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CRÔNICA
Ela bateu a porta como se quisesse que abrisse pro outro lado.
Gabriel Góes
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É um costume querer desfazer os caminhos tentando corromper a natureza das portas. Essa estratégia dificilmente funciona, mas a persistência no erro é inerente: sempre há o prazer de errar de forma consciente e chorar todo o deleite de ser imperfeita por convicção.

Ela acreditava ser uma errante quase que profissional.

Quando chegava em casa batia a porta de entrada pra ver se saía - daquela tábua de madeira em pé - a inhaca de ser máquina fazedora de ordens e permanecer impensante por obrigação.

Ela bateu a porta como se não quisesse ter aberto antes.

Não sabia dar nome para aquilo que passava por ela. Talvez fosse apenas o tempo lascando umas marcas de sabedoria - sem sentido ou direção - na face de dentro do rosto dela.

Além do tempo, um homem bêbado passou por ela dizendo e olhando em seus olhos:

  •  Meu...cê acredita moça...tinha duas mina se beijando ali na minha frente...ow, nunca vi essa fita...como é que eu faço pra ir pro centro?... cê acredita...duas mina se beijando... saí logo de perto...mas cê sabe?...bem na minha frente...como faz pra ir pro centro daqui?...sem mais nem menos, assim, se beijando...

    Ela bateu a porta como se quisesse
    expulsar o mundo de fora.

    Duas meninas se beijando abriram um chão inteiro de abismo nos pés daquele bêbado. A violência que o afeto dissemina é assutador. Ela queria tanto poder fechar a porta do ouvido e não escutar mais tanta merda. Queria acreditar que era culpa da bebida, mas seria injustiça - com a bebida - culpá-la assim sem motivo.

    Ela bateu a porta como se quisesse agredir o ar.

    O telefone tocou. Ela imediatamente irrompeu num choro e correu para atender. Ela estava perdida na própria casa, desnorteada como quem é atingida pela ignorância todos os dias. Logo encontrou o aparelho e atendeu. Ouviu e sorriu através da voz: "Oi...é você...posso ir praí agora?". A pessoa do outro lado da linha também sorriu.

    Eram duas resistindo pelo simples fato de se amarem. Eram duas, todos os dias se reafir(A)mando.

    Elas, mais que duas: boca com boca se tomando, se jorrando, se contornando, corpo com boca, boca com corpo, corpo com corpo se fundindo, palavra com corpo, corpo com opinião, briga com beijo, seio com filme se encaixando, riso com travesseiro, tinta com pinta, copo com choro, gente com gente amando gente.

    Ela bateu a porta como se fosse amar pra sempre.

    Depois abriu as janelas.

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