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NORDESTE
O Estado Novo e o anacronismo oligárquico regional
José Ferreira Júnior
Serra Talhada – Pernambuco
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Os anos 1930, no Brasil, apresentam-se como palco de acontecimentos significativos. Parte deles ligados a acontecimentos anteriores ao seu início, como, por exemplo, a quebra da bolsa de valores de Nova Iorque na crise de 1929 e, com ela, o impacto da crise econômica vivenciada no país, mediante o encalhe da superprodução cafeeira e o movimento social rural do cangaço, em sua faceta lampiônica. Outros, ocorrendo dentro do espaço de tempo citado, como, a industrialização dependente, como diz, Florestan Fernandes, e o implante de governo ditatorial e simpatizante do modelo nazifascista.

Percebe-se que a década citada se revela um celeiro de temáticas que podem vir a serem discutidas. Aqui, entretanto, estarei pontuando o terceiro momento da chamada Era Vargas (Estado Novo), período no qual o Brasil foi governado ditatorialmente, entre 1937 e 1945 e, nele, o anacronismo oligárquico regional. Ou seja, buscarei estabelecer análise acerca da insistência de permanência de algo que, em relação ao modelo de governo implantado, mostra-se anacrônico. Uma rusga, como diz Milton Santos, do velho marcando presença no novo.

O Estado Novo

Getúlio Vargas chega ao poder mediante o que se convencionou chamar Revolução De 1930. Na verdade, um movimento que se revela conseqüência, entre outras, das seguintes circunstancias:

A - Em primeiro lugar pela já mencionada crise instalada na cafeicultura, gerada pela quebra da Bolsa de Valores de nova Iorque, que se constituiu elemento instigador da ruptura da política do café-com-leite (Minas Gerais e São Paulo alternavam seus governadores na presidência do país ou indicavam candidatos a ocupá-la), promovendo espaço ao aparecimento, no cenário político nacional, de oligarquias menores, como a gaúcha e a paraibana, apoiadas pela mineira, formando a Aliança Liberal;

B - Também pelo apelo sentimental (estimulado pelos políticos da Aliança Liberal), decorrente do assassinato de João Pessoa, político paraibano e vice de Getúlio Vargas na chapa da Aliança Liberal. Um crime de ordem passional, mas usado de maneira inteligente pelos aliancistas para promover comoção popular;

Uma análise, mesmo que superficial, mostrará que o que se convencionou chamar Revolução de 30, foi, na verdade, um reagrupamento de forças, por parte da burguesia, promovendo a ascensão de uma outra fração de classe ao poder, não existindo, todavia, transformações radicais, tanto política quanto economicamente. Foi uma mudança no interior do bloco no poder, produto da crise do modelo de acumulação capitalista, que se expressou, desta maneira, específica na formação econômico-social brasileira.

Depois de sete anos no poder, primeiro, entre 1930 e 1934, governando por decretos, impondo interventoria em São Paulo e enfrentado um levante naquele estado, em 1932; depois, de 1934 a 1937, promovendo eleições, que vieram, dentre outras coisas, a estabelecer uma Assembleia Constituinte e, com ela, a promulgação de uma nova Constituição (1934), a vivência do pluripartidarismo, sendo a Aliança Nacional Libertadora (ANL) e o Integralismo, as duas principais facções políticas, e, somando-se a isso, o enfrentamento do levante comandado por Luís Carlos Prestes, em 1935, que ficou conhecido como Intentona Comunista, Getúlio Vargas, apoiado por setores militares, promove um golpe de Estado e faz implantado, entre 1937 e 1945, o regime ditatorial, por ele nomenclaturado Estado Novo.

Como todo regime ditatorial, o Estado Novo levanta a bandeira do unitarismo. Diante disso, promove a desconstrução do federalismo, sendo isso simbolicamente demonstrado na cerimônia da queima das bandeiras estaduais, na Esplanada do Russel, no Rio de Janeiro, menos de um mês após a implantação do novo regime. Ao mesmo tempo que ocorria a queima das bandeiras dos estados da federação, fazia-se a comemoração do dia da bandeira, cuja celebração tinha sido adiada, e rendia-se homenagem às vítimas feitas pela intentona Comunista, ocorrida em 1935.

Vinte e uma bandeiras nacionais foram hasteadas em substituição às dos estados da federação, ao som do Hino nacional, tocado por várias bandas e cantado por centenas de estudantes, sob a regência do maestro Heitor Villa Lobos. Depois, houve o discurso do Ministro da justiça, Francisco Campos (também mentor da Constituição de 1937, a Polaca) que, em suas palavras, melodramáticas e típicas de golpistas, quando discursam, deixa clara a intencionalidade estadonovista, que era a centralização:

"Bandeira do Brasil, és hoje a única. Hasteada a esta hora em todo o território nacional, única e só, não há lugar no coração dos brasileiros para outras flâmulas, outras bandeiras, outros símbolos. Os brasileiros se reuniram em torno do Brasil e decretaram desta vez com determinação de não consentir que a discórdia volte novamente a dividi-lo, que o Brasil é uma só pátria e que não há lugar para outro pensamento do Brasil, nem espaço e devoção para outra bandeira que não seja esta, hoje hasteada por entre as bênçãos da Igreja e a continência das espadas e a veneração do povo e os cantos da juventude. Tu és a única, porque só há um Brasil ─ em torno de ti se refaz de novo a unidade do Brasil, a unidade de pensamento e de ação, a unidade que se conquista pela vontade e pelo coração, a unidade que somente pode reinar quando se instaura pelas decisões históricas, por entre as discórdias e as inimizades públicas, uma só ordem moral e política, a ordem soberana, feita de força e de ideal, a ordem de um único pensamento e de uma só autoridade, o pensamento e a autoridade do Brasil" (Correio da Manhã, 1937, p. 3). (Grifos são nossos)

Os negritos são para chamar à atenção sobre o fato de que, nada obstante o tom melodramático do orador, o conteúdo do discurso denota a intencionalidade de mostrar a “legitimidade” do golpe dado. Atribui-se, indiretamente a Vargas a capacidade de, em nome de milhares, ter tomado uma decisão histórica, porquanto “necessária” à re-vivência da unidade e, por conseguinte, da ordem nacional. Ali se encontra uma alusão clara à intencionalidade frustrada de tomada de tomada de poder, protagonizada, em 1935, quando do levante, jocosamente apelidado por Vargas de Intentona Comunista.

Também se evidencia, mesmo sem que seja expresso em palavras, a jactância do governo golpista em se dizer apoiado pela Igreja e pelos militares. Esse conúbio sinistro formado pela fé e pela caserna se repetiria em outro momento da história do Brasil, em 1964, quando do implante de uma nova ditadura, dessa feita, militar.

A Igreja, reacionária em grande parte dos seus clérigos, como em outros momentos da história (os Estados Absolutistas europeus, somente para citar exemplo), demonstra-se preocupada em legitimar o mandonismo, sendo tal agir elemento ratificador de inexistência de laicismo no Estado brasileiro, embora, desde a primeira Constituição republicana (1891), esteja no texto magno a separação entre Estado e Igreja. O apoio militar, por sua vez, decorre da participação, no movimento de 1930, de elementos ligados ao Tenentismo, principalmente ao ocorrido em 1924.

Outro fato que se evidencia no discurso golpista é a “veneração do povo”. Ora, não poderia ser diferente. Vargas usou, de maneira competente o rádio, mídia influente à época, buscando massificar o discurso de um “perigo comunista”, embasando sua fala mentirosa em um suposto plano de ataque terrorista, que teria sido descoberto, quando da Intentona Comunista, pela inteligência do Exército, e que seria chamado Plano Cohen. Ora, a ignorância majoritária das massas acerca do que era comunismo, foi explorada por Vargas, grande orador que era, e também pelo clero reacionário. Entre o “perigo terrorista e a tomada do poder por ateus comunistas, que iriam fechar templos e perseguir cristãos” e a garantia de segurança proposta pelo presidente golpista, o golpe tomou contornos de “decisão histórica” e, consequentemente, foi aceito pela maioria da população.

As oligarquias regionais

A incineração das bandeiras dos estados foi um ato que também apontava, de maneira simbólica, para o enfraquecimento do poder regional e estadual. O estadonovismo preconizava uma ação que ia em sentido contrário àquela ocorrida na transição do império para a República, no Brasil.

Quando ocorreu o implante da República, e com ele o federalismo, um novo ator político se fez anunciar: o governador de estado. Este ocuparia o lugar do presidente de Província, que durante o Império era homem de confiança do Ministério e, segundo José Murilo de Carvalho, em “Mandonismo, Coronelismo, Clientelismo: uma discussão conceitual”, não tinha poder próprio, podia a qualquer momento ser removido, não tinha condições de construir suas bases de poder na Província à qual era, muitas vezes, alheio. No máximo, podia preparar sua própria eleição para deputado ou para senador.

Por sua vez, o governador de estado era eleito e chefiava a política estadual. Em seu em torno, orbitavam as oligarquias locais, delas os coronéis eram os principais representantes. A consolidação do poder dos governadores se efetiva com o advento da Política dos Governadores, implantada por Campos Sales, em 1898. O mecanismo de funcionamento dessa política é explicado por José Murilo de Carvalho:

“O governo estadual garante, para baixo, o poder do coronel sobre seus dependentes e seus rivais, sobretudo cedendo-lhe o controle dos cargos públicos, desde o delegado de polícia até a professora primária. O coronel hipoteca seu apoio ao governo, sobretudo na forma de votos. Para cima, os governadores dão seu apoio ao presidente da República em troca do reconhecimento deste de seu domínio no estado”.

O unitarismo implantado por Vargas retira dos governadores o poder que dispunham e, consequentemente, promovem a decadência de poder dos coronéis que, segundo Victor Nunes Leal, em Coronelismo, Enxada e Voto, dá-se pelo amordaçamento dos municípios. Esse agir estadonovista inviabilizaria a continuidade do mandonismo coronelístico, visto que minava o seu campo de atuação.

Sem o palco municipal, o coronel ganhava certa invisibilidade, visto não mais dispor do usufruto do poder de barganha com o governo estadual. Ou seja, os votos que dispunha, porque mandatário o era em determinado espaço, e que lhe servia de moeda de troca dentro do sistema chamado política dos governadores, agora não dispunha de valor algum.

Dependente do governo para manter-se mandatário, como o fora em toda a extensão da chamada República Velha, agora, sem o auspício governamental, o coronel de barranco, que nos sertões nordestinos, no dizer de Rodrigues de Carvalho, formava com a seca um sinistro conúbio de sofrimento, dor e desolação que se aglutinavam no flagelo daquelas malsinadas populações, experimenta a saída de cena.

Diante da conjuntura que se apresentava, ao coronel restavam duas opções: moldar-se ao sistema estadonovista e, com isto, descaracterizar-se como mandatário local ou, estabelecer resistência ao sistema e, inevitavelmente vir a experimentar desmoralização pública.

Porém, mesmo com o centralismo estadonovista destruindo o federalismo de 1891 e, com isso, reduzindo drasticamente o poder dos governadores e dos coronéis, estes, segundo José Murilo de Carvalho, em Metamorfose do Coronel, não desapareceram completamente, visto que alguns da velha estirpe sobreviveram ao Estado Novo.

É dessa reminiscência que, segundo José Murilo de Carvalho vem à luz o novo coronel, metamorfose do antigo, que vive da sobrevivência de traços, práticas e valores remanescentes dos velhos tempos.

A discussão até aqui proposta, mesmo que se atrele a um passado histórico, serve para estabelecer reflexão que se pauta no momento histórico analisado e que nos faz olhar o presente tempo, no referente às ressignificações experimentadas pelos mandonismos regionais.

Hoje, ainda que não se deva falar em coronelismo, porquanto como instituição não mais existe, é perfeitamente possível enxergar, principalmente nos espaços municipais, práticas coronelísticas. Embora as estratégias usadas sejam diferentes (ou não), o objetivo é o mesmo: estabelecer dominação, seja pelo consenso, seja pela força.

No que concerne à força, mesmo que haja momentos onde ela é crudelissimamente vista (quando de surras e assassinatos cometidos contra os contestadores da ordem idealizada pelos mandatários: políticos, principalmente), majoritariamente ela se revela de maneira disfarçada, como por exemplo, a transferência de um funcionário municipal reticente aos quereres do grupo que compõe o bloco no poder, para um distrito distante da sede municipal, mesmo tal funcionário tendo feito concurso público para atuação no distrito-sede, ou ainda, a construção de impedimentos, a partir do uso da burocracia administrativa, à consecução do experimento do direito de alguém (por exemplo, a concessão de licença para cursar pós-graduações), por ser, tal alguém, portador de discurso opositor a quem governa.

Desse modo, ressignificada se apresenta a figura do coronel na contemporaneidade, pois, com diz Barbosa Sobrinho, quando prefacia a segunda edição de Coronelismo, Enxada e Voto, de Vitor Nunes Leal: “Que importa que o coronel tenha passado a doutor? Ou que a fazenda se tenha transformado em fábrica? Ou que seus auxiliares tenham passado a assessores ou a técnicos? A realidade subjacente não se altera nas áreas em que ficou confinada. O fenômeno do ‘coronelismo’ persiste até mesmo como reflexo de uma situação de uma situação de distribuição de renda em que a condição econômica dos proletários mal chega a distinguir-se da miséria. O desamparo em que vive o cidadão, privado de todos os direitos e de todas as garantias, concorre para a continuação do ‘coronel’, arvorado em protetor ou defensor natural de um homem sem direitos”.

 
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