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TRIBUNA ABERTA
Da direita liberal conservadora espera-se sempre o pior
Marcelo Tadeu dos Santos
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Confesso que não tenho a menor paciência pra lidar com aqueles liberais que fizeram das propostas amparadas na ideologia do livre mercado como o único caminho possível para se solucionar o problema da educação no Brasil. Posando de descolados, esses liberais bem apanhados em seus brilhosos ternos e suas bem comportadas gravatas, apresentam um discurso cínico, fundamentado em tecnicismos e piruetas estatísticas que tentam disfarçar sua matriz ideológica e seu compromisso com os padrões autoritários da cultura política brasileira. Gostam de se apresentar como modernos pregadores da salvação de nossa sociedade através de sentenças de valorização das dinâmicas mercadológicas,sempre acompanhados de um discurso fatalista e sensacionalista,fundamentado em insuspeitos relatórios desenvolvidos a partir de critérios científicos inquestionáveis, já que suas propostas são o resultado de reflexões de uma ciência objetiva, desprovida de ranços ideológicos (ao contrário da sociologia ou da história) e que pregam a necessidade de reformas amplas e inadiáveis para superar o nossos atrasos tecnológico e econômico.

Esses despretensiosos intelectuais preferem, quase sempre, deixar de lado as inconvenientes discussões que apontam os nossos impasses como algo muito mais complexo, que demanda uma análise mais ampla do que aquela que se contenta com o formalismo economicista que caracteriza os trabalhos destes incansáveis articuladores do livre mercado. Nossos profetas da desregulamentação e do primado do indivíduo,esquecem que o Brasil e suas contradições demandam uma problematização que extrapola a dinâmica insípida dos pareceres desenvolvidos por esses aplicados técnicos que demonstram estar permanentemente encantados pela retórica inflamada de um liberalismo que até agora pouco fez pela construção de novas referências de socialização fundadas na valorização da democracia.

No fundo, o que os tecnocratas liberais do governo e das fundações privadas que pensam a educação de acordo com as demandas do capital estão nos oferecendo é um pacote de medidas que se revelam verdadeiras armadilhas. Quando analisadas a partir de contextos mais amplos e bem problematizados, vemos que se trata de um conjunto de estratégias montadas para a desconstrução de projetos que foram implementados nos últimos 15 anos e que, minimamente, contribuíram para uma ideia de escola que valoriza outras dimensões, além daquela que se conforma com os moldes típicos de um imaginário que remete a um capitalismo periférico e dependente. O que se pretende, com esses planos, é uma educação conformista, que restringe a democracia aos seus aspectos meramente formais e enfadonhos, e que transforma a escola num espaço de fortalecimento de um comportamento servil, reforçando lógicas de conformismo, sem margens para a construção de reflexões críticas mais profundas que conduzam o sujeito a pensar a sociedade a partir de outros critérios que não aqueles ditados pelos "donos do poder".

Sugestões voltadas para a afirmação de uma subjetividade que se enxerga capaz de definir novos padrões de sociabilidade para além do capital, por exemplo, devem ser descartadas, ou melhor, deslegitimadas num contexto de criminalização de qualquer movimento que ouse refutar a dinâmica do mercado. Neste plano é importante ressaltar que uma reforma da educação, nos moldes que defende o governo atual, também está associada com a construção de um pensamento único, esvaziando a possibilidade de fazer da escola um espaço de afirmação da diversidade e de construção de uma dinâmica plural de sociabilidade. Aliados aos valores de um dado conservadorismo que está nos fundamentos existências da nossa sociedade, nossos liberais propõem uma escola que seja espaço de reafirmação de parâmetros morais conservadores, limitando o potencial crítico em nome de uma naturalização de nosso tradicionalismo que acaba se configurando como um eficiente mecanismo de restrição de direitos e desmobilização social.

Precisamos de uma reforma, sim, mas não da que está sendo imposta pelo governo Temer a partir de matrizes desavergonhadamente autoritárias, que remetem à vulgaridade de nossa tradição política e reforçam a natureza golpista do regime. O que se pretende, numa perspectiva progressista, é ampliar o que foi conquistado, rever o currículo numa dimensão de aprofundar o papel da escola no processo de afirmação das subjetividades enquanto mecanismo de enfrentamento da marginalização e da discriminação, e não uma proposta que tenta adequar a escola a um contexto de demandas ditadas pelo capital, onde o objetivo jamais será o da construção de uma cidadania que contribua para o aprofundamento da democracia, mas sim a ampliação do processo de acumulação em bases cada vez mais perversas, fundadas numa desregulamentação (jurídica, política e econômica) radical que amplia os marcos de precarização do trabalho. Não podemos reduzir a educação às demandas de grandes empresas e do sistema financeiro e tentar entendê-la a partir de determinações de caráter puramente econômico, já que estes segmentos estão comprometidos, apenas, com a ampliação da sua margem de lucro.

A reforma do ensino médio imposta pelo MEC não é uma solução adequada para tentar desatar questões tão complexas. A coisa não se resolve enxugando e flexibilizando, mesmo porque, essa ideia, comprometida com lógicas administrativas de caráter corporativo e empresarial, que nada tem a ver com a educação, está preocupada em desconstruir o potencial transformador da escola e a capacidade que ela possui de inserir o educando na condição de protagonista de sua própria história, colocando-a dentro de expectativas que são ditadas pelos interesses do capital internacional e de uma elite cada vez mais aventureira e exclusivamente preocupada com a manutenção de seus privilégios.

Tenho certeza, meus caros,que a tal reforma defendida pelo ministro e pelos técnicos que a elaboraram a toque de caixa, pode nos oferecer algo bem pior do que já temos, na medida em que este governo está comprometido com interesses dos segmentos que se ocupam, insistentemente, com a desconstrução dos mecanismos de superação do nosso tradicionalismo autoritário e conservador. É claro que precisamos de uma reforma, mas que esta seja construída a partir de um processo democrático,de ampla participação dos segmentos que estão diretamente envolvidos com a questão. Nada de propostas construídas em gabinetes,a partir de reuniões com "especialistas" que interagem apenas com segmentos que estão acostumados a impor suas vontades em detrimento de uma noção de democracia que se ampara na participação popular e no combate a marginalização e a exclusão.

Nunca é demais ressaltar que a tal reforma do ensino médio (e porque não todas as demais) está ocupada com a perspectiva de garantir os padrões de ampliação de um tradicionalismo que se constrói em torno da precarização do trabalho e da reafirmação do parâmetro de exclusão que caracteriza a formação do Estado brasileiro. Ela faz parte de um pacote mais amplo (e perverso) de uma modernização de caráter conservador e autoritário, que vem se legitimando através de aparatos repressivos que se escoram numa perspectiva jurídica cada vez mais opressiva, onde a violência tornou-se uma ferramenta importante no processo de desmobilização e repressão das oposições. Além disso, nossa direita liberal conservadora conta com o entusiasmo e o comprometimento de uma mídia afinada com a ideia de se garantir intactos os padrões de uma sociedade não de direitos, mas de privilégios. Enfim, dos nossos liberais conservadores é sempre bom se esperar o pior.

 
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