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HISTÓRIA
Independência ou morte? O que expressa o 7 de setembro?
Valéria Muller

Para além da heroica imagem de D. Pedro I às margens do Rio Ipiranga, entoando "Independência ou Morte!" com sua espada em punho, o que nos conta a história acerca do 7 de setembro?

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A formulação simples de um herói para cada fato, como costuma ser contada a história do 7 de setembro, maquia episódios repletos de controvérsias. No caso da independência do Brasil, basta uma análise simples dos fatos que antecederam e que decorreram do grito de independência para compreender o quão artificial foi esse episódio.

A começar pelo caráter de classe do processo, motivado principalmente pelas elites agrárias, herdeiras das Capitanias Hereditárias. A população pobre, escrava e os indígenas, que eram a maioria das pessoas do país, não estavam entre os que "ouviram do Ipiranga as margens plácidas" o grito de independência. Um fato importante acerca disso é que a independência do Brasil não resulta diretamente de uma revolta popular, mas de articulações das elites e de disputas internacionais.

Pouco ou nada se modificou na vida das classes menos abastadas, que durante muitos anos foram impedidas de exercer direitos políticos mais básicos.

Alguns antecedentes e a disputa internacional

Em 1806 Napoleão decretou o Bloqueio Continental aos ingleses. Ele rodou o mundo buscando aliados no sufocamento das relações comerciais da Inglaterra e suas Ilhas. No seu próprio continente, entretanto, havia uma contradição: Portugal jamais cessara suas relações comerciais com a Reino Unido da Grã-Bretanha, pois era o comércio dos ingleses com as colônias portuguesas, como o Brasil, que sustentava ainda Portugal. Napoleão, sabendo de seu poder militar muito superior, decidiu invadir Portugal, pressionando para que a D. João VI se decidisse. Porém D. João VI, com o apoio da Inglaterra, fugiu para o Brasil com sua família. Em troca a Inglaterra desfrutava da "abertura dos portos às nações amigas" que, no caso, era só o Reino Unido inglês, que tinha mais vantagem comercial inclusive do que Portugal.

Em 1815, ao fim da Batalha de Waterloo, mesmo com a derrota de Napoleão, D. João VI permanecia no Brasil, que agora era Reino Unido a Portugal.

Os liberais chegaram ao poder em Portugal em 1820, após a Revolução do Porto, e conseguiram garantir o retorno de D. João VI, e garantir também a manutenção da dependência do Brasil em relação a Portugal. Quem ficou como representante da família real foi D. Pedro I. Porém a elite agrária brasileira não aceitou a dependência com Portugal, pois o mercado de comércio de suas matérias-primas se estreitava demasiadamente. O país, então, se dividiu entre o Partido Brasileiro, o Partido Português e uma minoria liberal. No lado brasileiro os latifundiários que desejavam manter suas relações com a Inglaterra, do lado português o setor mais próximo a D. Pedro I, que apoiava a recolonização do país.

Os defensores da "independência", que tinham grande força econômica, e sabiam que o príncipe regente tinha ao seu lado as forças armadas, decidiram comprá-lo: ele permaneceria no poder mesmo após a independência. Apesar da pressão de seu pai, que sabia da situação na colônia e solicitava que retornasse a Portugal, D. Pedro I avaliou mais vantajoso permanecer no Brasil, fato marcado pela declaração dele de 9 de janeiro de 1822, o "Dia do Fico". Naquele ano, então, seriam anunciadas eleições para uma Assembleia Constituinte e, em sete de setembro, declarada a independência do Brasil.

Portugal ao saber da novidade logo exigiu o pagamento de dois milhões de libras esterlinas para reconhecer a independência do Império brasileiro. Criando nova dependência com a Inglaterra, D. Pedro I conseguiu pagar o valor a partir de um empréstimo.

A história viva no presente

Como já citado, a população escrava, as classes mais empobrecidas e os indígenas pouco se envolveram no processo. A libertação desses setores, ainda não completa até os dias de hoje, dá seus primeiros passos muitos anos depois da suposta independência. A abolição da escravatura, por exemplo, com todas suas contradições, só foi assinada em 1888, mais de sessenta anos depois de ser declarada a independência, feita pelo alto quando já não havia mais como conter os negros, depois de inúmeros revoltas dos escravos.

Essa história de exploração da população negra ainda hoje torna o Brasil um país absolutamente racista, em que homens e mulheres negras lutam para sobreviver e ocupar espaços que lhes são historicamente negados. Vivem sobre permanente racismo de instituições criadas para caçar ou reprimir negros, como as polícias militares.

O direito ao voto, somente em 1891, na primeira constituição do sistema republicano, foi oficializado a todos os brasileiros homens alfabetizados, independente da renda ou religião.

Até então essas restrições excluíam a população negra ex-escrava do sistema político.

A exigência de alfabetização ainda nesta época excluía muitos brasileiros negros e pobres da vida política do país. O voto feminino, foi ainda mais tarde. Autorizado a partir de 1932, só foi exercido pela primeira vez no ano de 1935.

As ditaduras de Getúlio Vargas e militar também privaram os brasileiros de votar em momentos mais recentes. O voto, que jamais garantiu que a política fosse determinada pela participação popular, tem ainda menos valor em tempos de golpe institucional.

Esses são poucos dos muitos exemplos que demonstram como a independência do Brasil, em si, não significou uma profunda ruptura política e social no país, que se deu somente com o passar das décadas, na medida em que as pressões internacionais as impulsionavam. Elementos como a força da burguesia agrária que ainda hoje persiste, com a bancada ruralista sendo uma das mais poderosas do Congresso, são reflexos da história do país e do quanto os diferentes imperialismos se utilizam, ainda hoje, desses recursos naturais. A superconcentração de terras nas mãos de poucos, que matam indígenas e sem-terra para garantir a manutenção de seus lucros, também é herança dessa história ainda viva.

Muitos historiadores questionam até hoje a independência do país, que passaria da dependência de um país mais poderoso para outro: De Portugal à Inglaterra, da Inglaterra aos Estados Unidos. É característico da economia capitalista a formação de grandes monopólios internacionais, e a disputa entre eles subordina toda a economia mundial. No caso do Brasil, fatos como o recente golpe institucional, que teve participação também do imperialismo americano a partir da atuação de Sérgio Moro, mostram como essa dependência econômica se reflete também em dependência política.

Apesar de uma história que muitas vezes é contada de maneira incompleta e distorcida, o 7 de setembro tem conseguido expressar algo sobre o país. Enquanto as Forças Armadas desfilam como principal patrimônio e como principal ferramenta de manutenção do Estado, o Grito dos Excluídos, desde 1994, e também outros protestos, demonstram um contraponto. Com a crise política e econômica essas contradições se intensificam e se expressam ainda mais.

Retomar a história do 7 de setembro é relembrar que essa não é a história dos trabalhadores e do povo pobre em luta pela sua libertação, mas a história dos exploradores, escrita com sangue e suor dos escravos, indígenas e trabalhadores do país. A história que é escrita em cada jornada de luta e em cada ato de resistência não é celebrada nos feriados políticos e religiosos da classe dominante, e só será retomada e celebrada por completo pela própria classe trabalhadora, tomando o poder econômico e político da sociedade das mãos dos exploradores.

 
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