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POESIA
Paulo Leminski: estilhaços pop zen concreto tropical
Fábio Nunes
Vale do Paraíba
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O poeta paranaense Paulo Leminski (1944-1989), evitado pelas secretarias de cultura e grandes editoras no começo da carreira, celebrado e odiado nos anos 1980, hoje virou "cult" nos círculos universitários e estátua quase inofensiva no salão nobre das Belas Artes. Mas ele sempre foi uma espécie de Hebe Camargo dos trocadilhos, diz alguns críticos mais ferrenhos.

As posições se dividem. Arthur Rimbaud de Curitiba ou o Paulo Coelho dos haicais? A partir da biografia O bandido que sabia latim (2001), escrita pelo jornalista Toninho Vaz, selecionei uma série de fragmentos da vida-obra do Samurai Eletrônico, alguns bastante conhecidos, outros, conscientemente desprezados ou quase nunca citados pelas publicações e exposições oficiais.

Estilhaços Pop Zen Concreto Tropical

Paulo Leminski Filho nasceu no dia 24 de agosto de 1944, em Curitiba. Filho de um sargento do Exército, teve uma infância tranquila. Em 1958 foi para São Paulo estudar no Colégio São Bento, instituição secular mantida pelos monges beneditinos. Aluno disciplinado, estudou latim, grego, francês e as obras de Homero, Dante Alighiere e Virgílio. Os monges identificaram em sua personalidade pontos visíveis de soberba, inquietação, vaidade e sensualidade. A direção do mosteiro achou mais prudente mandar o garoto de volta para Curitiba.

Em 1960, então com 16 anos, Leminski se aproximou do movimento estudantil de Curitiba e participou de algumas reuniões clandestinas. O poeta flerta com a luta. Como atuar? Qual o papel do artista nas organizações políticas?Passava horas e horas na Biblioteca Pública do Paraná.

Inverno de 1963. O jovem curitibano lê num jornal a notícia sobre a Semana de Poesia de Vanguarda, que prometia reunir em Belo Horizonte alguns nomes importantes da intelectualidade brasileira. O jovem poeta decidiu ir para conhecer Haroldo de Campos, Décio Pignatari e Augusto de Campos, núcleo histórico da poesia concreta paulista e editores da revista Noigandres.

Segundo o poeta Haroldo de Campos, Paulo Leminski foi convidado por Augusto de Campos à participar da revista Invenção, importante publicação da vanguarda artística nos anos 1960, na qual apresentou quatro poemas. Poesia e pensamento concreto na cabeça. Leminski almoça e janta a obra de Marcel Duchamp, Oswald de Andrade, Vladimir Maiakovski, Stéphane Mallarmé, Guimarães Rosa e Sousandrade.

Primeiro de Abril de 1964, a burguesia brasileira, patrocinada pelo os EUA, destituiu o presidente eleito João Goulart e instaurou uma ditadura militar no Brasil que afogou em sangue as lutas operárias, camponesas e estudantis para garantir a manutenção dos interesses imperialistas no país e na América Latina. E enquanto corria a barca Paulo Leminski abandona a universidade, aceita o convite para dar aulas de história e literatura num cursinho pré-vestibular e causa furor entre os alunos ao usar de forma pioneira músicas de Bob Dylan em sala de aula.

Em 1965 o poeta vive a promessa da estabilidade no emprego. Alugou um amplo apartamento, a sala foi decorada e num dos quartos ficava a biblioteca e o escritório de trabalho. Leminski comprou um aparelho de som e discos de música medieval, canto gregoriano, Elvis Presley e The Mamas and The Papas. Neste período conquistou a faixa preta de judô. Leminski é um apaixonado pelas artes marciais e pela poesia oriental. Poeta-judoca e meia garrafa de rum por dia.

1967 - Festival Internacional de Música Pop de Monterey, Califórnia, EUA. O Festival reuniu nomes importantes da música como The Who, The Byrds, Jefferson Airplane, The Jimi Hendrix Experience e se tornou um marco no movimento hippie dos anos 1960 e um modelo para a organização de grandes festivais de rock como o Woodstock. Leminski ficou impressionado ao saber que Jimi Hendrix queimou a guitarra no palco. O caldeirão ferve. Leminski mergulha em sua antropofagia pop concreta. Entre ruídos e silêncio, roda o baseado em seu apartamento no Edifício São Bernardo em Curitiba.

É decretado em dezembro de 1968 o Ato Institucional n 5 ou AI-5, que deu plenos poderes aos generais para suspender diversos direitos constitucionais. São os anos de chumbo. Terrorismo de Estado. Exílio. Prisão. Choque. Afogamento. Pau-de-Arara. Assassinatos. A barra pesa. Paulo Leminski casou com a poeta Alice Ruiz, com quem viveu durante vinte anos e teve três filhos: Miguel Ângelo (morto aos 10 anos de idade, vítima de câncer), Áurea Leminski e Estrela Ruiz Leminski.

Leminski se dizia trotskista, mas nunca militou numa organização ou partido. Em 1968 lia o poeta beat norte-americano Allen Ginsberg. Implosão ou explosão hippie numa época de intensa repressão. O baseado não pára de rodar. Anfetamina na parada. Durante um semestre inteiro Leminski deu aulas usando um suéter, mesmo em dias de calor, a manga comprida era para esconder as marcas de agulhas no braço.

Noites cariocas no Solar da Fossa, uma pensão do Rio de Janeiro que abrigou a fauna e a flora da contracultura brasileira. Sem lenço e sem documento, Leminski consegue trabalho como copydesk no jornal O Globo, redator da revista Geográfica, da editora Bloch e tradutor da agência de notícia Reuters. Conheceu o filólogo Antônio Houaiss e o crítico e escritor Otto Maria Carpeaux. Leminski escreve regularmente para as revistas da editora Bloch e no jornal Correio da Manhã cobria crimes e problemas de bairro.

LSD e vinho Sangue de Boi. O poeta zen viaja nos confins da noite em 1971. Médici está no poder. Auge da ditadura militar. Leminski volta à Curitiba. O Labirinto do Minotauro: cachorro-quente, quarto de pensão, violão e conhaque. Após uma dessas madrugadas boêmias, Leminski chega em casa cantarolando a música Luzes:

acenda a lampada às seis horas da tarde
acenda a luz dos lampiões
inflame
a chama dos salões
fogos de línguas de dragões
vagalumes

numa nuvem de poeira de neon
tudo é claro
tudo é claro
a noite assim que é bom

a luz acesa na janela lá de casa
o fogo
o foco lá no beco
e o farol

esta noite vai ter sol

No ano de 1972 consegue a vaga de redator numa agência publicitária, tornando-se mais tarde um dos principais nomes da publicidade em Curitiba.

Conhece Caetano Veloso e Gal Costa.

1975. De forma independente, publica 2000 exemplares do seu romance ideia intitulado Catatau, que narra uma suposta viagem do filósofo René Descartes para o Brasil junto com a armada de Maurício de Nassau durante as Invasões Holandesas. Numa sequência sem pontuação e parágrafos Leminski transplanta Descarte para as florestas tropicais num fluxo de consciência sem bússola. A razão ocidental, debaixo do sol, fuma maconha e rodopia num delírio barrocodélico, conforme expressão de Haroldo de Campos.

Não há compatibilidade de horários entre Leminski e a agência publicitária. Problemas financeiros. A Secretaria de Cultura não quer saber de loucura. Na primeira metade dos anos 1970 o poeta que andava com uma bagana no bolso achava que jamais viraria uma estátua em Curitiba porque a considerava uma cidade careta demais.

Quer viver de poesia: Ministro-Sem-Pasta da Marginália. O poeta sem gabinete vaga pelo fio da navalha. A torre mais próxima nem de longe parece de marfim. Leminski e o boteco rimam coisas sem sentido para o dia a dia regrado. Não tem espaço para o palhaço maluco chapado de maconha. Tem milico na rua. As senhoras carregam seus terços. O patrão quer ordem e progresso. Para que servem os poetas marginais?

Junho de 1976. Durante a passagem do grupo Doces Bárbaros por Curitiba, teve um novo encontro com Caetano Veloso e conhece Gilberto Gil e Maria Bethânia. Álcool & Maconha. Leminski e Caetano conversaram sobre o artista plástico carioca Hélio Oiticica, o jornalista e poeta Torquato Neto e a escritora comunista Patrícia Galvão.

Entre outros trabalhos, Leminski publica em 1977 na Revista Muda, editada em São Paulo pelo poeta Augusto de Campos, o poema que no futuro se transformou em sua marca:

o pauloleminski é um cachorro louco que deve ser morto a pau a pedra a fogo a pique senão é bem capaz o filhodaputa de fazer chover em nosso piquenique

Em 1981 Caetano Veloso grava a música Verdura de Leminski.

De repente me lembro do verde
Da cor verde a mais verde que existe
A cor mais alegre, a cor mais triste
Verde que veste, verde que vestiste

No dia em que te vi
No dia em que me viste

De repente vendi meus filhos
Pra uma família americana
Eles tem carro, eles tem grana
Eles tem casa e a grama é bacana
Só assim eles podem voltar
E pegar um sol em copacabana
Pegar um sol em copacabana

O poeta curitibano se aproxima da Libelu (Liberdade e Luta), tendência trotskista do movimento estudantil ligada ao jornal O Trabalho, editado pela Organização Socialista Internacional (OSI). O cachorro louco escreveu o poema Para Liberdade e Luta:

me enterrem com os trotskistas
na cova comum dos idealistas
onde jazem aqueles
que o poder não corrompeu

me enterrem com meu coração
na beira do rio
onde o joelho ferido
tocou a pedra da paixão

A música Promessa Demais, em parceria com Moraes Moreira, na voz de Ney Matogrosso, foi tema de abertura da novela Paraíso, da Rede Globo. O filhodaputa no Plin! Plin! Trégua nas dificuldades financeiras. Ganha um bom dinheiro com direitos autorais e com trabalhos esporádicos em publicidade.

Em janeiro de 1982 a revista Veja pública uma ampla reportagem com o título Um brilhante maldito. Leminski invade as rádios com canções de sucesso.

1983. A editora Brasiliense convidou Leminski para participar da coleção Encanto Radical. O projeto era uma coleção de biografias curtas de personagens de impacto na política e na cultura. Leminski escreve quatro biografias: Cruz e Souza, o negro branco; Bashô, a lágrima do peixe; Jesus A.C e Trotsky, a paixão segundo a revolução.

O livro de León Trotsky mais significativo para Leminski foi Literatura e Revolução, segundo o poeta, o mais extraordinário livro sobre literatura que um político jamais escreveu.

Além de escrever estas biografias, Leminski traduziu para a Brasiliense as Folhas das folhas da relva, de Walt Whitman; Pergunte ao Pó, de John Fante; O Supermacho, de Alfred Jarry; Satirycon, de Petrônio; Sol e Aço de Yokio Mishima; Um atrapalho no trabalho, de John Lennon; Giacomo Joyce, de James Joyce; Malone Morre, de Samuel Beckett; Vida sem Fim, de Lawrence Ferlinghetti e escreveu o prefácio de Cartas na Rua, de Charles Bukowski.

É publicada a coletânea de poemas Caprichos e Relaxos com distribuição nacional. Apresentada por Haroldo de Campos e Caetano Veloso, a obra trás uma sequência de poemas sintéticos e inspirados que fortaleceram a imagem de Leminski como um personagem singular no panorama literário brasileiro. Um barato que instiga o maravilhoso. Sucesso de crítica e de vendas. Concretismo, Beat Generation, Tropicalismo e Marginalidade.

Com o músico Guilherme Arantes desenvolve a trilha sonora do musical infantil Pirlimpimpim 2, da Rede Globo, em 1984. Foram sete músicas em parceria. Xixi nas Estrelas foi a mais tocada nas rádios. Agora ele saia na Globo assim: Paulo Leminski - e, embaixo - poeta. Exatamente como ele queria.

1985. Participa do evento Escritor na Biblioteca, um bate-papo informal com estudantes. Segundo Leminski, a poesia não tem que estar a serviço de nenhuma causa, de nenhum pressuposto. A poesia é um exercício de liberdade. O poeta reflete a produção artística e combate as imposições toscas e autoritárias do realismo-socialista, arte oficial do stalinismo.

Publica o livro Distraídos Venceremos em 1987.

AVISO AOS NÁUFRAGOS
Esta página, por exemplo,
não nasceu para ser lida.
Nasceu para ser pálida,
um mero plágio da Ilíada,
alguma coisa que cala,
folha que volta pro galho,
muito depois de caída.
Nasceu para ser praia,
quem sabe Andrômeda, Antártida,
Himalaia, sílaba sentida,
nasceu para ser última
a que não nasceu ainda.
Palavras trazidas de longe
pelas águas do Nilo,
um dia, esta página, papiro,
vai ter que ser traduzida,
para o símbolo, para o sânscrito,
para todos os dialetos da Índia,
vai ter que dizer bom-dia
ao que só se diz ao pé do ouvido,
vai ter que ser a brusca pedra
onde alguém deixou cair o vidro.
Mão é assim que é a vida?

Em 1988 recebe o convite para trabalhar num telejornal da TV Bandeirantes - o Jornal de Vanguarda - com uma coluna semanal de cultura. O Jornal de Vanguarda é um projeto audacioso e Leminski procurou os limites da TV com seus chamados clip-poemas. Macunaíma Eletrônico com salário mensal. A saúde do poeta se deteriora a cada dose de conhaque.

O jardim está descuidado. A cirrose vai derrubando o poeta por dentro e por fora. O corpo, pequena mala de couro com um estilingue dentro, está surrada. Mas sem dramalhão. Embarca para São Paulo. Reencontra velhos amigos como Haroldo de Campos e o músico Itamar Assumpção. Vodca no café da manhã. Passa os dias escrevendo e ouvindo Frank Zappa. O dinheiro é curto e um terço do fígado está necrosado. Cospe sangue e não consegue se alimentar. Reverenciado pelo caderno cultural da Folha de São Paulo, fraco e desnutrido, volta para Curitiba. Com a ajuda dos amigos se hospeda num quarto de hotel

1989. Edita A Lua no cinema e trabalha como colunista no suplemento cultural da Folha de Londrina. Organiza Gozo Fabuloso, um conjunto de contos e a coleção de poemas O ex-estranho. Com a saúde cada vez mais debilitada vive uma rotina de sopinhas e conhaques. Leminski passa mal e é internado em estado grave. Amigos e admiradores vão ao hospital prestar solidariedade. A Secretaria de Cultura do Paraná desejou boa sorte e assumiu as despesas hospitalares. Paulo Leminski Filho morreu no dia 07 de junho de 1989, vítima de cirrose hepática

 
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