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New Deal nos EUA: as impressões de Keynes (II)
Daphnae Helena
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As primeiras impressões de Keynes sobre o New Deal estão no texto Uma carta aberta ao Presidente Roosevelt. Antes de analisar o plano de governo e expor suas críticas, o economista aponta suas motivações para escrever sobre esse assunto, dizendo que Roosevelt era uma esperança para todos aqueles que pretendiam resolver os problemas econômicos por meio de uma saída racional e dentro da estrutura existente. Caso falhasse, a mudança racional seria gravemente prejudicada em todo o mundo, deixando espaço para a ortodoxia e a revolução.

Caso fosse bem sucedido, novas fronteiras e métodos seriam comprovados. E "isso é razão suficiente para que eu me aventure a deixar algumas reflexões, mesmo que sob a desvantagem de escrever distante e com conhecimento parcial da situação nos EUA". Neste mesmo escrito destaca que o presidente era "a única pessoa que vê a necessidade de uma mudança profunda nos métodos e está tentando isso sem intolerância, tirania ou destruição".

O New Deal foi idealizado por diversos economistas nos 100 primeiros dias de governo de Roosevelt. Não havia nenhum viés teórico do ponto de vista econômico que unificava os chamados New Dealers (os economistas que formularam o programa de governo). Nesse sentido, o que os unificava era a necessidade política de ação para amenizar os efeitos de crise e tentar encontrar uma saída para o capitalismo que não levasse a sua destruição e que viesse acompanhada da manutenção da democracia burguesa, ainda mais frente ao fortalecimento do interesse dos trabalhadores e de intelectuais na busca por um sistema alternativo ao capitalismo. As primeiras palavras de Roosevelt foram "Esta nação precisa de ação, e ação agora".

Ainda que amparado por distintos economistas, o que marcava o New Deal era a necessidade de dar respostas práticas à situação. Sobre esse ponto, em Roosevelt’s economic experiments é interessante a clareza que John Maynard Keynes tem ao caracterizá-lo como um político e não um economista, ressaltando que o Presidente agia sem um arcabouço teórico que guiasse suas ações, pois, embora fosse um empirista, ele negava fortemente na prática os conselhos da ortodoxia econômica.

Por isso é necessário destacar em primeiro lugar, e antes de nos focarmos na análise das principais sugestões de John Maynard Keynes, que toda sua análise da situação dos Estados Unidos e da política econômica do governo Roosevelt baseia-se na necessidade de gastos governamentais para atingir o objetivo da recuperação econômica, ou seja, do crescimento do produto, da renda e do emprego. Conforme escreve em Roosevelt’s economic experiments: "(...) como o motor fundamental em primeiro estágio da técnica da recuperação, eu deixo uma ênfase esmagadora no aumento do poder de consumo nacional resultante do gasto governamental, o qual é financiado pelos empréstimos e não é meramente uma transferência de taxação de aumentos existentes. Nada é comparável com isso."

A explicação, do ponto de vista de sua teoria econômica, para essa intervenção do Estado está presente em An Open Letter to President Roosevelt e posteriormente será desenvolvida na sua principal obra Teoria Geral do Emprego, do Juro e da Moeda. Segundo Keynes, a produção e a renda podem ser aumentados de três formas: por meio do aumento do consumo das famílias, do investimento dos empresários ou dos gastos do governo. Entretanto, num ambiente de depressão e de incertezas, nem as famílias terão renda suficiente para gastar de forma que o aumento do seu consumo tenha impacto na renda agregada e nem os empresários, num ambiente de turbulência, irão realizar novos investimentos, restando somente ao governo o papel de realizar gastos públicos e diminuir as incertezas. Esse é o ponto-chave das críticas e sugestões de Keynes ao New Deal e funciona como norte central para a definição de todas as outras políticas estatais.

O gasto público dos Estados Unidos durante o período do New Deal variou de US$ 4,6 bilhões em 1933 ao máximo de US$ 8,8 bilhões em 1939, ou seja, chegou a quase dobrar ao longo do período. Contudo, se considerarmos os US$ 35 bilhões de gastos realizados na preparação para a II Guerra Mundial (que são os capazes de recuperar os Estados Unidos da Depressão) podemos ter a dimensão de como os primeiros gastos eram claramente insuficientes para garantir a mudança nas expectativas dos indivíduos (que era o objetivo de Keynes).

Durante suas cartas (escritas entre 1933 e 1934) é elemento comum a crítica ao foco do governo dos Estados Unidos em realizar muitas reformas nos mais variados setores - na indústria (National Industrial Recovery Act), na agricultura (Agricultural Adjustment Act), no sistema bancário (The Banking Act), no sistema monetário, na estrutura tributária do país, para citar os exemplos mais importantes - e não se dedicar ao problema da recuperação econômica. Ao contrário, para Keynes era mais coerente que o Presidente se dedicasse a realizar um grande plano de obras públicas que levasse à recuperação no curto-prazo (ainda que reconheça a dificuldade em se pensar investimentos de curto-prazo capazes de gerar emprego e atividade e a necessidade de algumas reformas), o qual lhe permitiria ganhar legitimidade entre os diversos setores da sociedade, para daí então buscar realizar as reformas sociais e econômicas necessárias.

Dentre os textos que elegemos, An Agenda for the President de junho de 1934 é um dos mais interessantes, pois nesse ano já era possível sentir mais concretamente os efeitos da política econômica iniciada na metade de 1933 e este foi escrito depois de uma visita do autor aos Estados Unidos, na qual conversou com o próprio Roosevelt e com diversos políticos. Além disso, o ano de 1934 foi marcado pela tensão entre capital e trabalho com uma onda de greves importantes que atingiram o país.
Nesta carta, portanto, Keynes realiza uma condensação de propostas de políticas (Agenda) a serem levadas no próximo período (seis meses a um ano). Estas propostas são quatro: i) conhecimento dos impactos e controle dos gastos emergenciais realizados pelo governo; ii) redução dos custos de produção e a formulação de um plano de habitação; iii) queda da taxa de juros de longo prazo, como parte de melhores condições de empréstimo de longo prazo; iv) manutenção de uma política monetária de desvalorização cambial.

O primeiro elemento apontado na sua sugestão de Agenda para o presidente é que o Estado crie uma comissão responsável por analisar os gastos emergenciais feitos pelo governo para comparar os resultados conseguidos com a estimativa prevista, e que isso fosse reportado semanalmente ao poder executivo. Além disso, sugere a construção de casas num programa de habitação e a manutenção e reparo das estradas como gastos emergenciais que seriam importantes num cenário em que os objetivos não fossem atingidos.

As medidas emergenciais realizadas por Roosevelt nos primeiros anos do New Deal estiveram relacionadas com reformas emergenciais (como a realizada no sistema bancário, por exemplo) e, principalmente, com alguns investimentos públicos administrados pela Civil Works Administration até 1934 e depois por meio do Federal Emergency Relief Act. As ações consistiam basicamente na construção de estradas, escolas e parques e no oferecimento de um programa de emprego temporário (de curto período) em atividades intensivas de trabalho, pelo qual se pagava um salário mínimo.

O principal elemento a se destacar aqui é a importância dada por Keynes em se realizar gastos emergenciais que sirvam como base para a recuperação da economia. Nesse sentido, o economista chega a sugerir (no caso do plano implementado não ser efetivo) que se planejem gastos em manutenção e reparo de estradas e na construção de habitações. Uma das principais razões que aponta para isso é o fato desse tipo de investimento ser de rápido tempo de maturação e empregar um elevado contingente de trabalhadores. Isso cumpriria tanto o papel de gerar atividade econômica e, consequentemente emprego, como de ser um ativador da mudança das expectativas dos capitalistas.

O segundo elemento apontado pelo autor diz respeito aos altos custos do material de construção e da força de trabalho na construção civil, dizendo que "é de primeira importância para a Administração tomar todas as medidas ao seu alcance para reduzir os custos unitários dessas indústrias"19. Essa crítica está baseada nas ações do governo dos Estados Unidos que buscavam combater a paralisia da economia, e nesse sentido a deflação dos preços, por meio da restrição da oferta ou pelo aumento da emissão monetária.

A busca da inflação por restrição de oferta foi a base da política do Agricultural Adjustment Act (AAA), programa emergencial para a agricultura feito por Roosevelt. Este setor já vinha, desde a década de 1920, com queda nos preços e no lucro. Quando eclodiu a crise de 1929, os preços despencaram completamente. O AAA foi a tentativa de se tomar medidas para, dentre outras coisas, garantir o aumento dos preços por meio da restrição da oferta de determinados tipos "básicos" de commodities (foram eleitos 16 tipos, entre eles tabaco, batata e açúcar da cana).

Essa política foi duramente criticada por Keynes, pois, na sua visão, se baseava numa forma errada de se entender a necessidade de inflação durante depressões econômicas. Esta seria bem-vinda, desde que fosse consequência da recuperação da economia e, nesse sentido, fosse uma "inflação natural", ou seja, fruto do aumento da demanda e não produzida artificialmente, por meio da diminuição da oferta.
O aumento nos custos de produção, quando fruto de uma política de emissão monetária com o objetivo de se ter inflação (aumento dos preços, devido ao aumento da quantidade de papel moeda emitida), também geraria, segundo Keynes, uma inflação artificial, uma vez que não seria decorrência do aumento da atividade econômica. Contudo, no caso da indústria (de construção civil), citado por Keynes, há outros fatores que são necessários considerar, como, por exemplo, a política econômica para a indústria, o National Recovery Industrial Act (NIRA), que foi criticado pelo economista por ser pensado como essencialmente reforma e que poderia, inclusive, impedir a recuperação.

A NRA foi uma política para a indústria que teve diversas medidas de regulamentação do trabalho (dentre as principais podemos citar a extinção do trabalho infantil, a regulamentação de 40 horas semanais, a regulamentação especial para o trabalho feminino) e também concedeu na Seção 7(a) a liberdade dos trabalhadores se organizarem por indústria - anteriormente a organização sindical era feita por empresa, as company unions. Além disso, essa política industrial determinou a formação da National Recovery Administration, uma agência do governo para auxiliar nos acordos de regulação de preços, produção, investimento, marketing e preços praticados.

Esses acordos eram estabelecidos em termos de "fair competition", ou seja, eram desenhados por um comitê tripartite de empresários, trabalhadores e consumidores, mas que na prática significava a decisão dos primeiros sobre a economia. Como afirma Campagna: "(...) o real desenvolvimento deles era dominado pelo empresariado e principalmente pelos grandes monopólios. Os trabalhadores e os consumidores tinham escassa voz nessa construção".

Essa política trouxe resultados contraditórios, a fixação de preços era um problema, pois "eram definidos de forma arbitrária e frequentemente num nível maior do que as condições de mercado iriam ditar", porque na prática eram feitos pelos próprios empresários. Este elemento está na base da crítica do aumento dos custos de produção.

É interessante também destacar que Keynes critica o aumento da remuneração do trabalho, o salário, e nesse sentido é importante remarcar que a NRA, devido à determinação das condições da indústria feita pelas grandes empresas (horas trabalhadas e salários mínimos, por exemplo), foi fonte de grande descontentamento por parte dos trabalhadores que fizeram diversas mobilizações no período.
O terceiro e o quarto elementos apontados por Keynes se relacionam à política monetária levada a cabo por Roosevelt durante o período do New Deal. A principal medida tomada pelo governo de Roosevelt, nesse sentido, foi a quebra com o padrão ouro, por meio da supervalorização do dólar, estimulando o influxo de ouro para o país. Segundo Keynes, a taxa de câmbio era de vital importância para a recuperação econômica, porque significaria a garantia de preços estáveis, mas principalmente porque tinha relação direta com a emissão monetária do país e nesse sentido com a inflação e a recuperação econômica.

Em An Open Letter to President Roosevelt, Keynes apresenta três alternativas para a política cambial dos Estados Unidos: i) retomar o padrão ouro por meio de uma desvalorização do dólar em relação ao ouro e o estabelecimento de uma nova taxa de câmbio fixa; ii) procurar uma política de estabilização do câmbio em comum com a Grã Bretanha com o objetivo de estabilizar os preços, embora Keynes considerasse que essa política seria muito difícil de se concretizar pela relação entre a libra e o dólar; e, iii) controlar a taxa de câmbio do dólar por meio de compra e venda de ouro e outras moedas estrangeiras, mantendo a possibilidade de modificar a relação entre ouro e dólar, mas fazendo isso apenas em razão de algum problema importante na balança de pagamentos do país. Essa última era, em sua opinião, a melhor política cambial, pois evitaria flutuações desnecessárias, porém manteria "a liberdade para fazer sua política cambial subserviente às necessidades da política doméstica - livre para afrouxar o cinto na proporção em que você coloque carne".

Essa última opção que Keynes considera como a melhor a ser aplicada era muito parecida com aquilo que é aplicado por Roosevelt em 1934, quando ele sente a
necessidade de desvalorização do ouro e propõe que o "lucro" dessa desvalorização seja destinado para uma reserva de estabilização da política cambial. Depois desse movimento, a taxa de câmbio dos Estados Unidos permanece estável durante o período. Em 1933, Roosevelt faz o um discurso, já anunciando a necessidade da desvalorização.

Do ponto de vista da taxa de juros praticada durante o New Deal, Campagna a caracteriza como uma política passiva, ou seja, que não era fruto de uma política governamental que busca baixar a taxa de juros para estimular o investimento, ficando na dependência da determinação feita pelo mercado das flutuações de ouro na economia. Já para Keynes esse elemento é um dos mais importantes porque, segundo ele, a queda na taxa de juros, particularmente dos empréstimos de longo-prazo, é condição primordial para incentivar inversões dos empresários e modificar suas expectativas. Contudo, essa medida não foi levada pelo governo Roosevelt durante o New Deal, apesar do influxo de ouro e do aumento de reservas do sistema bancário que davam base para a expansão dos empréstimos bancários, estes ainda se mantinham relutantes, preferiam comprar os títulos do governo com sua remuneração garantida e manter sua liquidez por meio das reservas a realizar empréstimos, ainda mais de longo prazo, num futuro incerto como o da década de 1930.

Como vimos, algumas críticas antecipadas por John Maynard Keynes tiveram paralelo com as ações implementadas ou reconsideradas pelo governo Roosevelt, por exemplo, a desvalorização do câmbio, a extinção da NRA e do seu comitê tripartite, a política de investimentos públicos - mas não na magnitude que Keynes defendia. Contudo, o New Deal, ainda assim, se manteve como uma política econômica de mais reformas sociais e econômicas do que de recuperação e, no que tange a ter uma política monetária ativa que pudesse estimular os bancos a conceder empréstimos de longo-prazo a taxas de juros pequenas, nunca chegou a se efetivar durante o período do New Deal.

Em síntese, podemos dizer que as críticas e sugestões de John Maynard Keynes para a recuperação econômica estavam na ação do Estado por meio de um plano de obras públicas, todas as outras medidas econômicas (planos de obras públicas, taxa de juros, taxa de câmbio, nível da inflação, reformas nos principais setores da economia) deviam estar a serviço de possibilitar os gastos do governo e, consequentemente, o aumento da demanda, motor do crescimento econômico. No seu texto O fim do laissez faire Keynes escreve "Se por alguma razão os indivíduos que compõem a nação não estão dispostos, cada um na sua capacidade própria, a gastar o suficiente para empregar os recursos da forma como a nação é dotada, então é responsabilidade do governo, o representante coletivo de todos os indivíduos da nação, preencher a lacuna".

 
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