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CINEMA
Leon Hirszman e suas imagens do inconsciente
Romero Venâncio
Aracajú (SE)

Um filme tocante, belo, sensível, singular no cinema brasileiro. O projeto de Leon Hirszman juntamente com Nise da Silveira começa ainda nos anos 60 quando o cineasta conhece o trabalho revolucionário da psiquiatra no Rio de Janeiro e se encanta com tudo. Prossegue nos anos 70 quando fazem o projeto do filme e vem a lume em 1983 e termina em 1986…

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Numa precisa observação do próprio Leon Hirszman: "São três artistas. Três histórias de vida. Três casos clínicos. Uma trilogia em que o realizador procurou uma linguagem cinematográfica que permitisse narrar os filmes a partir dos próprios trabalhos pintados pelos artistas", no serviço de terapia ocupacional e reabilitação criado em 1946 pela dra. Nise da Silveira, no Centro Psiquiátrico Pedro II. São pinturas, desenhos e modelagens que "expressam o mundo interior de três artistas", Fernando Diniz ("a pintura em luta constante contra o caos para recuperar o espaço cotidiano"), Adelina Gomes ("a pintura em luta para expulsar os fantasmas e recuperar a condição feminina") e Carlos Pertuis ("a dolorosa busca da consciência da humanidade pelas lendas")”.

O filme que foi lançado nesse ano de 2016 pelo Instituo Moreira Sales em sua versão completa é dividido em três episódios: Fernando Diniz - Em busca do espaço cotidiano; Adelina Gomes - No reino das mães; Carlos Pertuis - A barca do sol. O DVD acompanha ainda o extra Posfácio: entrevista com a dra. Nise da Silveira, realizada por Leon Hirszman - o material bruto não editado pelo cineasta torna-se agora filme em montagem de Eduardo Escorel. E um “livrinho” com textos de Leon Hirszman, Eduardo Escorel e Dulce Pandolfi.

Por que esse projeto é tão importante ainda no Século XXI? Primeiro, pela própria figura ímpar de Nise da Silveira. O Brasil tem uma revolucionária no campo da psiquiatria. Uma humanista radical no campo da saúde mental. Uma mediadora na relação animais humanos e animais não-humanos. Uma mulher que pensava grande um projeto de Nação em que as pessoas às margens por doença ou opressão faziam parte. Por Nise da Silveira e sua história, o projeto se justifica. Mas pode-se ir mais fundo nesse trabalho documental. Em cinema brasileiro, é o trabalho mais amplo e completo sobre tratamentos humanizado saúde mental. Acompanha cotidianamente uma experiência alternativa no “tratamento de problemas mentais” com expressão estética (arte, de fato).

O cinema brasileiro até o cinema novo, tinha uma dívida histórica com os pobres e marginalizados de toda sorte desse Brasil dominado pela Casa Grande... Um Brasil de baixo ou “profundo” com dizia Machado de Assis estava de fora do cinema e é, exatamente, com o cinema novo de qual fez parte Leon Hirszman que a imagem cinematográfica captou o povo sem populismos ou paternalismos. Tornou-se necessário saber da vida do povo pobre nesses rincões esquecidos. Durante a ditadura militar pós-1964, os manicômios pioraram de tal maneira, que mais se pareciam com masmorras medievais. Um tratamento desumano e cruel. As pessoas que lá estavam, eram das camadas populares e que vinham das periferias ou zona rural. Pessoas que foram jogadas nas ruas em sua maioria. Esses lugares eram verdadeiros depósitos humanos em situação de loucura. Em lugares assim, qualquer loucura piorava a olhos vistos. Desde os anos 40 que Nise da Silveira procurava alternativa nesses lugares para um tratamento mais humanizado, criativo e eficaz. Encontrou na arte e nos animais tal perspectiva. Assim sendo, o cinema novo não poderia deixar de ser registro de tudo isto.

Por fim, o documentário é uma homenagem também ao último trabalho deste cineasta singular. Ainda estudante de Engenharia, Leon Hirszman (Rio de Janeiro, 1937 - 1987), iniciou suas atividades em cineclubes e ligou-se a Augusto Boal, Gianfrancesco Guarnieri e Oduvaldo Viana Filho. Foi um dos fundadores do CPC – Centro Popular de Cultura, da União Nacional dos Estudantes (UNE), onde realizou seu primeiro filme, o curta "Pedreira de São Diogo" (episódio de "Cinco vezes favela", 1962). Pelo filme "Eles não usam black-tie" (1981), adaptação da peça de Gianfrancesco Guarnieri, recebeu Leão de Ouro do Festival de Veneza. Foi referência fundamental no cinema novo desde os anos 60. Os últimos anos de sua vida foram dedicados ao projeto “Imagens do inconsciente”, essa série rara de três documentários sobre três artistas do Centro Psiquiátrico Pedro II do Rio de Janeiro, coordenado pela psicanalista Nise da Silveira. O trabalho concluído em 1986 (portanto, 30 anos exatos neste 2016!). Um trabalho cinematográfico que faz uma dupla homenagem das mais necessárias: a Leon Hirszman e a Nise da Silveira. Um trabalho documental que fica para a história como uma bela e inquietante reflexão sobre saúde mental, arte, memória e o lugar dos de baixo num Brasil em transe que teima em não abandonar sua “herança escravista”, elitista e autoritária.

 
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