude Às Ruas, trabalhadores do Metrô, professores, operários industriais, percorrendo minutos e minutos ruas cheias de gente, para tomar a frente do ato. Precisávamos ajudar o ato a ter um fim à altura do que foi. Tínhamos de chegar a Paulista! Tínhamos de tomar a mais importante avenida da cidade!

Munidos de megafone, batuques, faixas e bandeiras, além das pernas cansadas, vozes engrossadas e o corpo dolorido, corremos a frente do ato. Éramos o único grupo organizado e com instrumentos para tentar ajudar o ato a seguir um caminho organizado.

Chegando a frente, subimos a Avenida Cidade Jardim, rumando por entre as grandes casas amedrontadas com suas cercas e muros altos. Pela altura da Avenida Europa, começaram a surgir os boatos: “Tomaram o Congresso Nacional Está um campo de guerra! Os fuzileiros estão segurando o povo”!

Estas notícias apenas inflamaram nossos ânimos! Caminhamos uma vez mais. Espremidos, suados, roucos, cansados, mas com o olhar a frente, firmes, esperando a repressão que poderia vir na próxima esquina.

Pela altura do parque Trianon, visualizamos nosso objetivo: O MASP. Um pouco antes de chegar, no entanto, chegaram notícias da tentativa de invasão da Assembléia Legislativa do RJ (ALERJ) e da brutal repressão com tiros e bombas.

Numa combinação de ódio e alegria, de alívio por chegar a avenida e euforia incontrolável por ver aquele interminável mar de milhares e milhares de pessoas subindo a Alameda Casa Branca, explodimos, berramos, cantamos e gritamos: “Aha uhul, a paulista é nossa”, ”ÃÃÃO ESTATIZAR O BUSÃO!”.

Com a informação do RJ, subi nas costas de um companheiro, de luvas e máscara, e passei a notícia, parte em jograu, parte falando, de que, naquele momento em que tomávamos a Paulista, milhares de companheiros tentavam tomar a ALERJ e resistiam a repressão da polícia assassina que tentou nos calar no dia 13!

A multidão pulou de euforia, gritou ferozmente que “amanhã vai ser maior” e tomou a Paulista por todos os lados, impondo focos de agitação, batuques, cantos e caminhando... A rua era nossa!

Naquela caminhada, lado a lado de milhares, pela primeira vez em muitos anos a juventude se via como sujeito, atuando, pensando, explodindo de criatividade para lutar por direitos, se levantar contra o injusto e lutar por um futuro diferente!

Como não poderia deixar de ser diferente, vinha com suas bagagens e contradições. Não distinguia a esquerda da direita, o partido revolucionário do reformista, a bandeira vermelha do PT da de outras organizações. Esta tarefa de esclarecimento ainda está por ser conquistada e lutamos por isto. Mas aquela juventude queria, sobretudo, falar. E falou!

O ato de 17 de junho marcou o início de um movimento que segue até hoje. A caminhada na Faria Lima não parou no dia 17.

Com os desvios que tomou graças as mentiras da Mídia, as promessas e divisões impostas pelo Governo, ela apontava para o futuro. Um futuro diferente do que nos é oferecido. Um futuro melhor e livre da miséria, do elevado custo de vida, da retirada de direitos, para a Juventude e para os trabalhadores.

Hoje, em tempos sombrios em que a solução para o país, por um lado, para políticos fundamentalistas de direita, é a redução da maioridade penal, e, por outro, para governos do PT, PSDB, PSB e todos os partidos capitalistas, são os cortes na educação, retirada de seguro desemprego e a terceirização generalizada, adocica a boca lembrar do nosso dia 17.

Um dia em que, caminhando como maratonistas, abraçamos nossos amigos, olhamos o noticiário, compartilhamos os “causos” do dia, abraçamos nossos “amores”, deitamos em nossas camas, preparados pra outro dia de trabalho antes de qualquer manifestação e dissemos, sem saber das novas surpresas, com um sorriso no canto do rosto e muita esperança no olhar: Amanhã tem mais!




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