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FÁBRICA OCUPADA NA ARGENTINA
Zanon: um olhar desde a infância
Natalia Godoy, estudante de literatura

Hoje completam 15 anos da ocuação de Zanon, uma chuva de imagens e recordações me vêem à cabeça, com apenas 11 anos pude viver uma das maiores experiências da classe operária dos últimos anos.

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Vivemos os duros anos 90, em um bairro humilde de Neuquén, o Bairro San Lorenzo, com meu pai quase todo o dia fora de casa por causa dos altos ritmo da produção na fábrica e minha mãe, Graciela Frañol, hoje reconhecida docente lutadora de Neuquén e dirigente do PTS, que na época estava terminando o ensino superior de docente e pegando trabalhos precários.

Chegado 2001, o país atravessava uma dura crise econômica e política, que como já é sabido sempre quem a paga somos nós os de baixo. Milhares de famílias despejadas nas ruas. Milhões de trabalhadores e trabalhadoras desempregadas.

Desde a inocência (e não tanto) que se pode ter a essa idade, com 11 anos, sentia no ambiente que algo não estava bem, que a “prata” não era suficiente e que meu velho depois de muitas lutas na fábrica, havia ficado sem trabalho, como centenas de famílias.

Vivemos duros e gratos momentos que ficaram gravados para o resto de nossas vidas.

O processo de luta e organização dos operários e operárias ceramistas que resistiam às demissões enquanto o governo, a polícia e a anterior direção do sindicato respondiam com ameaças a nossas famílias, fizeram com que tivéssemos que mudar provisoriamente para a casa de companheiros e familiares, para logo a decisão dos operários em ter guardas ceramistas em casa. Tampouco faltaram os bate-paus e a repressão policial.

Com minha irmã sempre recordamos quando, em uma das repressões mais brutais aos trabalhadores e suas famílias, a polícia teria uma ordem de levar a todos os que tivessem camisas de apoio, os reprimiram e perseguiram por todo o centro de Neuquén, e tentaram levar a um operário que apenas poderia correr. Junto com suas filhas fizemos um cordão para que não o levassem enquanto a polícia nos apontava com suas armas regulares, com apenas 11 e 14 anos conseguimos impedi-los.

Assim transcorreram esses agitados anos, onde por momentos o clima de tensão era enorme e a exposição de meu velho, Raul Godoy, fazia que muitas vezes temêssemos que não voltasse para casa.

Me lembro como pegava escondidas os panfletos da mochila de meu velho e os repartia na escola a meus companheiros e a minha professora. Recordo de amanhecer com bolsas de comida fora de casa, que a pessoas nos deixavam e levávamos orgulhosas à fábrica, onde depois se repartia entre os trabalhadores.

Recordo sair com minha irmã e a comissão de mulheres de Zanon, da qual minha mãe Gaciela Frañol foi fundadora, recorrendo aos bairros neuquinos. Indo casa por casa explicando que centenas de famílias haviam ficado sem trabalho, que saímos a pedir alimentos e fundo de greve para que seus companheiros, nossos pais, possam seguir bancando a luta, uma luta que todos estávamos dispostos a não abandonar, porque não iríamos permitir engrossar os índices de desemprego.

E ainda que alguns momentos foram difíceis, teríamos momentos de grata satisfação. Toda a solidariedade nos fortalecia: os docentes que haviam decidido mandar notas nos cadernos de comunicação para difundir o conflito e juntar alimentos, os médicos e enfermeiros que se manifestavam publicamente dizendo que se reprimissem e algum policial ficasse ferido não iriam ser atendidos nos hospitais públicos, os artistas e intelectuais que vieram comovidos, os presos que doaram suas comidas racionadas para sustentar a ocupação, a Confederação Mapuche, os estudantes...e no pessoal também muito importante o acompanhamento de camaradas do PTS, que com distintos gestos aliviavam as tensões daqueles dias. Desde acompanhar na militância, até nos cuidar e nos acolher em momentos difíceis e de tensão.

Lembro também com um sorriso como cada vez que íamos à fábrica era toda uma aventura, nos divertíamos com as filhas de outros ceramistas, as correrias dentro da fábrica onde nunca faltavam as histórias de fantasmas que apareciam em diferentes setores ou a vez que nos ocorreu nos pintar para ir as marchas em defesa de nossos pais e pelo nosso futuro. Também no natal e ano novo na ocupação frente aos portões da fábrica junto aos resto das famílias.

Anedotas temos muitas, porém as lições foram fundamentais: a luta de Zanon e colocar a produzir sob controle operário foi uma respota, foi uma saída à grande crise de 2001, foi demonstrar e deixar em evidência que na fábrica pode se produzir sem patrões. Como dizia uma ceramista: “se podemos controlar uma fábrica, por que não o país?”. Isso é Zanon, uma trincheira que não vamos abandonar e que vamos seguir lutando, como também vem fazendo os operários de MadyGraf, uma gráfica sob controle operário no coração da zona norte de Buenos Aires, pela expropriação.

Depois de 15 anos, desde minha experiência e agora mais consciente como militante revolucionária, estou mais que orgulhosa de ter pertencido a este grande façanha operária, e de haver ajudado com o que podia.

Meu pai muitas vezes nos dizia “algum dia a fábrica vamos controlar nós trabalhadores” e assim foi.

Zanon sob controle operário não se fez sozinha, foi graças à heróica luta que levaram adiante todos os ceramistas, ao grande apoio por parte da comunidade neuquina e pela estratégia de um partido revolucionário, o PTS, encarnado nesse momento por Raul Godoy, que logo por estar muitos anos estruturado nessa fábrica de maneira clandestina e, pacientemente, soube atuar corretamente e no momento preciso.

Toda esta experiência que, se bem vivi ainda muito pequena, foi a que marcou e me formou na atualidade como uma militante revolucionária. E que com o tempo, enquanto fui crescendo, pude terminar de entender a frase que dizia Raúl: “se vamos deixar o couro nesta que seja por tudo”, pela vida que nós merecemos, por um mundo sem exploradores nem oprimidos.

 
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