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CRISE DE REPRESENTATIVIDADE NAS OLIMPÍADAS
As Olimpíadas e a crise de representatividade por trás das vaias
Lara Zaramella
Estudante | Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo
Bianca Coelho - Estudante de Letras USP

Os recentes jogos olímpicos foram tomados de vaias, chamando atenção da mídia internacional e sendo foco de críticas e elogios, de representação da identidade nacional e de falta de ética e respeito do brasileiro, dentre demais opiniões a respeito. As vaias ocupam nos últimos tempos também, um especial e importante espaço na política brasileira, alertando posições e anseios da população, que se sentem como que ignoradas pelo sistema político falho de representatividade.

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Mesmo em meio ao rebuliço político que ocorre no Brasil, o grande assunto que várias das grandes mídias se ocuparam em polemizar nas últimas semanas foi sobre a questão das vaias nas Olimpíadas. Dando um simples “google” nesse ponto, percebe-se a extensão que a polêmica tomou. Vaias ao presidente interino golpista, ao prefeito Eduardo Paes, ao jogador francês na prova do salto com vara... Foram tantos os exemplos que a mídia internacional chegou a dar ao evento o título de “olimpíadas das vaias”.

Mas o que chama mesmo a atenção nessas reportagens é a superficialidade em que a discussão se deu, tanto do lado dos favoráveis às vaias, como dos contrários. Ignorou-se uma análise mais profunda sobre o fato, relegando o debate a discursos moralistas que ressaltam o “jeitinho brasileiro”, avaliando-o ora como negativo ora como positivo, oscilando entre o “o povo brasileiro é um povo mal-educado, incivilizado” dos contrários, até “o povo brasileiro é um povo muito passional, animado, festivo” do lado favorável, sem um questionamento sobre motivações mais concretas, jogadas assim, às soltas. É isso que pretendemos explorar neste texto e, para tanto, vejamos primeiro um pouco da história do surgimento desse comportamento.

Dizem que as vaias surgiram na Grécia Antiga, acompanhando manifestações políticas e culturais. Dentre elas os jogos olímpicos, criados na mesma época, sendo uma forma de externar a opinião e a posição que o espectador possuía. As vaias, assim como os aplausos, acompanhavam os mais diversos tipos de manifestação pública, estando nas apresentações culturais de teatro, nos esportes e nos discursos políticos. Inclusive decisões eram tomadas democraticamente a partir dos sons que a população fazia, e não pelo voto.

Na política, o aplauso ou a vaia se davam (e ainda hoje se dão) pela concordância ou discordância do discurso feito, trazendo então questões ideológicas. Enquanto que nos esportes e demais manifestações culturais, como o teatro, a vaia carrega mais um valor de insatisfação, seja pelo resultado, pelo desempenho ou atitude de quem atua.

Ou seja, para além de pensar na vaia como manifestação de “incivilidade” ou “passionalidade” é importante ter em vista esse seu caráter histórico, que é o de externar opinião contrária sobre um ponto de contestação. Não por acaso que, em conjunto com a crescente crise de representatividade brasileira dos últimos anos, parecem vir gritos e apupos da população com cada vez mais peso e frequência.

Não podemos esquecer que da mesma maneira que o presidente interino golpista Michel Temer receou as vaias na abertura e fechamento dos jogos olímpicos, a presidente Dilma também expôs seu medo frente às vaias nas cerimônias da Copa do Mundo, em 2014.

Se até aqui estamos considerando as vaias como uma atitude até certo ponto progressista, é porque ela demonstra esse caráter de contestação do regime, de insatisfação com este. Porém é complicado reduzir a discussão dizendo então que toda e qualquer vaia vem dessa mesma insatisfação ou tem esse mesmo fim. É muito provável que a torcida que vaiou o jogador do salto com vara ou não se comportou como pede o decoro no jogo de tênis, o fez não por estar questionando a ordem política vigente. Mas então, por que o fez? Por ser o seu “jeitinho”?

Para pensar essa situação, tomemos como exemplo a caracterização que a revista Isto É fez dos torcedores em sua manchete, que diz “Brasileiros levam ‘torcida de estádio’ ao tênis de mesa na Rio-2016”. A “torcida de estádio” nos interessa, pois demonstra onde reside o problema: o torcedor comportou-se no jogo de tênis da mesma maneira que se comportaria no jogo mais popular do Brasil, que é o futebol.

Gritou, vaiou, cantou, o que é inteiramente aceitável no estádio de futebol,
entretanto no tênis, no qual é importante que os jogadores tenham uma concentração maior, ouçam o pingar da bolinha etc., isso atrapalhou. Ainda assim, sua atitude não é injustificada. O brasileiro se comportou no jogo de tênis como se comporta no jogo de futebol não porque há qualquer coisa na água do nosso país que nos faça ser incapazes de entender as regras desse jogo, ser "mal-educados", “bárbaros”, mas sim por um desconhecimento generalizado sobre outros esportes que não o futebol, já que há pouco ou nada de investimento para prover esportes a toda a população. O tênis é um exemplo muito representativo disso, pois é um esporte extremamente elitizado: não passa nas TVs abertas, é extremamente caro para se fazer, não tem em todo lugar, aquele que tiver interesse em seguir carreira no mesmo não terá patrocínio... São esses e outros tantos fatores que deixam a grande maioria da população à margem não só do tênis, mas de muitos esportes, e só o que nos resta mesmo é o futebol.

Como se vê, o assunto não é simples, não se esgota facilmente e não se pode abrir margem para moralismos. A partir de uma análise histórica e daquilo que pudemos observar e sentir nos últimos tempos, a vaia pode carregar consigo inúmeros valores, opiniões e posturas, entretanto de fato é uma forma de expressão de massas que passa uma mensagem que uma parte grande da população, no mínimo, possui. As vaias esportivas que aconteceram nos jogos olímpicos, como visto, podem manifestar desde questões sociais por trás de posturas do torcedor, até simplesmente o extravasamento cultural que vem desde a Grécia Antiga e rodeia espaços como os do esporte. As vaias políticas que tem crescido e chamado igualmente atenção das mídias internacionais, por mais que possam ter diferentes apelos ideológicos e posições políticas, podendo inclusive ser chamada em alguns momentos de gritos despolitizados, traz a característica essencial do ato, o de chamar atenção para uma voz, o anseio de se fazer ouvir.

A medida que a crise brasileira vai se alastrando e a população se sente cada vez mais alheia às decisões políticas, as vaias crescem, tentando em meio à isenção e silêncio impostos ao povo, fazer ouvir seu descontentamento, sua discordância, sua negação.

 
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