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TRABALHO NO TELEMARKETING
Entrevista com Bruna P. Martinelli sobre o trabalho nos Call Canters
Redação Campinas e região
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O Esquerda Diário entrevistou Bruna Piazentin Martinelli, pesquisadora e doutoranda em Ciências Sociais na UNICAMP, sobre as condições de trabalho nos Call Centers. Em seu mestrado em Sociologia (2015) pela mesma universidade, Bruna estudou o trabalho das teleoperadoras na cidade de Campinas. Repercutindo as denúncias que recebemos de trabalhadores de calls centers de todo o país, Bruna P. Martinelli pôde falar um pouco da sua pesquisa e da situação geral do trabalho nos call centers hoje.

ED - Essa semana o ED recebeu várias denúncias vindas de trabalhadores de alguns Call Centers como a Contax, Audac e Alma Viva. As denúncias vão desde jornadas extensas, assédio moral, uso da bonificação como forma de intensificar o trabalho, impedimento de pausas para ir ao banheiro, falta de equipamento, até atrasos e parcelamentos nos pagamentos dos vales. Esses problemas são específicos dessas empresas ou é um problema mais geral do trabalho no setor de teleoperações?

Bruna P. Martinelli - Esses problemas colocados pelos trabalhadores de tais Call Centers é um problema geral do setor, com exceção dos atrasos e parcelamento dos vales, que são reclamações mais específicas de algumas empresas, porém, recorrentes. De modo geral, a jornada de trabalho nos Call Centers são de 6h20, contando com 3 pausas, geralmente de 5 – 15 – 5 minutos, ou 10-20-10 minutos, onde as pausas menores acabam sendo destinadas às idas ao banheiro, e as maiores para uma refeição rápida.

O modo de gestão e controle do trabalho nas centrais – para além da atuação dos supervisores – é geralmente feito por softwares, instalados nos computadores dos teleatendentes, que controlam a quantidade de ligações atendidas em um dia, e, também, a duração do tempo de atendimento, sendo essa quantidade e duração das ligações previamente estabelecidas por metas. Há também metas de qualidade do atendimento estabelecidas para os teleoperadores, e que são monitoradas por escutas esporádicas de seus atendimentos.

O cumprimento de todas essas metas são necessários para que se possa obter a bonificação salarial, mais conhecida como a “variável”. O salário fixo dos trabalhadores em Call Centers fica em torno de 1 salário mínimo, podendo contar com a bonificação salarial, mediante cumprimento das metas, que, apesar da pressão para que sejam cumpridas, dificilmente são atingidas devido ao número de critérios a serem atendidos para que se bata a meta de fato.

Essas metas acabam sendo quase que exclusivamente um recurso para garantir os altos níveis de produtividade e intensidade do trabalho, muitas vezes às custas da saúde dos teleoperadores, que apresentam um elevado índice de adoecimento em decorrência do trabalho como: LER/Dort, transtornos de ansiedade, depressão, síndrome do pânico e doenças ligadas ao aparelho urinário, em função do pouco tempo destinados à ida ao banheiro.

ED - O setor de telemarketing tem crescido cada vez mais, e junto com esse crescimento também tem aumentado o número de denúncias sobre as condições de trabalho nessas empresas. Por que a expansão dessas empresas se dão com características notadamente precárias para os seus trabalhadores?

Bruna P. Martinelli - A expansão do setor do telemarketing se dá por uma confluência de fatores, e concomitante ao crescimento do setor de serviços no geral. É importante lembrar que os Call Centers surgem no Brasil por volta dos anos 1990, quando ocorre a privatização da telefonia no país, e o processo de terceirização de setores da indústria se intensificavam como um fenômeno da reestruturação produtiva, em resposta à crise do período taylorista-fordista do final dos anos 1970. Com a terceirização e a privatização de serviços antes públicos, como o caso da telefonia, é possível transformar certas atividades, como os Call Centers, os serviços de limpeza, manutenção, entre outros, em empresas, isto é, em setores passíveis de contribuir com a acumulação de capital. Não é à toa que observamos nas últimas décadas uma expansão dos serviços.

Os Call Centers surgem em um momento que também é marcado por uma ofensiva das políticas neoliberais, que implicaram, entre outros, na desregulamentação de direitos do trabalho previamente estabelecidos (por exemplo: fim dos contratos de trabalho por tempo indeterminado, carteira assinada, entre outros). Nesse momento, também observava-se uma tendência à financeirização da economia, estabelecendo-se uma demanda por liquidez de diversos setores da economia, fato que também impõe novos ritmos de produtividade às empresas, uma vez que muitas transformaram-se em S/As, colocando parte de seu capital no mercado de ações, fazendo com que tenham que atuar de modo a responder às flutuações desse. Por exemplo, a Atento, uma das maiores empresas de Call Centers do mundo, é uma S/A e em 2012 contava com cerca de 75 bilhões de ativos em um fundo de investimento privado americano.

Assim, é em função desse conjunto de fatores, quais sejam: reestruturação produtiva, privatizações, terceirização, financeirização e ofensiva das políticas neoliberais, que todo o mundo do trabalho passa por um intenso processo de precarização, e os call centers, surgindo enquanto atividade dentro dessa conjuntura econômica e política, já nasce como uma atividade precária, assumindo os contornos mais degradantes impostos ao mundo do trabalho naquele momento.

ED - Como você mostrou em sua pesquisa, uma das características do telemarketing é a presença marcante de mulheres empregadas nesse setor. Como entender a relação entre as condições de trabalho e essa presença feminina?

Bruna P. Martinelli - O grande número de mulheres empregadas nos call centers está ligado principalmente à jornada de trabalho de 6h20, o que possibilita à essas mulheres trabalharem fora de casa, também tendo tempo para realizar os trabalhos referentes à esfera doméstica que ainda recaem sob a sua responsabilidade, em decorrência das desigualdades de gênero impostas pela nossa sociedade patriarcal. Fazendo com que, assim, essas mulheres acabem assumindo uma dupla jornada de trabalho: paga e precária na esfera produtiva, não paga e desigual na esfera reprodutiva/doméstica.

Outro fator atribuído ao emprego das mulheres nesse setor, diz respeito às qualidades socialmente construídas enquanto femininas, como a paciência, simpatia e “jogo de cintura”, elegidas pelos recursos humanos dos call centers como as características necessárias para lidar com os clientes no teleatendimento, sendo assim as mulheres “naturalmente” seriam capacitadas para esse tipo de atividade. Elencar atributos socialmente construídos enquanto femininos como um fator de qualificação da mulher para esse tipo de atividade caracteriza um traço de precarização especifica do trabalho feminino, na medida em que desqualifica a sua força de trabalho, não levando em conta sua qualificação profissional. A noção de que o trabalho doméstico desempenhado pela mulher teria primazia sob o trabalho realizado na esfera produtiva – ou seja, como se o lugar da mulher por excelência fosse o da esfera doméstica – bem como seu emprego justificado por atributos tácitos, contribui para seus baixos salários, uma vez que esse passa a ganhar um caráter de complementariedade da renda familiar, de “ajuda à família”, como se a mulher não pudesse prescindir da família, e ser encarada como um sujeito autônomo e independente.

É também possível identificar nos call centers um grande número de gays, lésbicas e transexuais. O emprego desses grupos no setor estaria vinculado, assim como no caso das mulheres, à atributos tácitos, como a noção de que são “naturalmente” comunicativxs, criativxs, expansivxs, estando assim capacitadxs ao trato com os clientes, e, também, ao fato de estarem “protegidxs” por trás de um telefone, o que minimizaria os impactos dos preconceitos que geralmente sofrem em contatos pessoais.
As consequências disso, assim como no caso das mulheres, é a desqualificação da força de trabalho desses grupos. Outra razão apontada pelo departamento de recursos humanos para o emprego desses grupos nos call centers estaria vinculada ao fato de que são muito comprometidxs à empresa, apresentando um alto nível de produtividade e cumprimento das metas. Isso, possivelmente, em função do preconceito e descriminação que ainda sofrem em nossa sociedade, dificultando sua inserção no universo empresarial, ou em empregos formais, fazendo com que quando tenham essa oportunidade, ainda que em empregos precários como os call centers, deem tudo de si.

Sobre isso pode ser interessante lembrarmos que em decorrência das várias formas pelas quais a precarização aparece expressa no trabalho do teleatendimento (intensidade do ritmo de trabalho, controle, jornada por tempo parcial, baixos salários, gestão por metas, alto índice de adoecimento, e etc.), a rotatividade do setor se mantém elevada. Porém, os níveis de produtividade se mantém e são garantidos, justamente pelo grande número de força de trabalho disponível e, de certa forma, “forçada” a se empregar no setor, como um meio de se inserirem em um emprego formal. Tendo isso em vista, quais parcelas da população estariam “disponíveis” e “inclinadas” a se empregarem em setores precários, como o do call centers, se não as que já se encontram em condições sociais tão precárias quanto? A partir do que falamos sobre as condições das mulheres, dos gays, lésbicas e transexuais em nossa sociedade, parece ficar mais claro o porquê da prevalência desses grupos no emprego em call centers.

ED - Outra questão levantada nas denúncias que recebemos é sobre a dificuldade de representação e organização sindical. Mas, mesmo diante dessa dificuldade, como essas trabalhadoras estão fazendo para tentar resistir e lutar contra para melhorar as condições de trabalho?

Bruna P. Martinelli - A questão da representação e organização sindical no setor é realmente complexa. Isso porquê em função da alta rotatividade do setor, os sindicatos que atuam em alguns call centers alegam dificuldade em realizar um trabalho de base com esses trabalhadores, e também dizem não sentir interesse dos trabalhadores quanto ao movimento sindical, pois a maioria não possui experiência sindical prévia. A falta de interesse pelo movimento sindical por parte dos trabalhadores não parece ser totalmente verdade, nas entrevistas que realizei com alguns teleoperadores, a maioria demonstrava vontade em querer saber mais sobre o universo sindical e as suas possibilidades de luta e atuação junto aos sindicatos, porém não sabiam direito como fazer isso. A questão da gestão por metas, individuais e coletivas, nos call centers, a perseguição dos poucos trabalhadores sindicalizados e a ameaça de demissão aos que estão “mais presos” àquele trabalho ( por exemplo: mulheres com filhos, e/ou com idade mais avançada, e/ou com pouca qualificação para entrada no mercado de trabalho formal; gays, lésbicas e trans com baixa qualificação) também dificulta a construção de uma solidariedade entre esses trabalhadores na medida em que cria um clima de individualização, competição e supervisão de um pelos outros. Assim, como o rígido controle do tempo de trabalho nos call centers, dificulta o diálogo e a interação dos trabalhadores no espaço de trabalho para que possam construir possíveis laços de solidariedade.

Porém, mesmo diante desse cenário de adversidades, é possível ver algumas greves realizadas no setor, como as organizadas pelo SINTRATEL em alguns call centers de São Paulo-SP e Campinas-SP. Para além da alta rotatividade desse setor, pensar a organização da luta por melhores condições de trabalho junto aos teleoperadores, e não só, é uma tarefa de extrema importância. Isso na medida em que um grande contingente da força de trabalho feminina, LGBT e sobretudo jovem do nosso país ingressa no mercado de trabalho via telemarketing, e, futuramente, poderão compor outros setores dos serviços, da indústria, entre outros ramos, levando com eles, assim, as experiências políticas adquiridas nesse setor. É importante lembrar que os call centers é um dos setores que mais emprega dentro dos serviços e do setor privado no país, e tem um papel importante nos tempos da acumulação flexível realizando a mediação entre as esferas produtiva e de consumo, o que reforça a necessidade de organização sindical, e sobretudo política, dessa fração da classe trabalhadora.

 
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