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ALTA DO DÓLAR
O dólar forte pode desencadear uma nova crise financeira internacional
Juan Chingo
Paris | @JuanChingoFT
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Dedicado a Leo Norniella, grande operário revolucionário, que vibrava com o andar da política internacional.

Desde começos de 2013 vínhamos anunciando um fim do ciclo de prosperidade dos chamados “países emergentes” e o começo de uma nova fase da crise mundial, com epicentro nos países semicoloniais e dependentes. Em outubro, em outro pico de turbulências, nos perguntamos “Crise Global, Por que esta vez pode ser pior?”. E mais tarde, frente o aceleramento da tendência de queda das matérias-primas dizíamos “Matérias primas, emergente: A China será a próxima a cair?”. Atualmente, a forte alta do dólar está chegando a um ponto de inflexão que ameaça desatar numa forte crise financeira internacional. Os antecedentes da crise da dívida latino-americana e asiática nos período de dólar alto não são uma casualidade.

O “exorbitante privilégio” do dólar

A conferência de Bretton Woods em 1944, posterior a Segunda Guerra, selou o papel hegemônico do dólar na economia mundial capitalista. O sistema econômico de Bretton Woods estabeleceu a convertibilidade do dólar em ouro na razão de 35 dólares por onça de ouro, assim como a vinculação a outras divisas importantes para o dólar. Este acordo abriu o caminho ao dólar para substituir a libra esterlina como moeda dominante nas reservas de divisas e no comércio mundial.

A estabilidade da ordem monetária de Bretton Woods nos anos de 1950 e 1960 estava garantida pelas reservas consideráveis de ouro dos EUA, seu superávit em conta corrente e uma competitividade sem paralelos na economia mundial. A hegemonia do dólar não era somente um reflexo da força econômica dos Estados Unidos, mas também um meio através do qual os EUA proporcionaram a liderança para o mundo capitalista, a promoção de um ambiente estável para o crescimento. Ao mesmo tempo, o status hegemônico do dólar conferia aos EUA um “privilégio exorbitante” – nas palavras de Valéry Giscard d’Estaing, ministro francês de finanças na década de 1960 e posteriormente presidente na década de 1970 – já que permitia aos EUA endividar-se a nível internacional sob baixas taxas de juros e pagar importações e serviços da dívida na moeda que emitia.

No início de 1970 este regime monetário foi desarticulado. Várias razões se combinaram. O fim do boom do Pós-Guerra assinalou o começo da decadência história dos EUA. O surgimento do Japão e da Alemanha como potências emergentes terminou com a assombrosa superioridade econômica norteamericana e deu origem à divisão do mundo em uma tríade de potências imperialistas. Esse retrocesso relativo dos EUA levou ao fim do sistema de Bretton Woods.

Desde então, os EUA se utilizam do novo regime de câmbio flexível e continuidade do dólar como moeda de reserva e meio de pagamento a nível mundial como forma de administrar sua decadência, manipulando em seu proveito este privilégio somente reservado a potência hegemônica.

Depois da forte alta das taxas de juros no começo de 1980 – para deter a forte deterioração das taxas de lucro que se arrastavam desde fins de 1960 e tirar sua economia da estagflação da década de 1970 – a preocupação pela viabilidade a longo prazo do dólar, junto com a intensa pressão dos setores manufatureiros e os exportadores agrícolas afetados pela valorização da moeda, fez com que o governo Reagan recorresse a pressão diplomática para obrigar a uma desvalorização significativa do iene e do marco alemão através do Acordo de Plaza de 1985.

Depois deste Acordo, o balanço em conta corrente dos EUA como porcentagem do PIB passou de um déficit de 3% em 1985 para um superávit de 0,05% em 1991; o déficit norte-americano com o Japão se reduziu em mais de 25%, de US$ 60 bilhões em 1986 para US$ 44 bilhões em 1990.

Apesar do déficit em conta corrente ter se reduzido, a queda do valor do dólar frente a outras moedas importantes levou a um refluxo de capitais e a limitar o investimento estrangeiro nos EUA, gerando forte quedas do cada vez mais poderoso setor financeiro de Wall Street. Em 1994, Robert Rubin, secretário do Tesouro da administração Clinton, declarou seu objetivo de uma política do dólar forte. Em 1995 os governos dos EUA, Alemanha e Japão estabeleceram um “Acordo Plaza” às avessas: com o acordo dos EUA, os bancos centrais de Japão e Alemanha desvalorizariam suas moedas e portanto aumentariam o valor do dólar estadunidense. Este giro foi o estopim da crise asiática de 1997, sobre a base de uma sobreacumulação nos setores manufatureiros informáticos e uma forte especulação imobiliária.

Como mostram os exemplos anteriores, Washington disfruta de uma considerável liberdade de ação para alternadamente fortalecer ou debilitar o dólar depois do colapso da ordem de Bretton Woods em 1971. Foi capaz de defender um aumento a curto prazo do dólar (ao aumentar seu valor às custas de uma deterioração do déficit em conta corrente) ou sua estabilidade a longo prazo (ao obrigar outras economias capitalistas a apreciar suas moedas frente ao dólar para melhorar a balança em conta corrente dos EUA).

Esta capacidade de manipular o valor do dólar depende em última instância da cobertura de segurança que os Estados Unidos construíram na época da Guerra Fria, que o permitiu condicionar o desenvolvimento dos outros países imperialistas, daí a importância que tem a evolução da brecha na OTAN que comentamos aqui, aquie aquipara a sustentabilidade deste frágil domínio norte-americano nas últimas décadas.

Este enorme benefício econômico para os EUA permitiram-lhe viver para além de seus meios, questão que se expressa no sobreconsumo e nos déficits comerciais massivos. Exportando sua inflação, os norteamericanos aumentaram a instabilidade e as desigualdades da economia mundial – como demonstra a sucessão de crises monetárias, financeiras e bursáteis ao longo das últimas décadas cuja máxima expressão foi a crise de 2007/8 – gerando a longo prazo as fortes pressões deflacionárias que hoje preocupam a economia mundial. Em outras palavras, durante este período histórico os EUA atuaram conscientemente como o principal desestabilizador da acumulação capitalista mundial.

Os déficits em conta corrente dos EUA (e o subsequente aumento da liquidez do dólar a nível mundial), foram largamente responsáveis pelo aumento global do abundante “hot money”. Ao longo dessas décadas, esta massa monetária foi dirigida a canais especulativos, ajudando a criar “booms” e depressões ao redor do mundo.

A mãe de todos os endividamentos: a dívida em dólares das empresas da periferia capitalista

As taxas inimaginavelmente baixas por um grande período de tempo do Banco Central norte-americano (FED em sua sigla em inglês) e a “flexibilização quantitativa” inundaram os “países emergentes” com uma forte liquidez de dólares nos anos de “boom”, quando se acreditava na peregrina ideia de desacoplamento desses estados da crise mundial, que tinha seu epicentro nos países centrais. No entanto, mesmo que defasado o tempo com a crise no centro, a redução dos mercados de exportação e dos principais mercados de consumo a nível internacional depois da crise de 2007/8 está mostrando uma crise de sobreacumulação e sobreendividamento nos países mais dinâmicos da periferia, especialmente na China, que por sua vez alimentou um crescimento e uma bolha de investimento de diversos países ligados a produção de matérias-primas, que foram os primeiros a caírem como mostra a queda nos preços do petróleo.

A grande vulnerabilidade que começa a se manifestar é que esses países estão ultra endividados e mais dolarizados do que nunca, contrariando a crença de que uma parte importante dos países da periferia estava imune a esta crise, diferente dos episódios da crise anteriores no mundo semicolonial, pela enorme reserva de divisas ou o baixo endividamento dos estados.

Os estrangeiros se endividaram na casa de US$ 9 trilhões em moeda estadunidense fora da jurisdição dos EUA. Este é um aumento colossal em comparação aos US$ 2 trilhões em 2000. A abundância creditícia e monetária foi sedutora para as empresas asiáticas e latino-americanas que pediram empréstimos como nunca antes em dólar – a taxas reais de cerca de 1% - que são muito difíceis de devolver agora que o ciclo monetário dos Estados Unidos está dando um giro, como já mostra o fortalecimento do dólar. O índice do dólar em comparação a uma cesta de moedas teve crescimento de 24% desde julho e 40% desde meados de 2011. Essa é uma recuperação do dólar maior e mais pronunciada do que aquela em meados da década de 1990 que foi, repetimos, não a causa, mas sim o estopim da crise asiática de 1997 ou da crise russa de 1998.

Para todos os endividados, que sejam por investimentos reais ou somente por movimentos especulativos, se trata de um salto gigante dos valores para aqueles que perseguiam em seu momento se favorecerem das menores taxas de juros exigidas pelos investidores como consequência da dominação das emissões ou créditos em moeda forte.

No entanto, a dita vantagem se voltou contra devido ao aumento já vivido pela moeda dos Estados Unidos a nível mundial em tão pouco tempo. Isso significa que as obrigações que dizem respeito aos credores dos países afetados tiveram um aumento em quase vinte pontos percentuais em pouco mais de oito meses, afetando sua capacidade de pagamento, acontecimento que se produz em um momento no qual os recebimentos fiscais de muitos endividados, pelo seu caráter eminentemente exportador de matérias-primas de todo tipo, estão se deteriorando de maneira acelerada enquanto que a inflação que importam, como consequência da queda das moedas nacionais, aumenta as tensões sociais e políticas internas como já estamos vendo na Turquia e no Brasil.

Um exemplo ilustrativo são as linhas aéreas Gol que se expandiram enormemente nos anos do boom de consumo no Brasil, quando o real era a moeda mais forte dos países emergentes. Três quartos de sua dívida estão em dólares. Isso se converteu numa armadilha para seus donos no momento em que o real está em queda livre, caindo 14,5% em relação ao dólar desde o começo do ano e estando em seu nível mais baixo desde junho de 2004. Os pagamentos dos juros sobre a dívida da Gol duplicaram em comparação ao fluxo de entradas no Brasil. Os empréstimos devem ser pagos ou renegociados em um marco econômico mundial muito menos benigno. Situações como essa ou piores abrem questões em torno da viabilidade financeira e possibilidades de bancarrotas de muitas empresas nesses países.

Prepara-se um ciclo de convulsões na luta de classes nos países semicoloniais?

As crises econômicas que os países periféricos passaram desde 1982 tiveram consequências sociais devastadores. Sua violência destrutiva teve um alcance comparável ao colapso de 1930 nos principais países capitalistas de então. Na década de 2000 e nas primeiras fases da crise mundial, os países da periferia evitaram esses cenários catastróficos. Se nos próximos meses ou anos estes terremotos econômicos e sociais retornarem, a periferia capitalista poderia voltar a entrar em um ciclo convulsivo da luta de classes, como foi o caso desde o pós-guerra, incluindo o período de “boom” até começos de 2000 com a queda pela ação das massas dos governos neoliberais em vários países da América Latina.

Por sua vez, quaisquer crises nos chamados mercados emergentes teriam um impacto muito mais grave que a crise financeira asiática de 1997-98, porque esses mercados são agora muito maiores e se encontram muito mais integrados ao sistema financeiro mundial. As ramificações seriam particularmente graves se a China tivesse uma aterrissagem forçada de sua economia. A euforia das bolsas dos países centrais poderia se esfumaçar tão artificialmente como foram criadas.

 
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