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FUTEBOL E CINEMA
FUTEBOL E CINEMA. NOTAS SOBRE UMA ESTRELA SOLITÁRIA
Romero Venâncio
Aracajú (SE)

As relações entre cinema e futebol no Brasil tem longa data. Lá pelos idos dos anos 60 começava uma relação interessante e inteligente. No meio futebolístico, celebridade tola, discurso inflamado e boboca e falta de inteligência é lugar comum. Basta ver hoje a formação dos jogadores e a baixa qualidade da imprensa jornalística “especializada” em esporte (a rede globo segurando o troféu de pior). Salvo, como sempre, alguns nomes que honram o comentário esportivo.

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Em 1962 vinha a lume o documentário “Garrincha, alegria do povo” de Joaquim Pedro de Andrade. De primeira, um marco nas relações cinema/futebol. Era o primeiro filme documental no estilo “cinema novo” que abordava uma figura célebre dos campos. O filme, como o título indica, liga Garrincha e suas pernas tortas e geniais à alegria popular.

O futebol carrega uma “utopia” popular que era alegorizada nas jogadas irreverentes do eterno “Mané”. Aparece Garrincha no vestiário simples do Botafogo, nas ruas de sua cidade natal (Pau Grande-RJ), com as filhas, nos jornais, tudo acompanhado pela narração de Heron Domingues, “voz de ouro” da rádio Nacional. O futebol pelas pernas de Garrincha nos fazia sonhar com num País em que o povo é protagonista.

Um Brasil que tinha esperança. Por fim, era o cinema novo que entrava em campo para filmar o povo naquele que o povo “chamava de ídolo”. Seguindo no tempo, vamos ter nos anos 70 outro documentário marcante sobre o futebol brasileiro, destacando a figura do jogador Afonsinho, que foi proibido de jogar por deixar crescer a barba. Fora “confundido” com os comunistas barbudos.

Trata-se de “Passe livre”. Estávamos em plena ditadura empresarial-militar, moralista e autoritária. O filme é dirigido por Oswaldo Caldeira que percebendo este incidente com Afonsinho vas além dele e tentar fazer uma radiografia do futebol brasileiro naquele momento. Ouve-se depoimentos de pessoa como o saudoso e inteligente João Saldanha, jogadores como Jairzinho e Amarildo e jornalistas.

O documentário de Caldeira acaba fazendo um debate político sobre a liberdade no futebol e da necessidade de uma “lei do passe livre”. Em épocas de ditadura, falar de liberdade ou coisa que o valha é sempre um risco e uma ousadia. O filme “Passe livre” (1974) é um marco na temática.

Nos estudos sobre futebol no Brasil, esse filme tem lugar de destaque por ser um relato documental muito original e que sabe demarcar uma leitura crítica num campo de pouca inteligência e de muita manipulação dos sentimentos populares.

O futebol já era na década de 70 utilizado como “forma de alienação das massas” e a ditadura de plantão sabia tirar proveito do esporte que eles mesmos chamavam de “o mais popular no Brasil” desde a vitória na copa de 70. O filme de Caldeira representa uma leitura crítica do que se pensava na mídia e no governo sobre futebol.

Já na década de 90, em pleno vapor neoliberal, aparece Boleiros – era uma vez o futebol (1998) dirigido por Ugo Giorgetti. O filme mescla ficção e documentário e trata da reunião de um grupo de ex-jogadores de times paulistas que na idade avançada lamentando a situação atual do futebol e do esquecimento daqueles que foram “ídolos” de suas torcidas e da mídia.

O filme pode ser entendido como nostálgico nos diálogos, mas profundamente crítico no seu conteúdo diante da maré neoliberal em que vivia enfiado o Brasil de FHC e seus sabujos. Giorgetti sempre foi um diretor muito crítico da sociedade brasileira contemporânea nos seus filmes e neste ele usa o futebol e suas tragédias pessoais para chegar a tragédia maior que era (ou ainda é?) o Brasil naquela quadra dos anos 90.

Continuando o percurso nas relações cinema e futebol, chegamos a “Heleno – o príncipe maldito” de José Henrique Fonseca. O filme tem caráter biográfico onde trata de vida de Heleno de Freitas, jogador do Botafogo do Rio nos anos 40. Um rio cheio de glamour e promessas, onde um charmoso jogador vivia nos refinados salões numa vida marcadamente boemia. Heleno é apresentado como um gênio explosivo e apaixonado pelo futebol.

Tinha gosto refinado para o cinema e para a boa música e para variar, cercado de mulheres. Uma fotografia que explora o preto e branco dando um toque de beleza sem igual e que vai aos poucos alegorizando aquilo que será o destino trágico de Heleno. O filme começa pelo fim: o jogador já se encontra num hospital internado para tratamento de saúde e completamente desfigurado pela sífilis que o atingiu dramaticamente.

O papel principal foi entregue ao ator Rodrigo Santoro. Arrisco aqui a dizer que é um dos poucos papeis em que Santoro não precisa unicamente da sua beleza, mas demonstra talento dramatúrgico para um papel que requer boa interpretação e que chaga a convencer. De todos os filmes comentados nestas miúdas notas, Heleno de José Henrique Fonseca é o mais fraco, mas tem lugar garantido na história das relações futebol/cinema.

Um filme que acaba soando como uma crítica no mundo do futebol de hoje, apesar de voltar aos anos 40. Explico-me: é que a vida trágica de Heleno é como um alerta para essa loucura pela busca do estrelato presente na vida de um monte de jovens no Brasil de hoje, aonde chegam a sacrificar quase tudo de sua juventude para tornar-se um cabeça de vento como esse Neymar e outros do mesmo naipe. Uma pena.

Porém, o que mais me chamou a atenção foi uma “nobreza de espírito” presente nas imagens e falas de Heleno de Freitas e que mais se parece com uma frase lapidar de Jean-Paul Sartre: “No furor, na ira, no orgulho, na vergonha, na recusa nauseante ou na reivindicação jubilosa, é necessário que eu escolha ser o que sou”.

A frase poderia constar como epigrafe do filme que ficaria de bom tamanho no entendimento da vida de um grande jogador de futebol como Heleno e de como no futebol ou na vida, escolhemos também nossa breve vida e, nisto, somos do mesmo barro.

 
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