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TEORIA CRÍTICA
A crítica do progresso pela Escola de Frankfurt
Mateus Pinho

Escrito para uma conferência de 1962 e publicado em 1969, Progresso, de Theodor Adorno, é o principal momento onde um pensador da Escola de Frankfurt vai se deter especificamente sobre o tema do progresso. Porém, podemos dizer que o progresso, ou melhor, a crítica sobre concepções de progresso, é um tema que perpassa toda a elaboração da Teoria Crítica. É o eixo condutor das reflexões de Adorno sobre as modificações do capitalismo, o desenvolvimento técnico e a organização da sociedade.

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Essa conferência de Adorno foi realizada no Congresso Filosófico de Munster, e posteriormente publicada em Argumentationen, Festschrift fur Josef Konig, em que Adorno expôs quatro palestras que tinham a conferência como base, além do texto Sobre estática e dinâmica como categorias sociológicas, para detalhar sua apropriação dialética do tema do progresso. Esse material foi reunido em Zur Lehre von der Geschichte und von der Freheit, de 1965, e se tornou parte da base de composição da obra Dialética Negativa (1966), um acerto de contas com a filosofia da história, isso é, uma crítica da história universal.

Isso deve ser lido em Adorno como um diálogo aberto com Walter Benjamin, que anteriormente havia escrito suas teses Sobre o Conceito de História (1938). Dentro do grupo da chamada Teoria Crítica, da qual participou de maneira mais ampla, Benjamin foi o primeiro a questionar a ideologia do progresso. Adorno manteria, assim, o rumo das posições gerais levantadas por Benjamin em relação ao conceito de progresso, apesar de nuances posteriores.

Nas teses, Benjamin vai criticar os postulados teóricos que identificam o passar determinado, inerente, do desenvolvimento histórico e transformam, assim, a história das sociedades em algo estático, sem dinamicidade. As teorias positivistas e deterministas influenciaram a esquerda europeia do início do século XX, e as impediram de compreender o fascismo ascendente na década de trinta. Benjamin, por sua vez, reafirmando uma teoria materialista da história, onde o “estado de exceção” é permanente pela própria exploração de classe, concluirá que as sociedades estão subordinadas às regressões e às derrotas históricas, como o fascismo, sem que isso seja uma exceção em meio à “tendência de avanço” da humanidade, mas parte de suas contradições históricas diante do capitalismo.

Neste sentido, podemos encontrar na conferência de Adorno sobre o progresso uma elucidação convergente com Benjamin, da crítica à concepção do modelo histórico universal, da história como sequência de fatores lineares, “positivos”, em uma expressão de temporalidade marcada pelo que Benjamin vai chamar tempo homogêneo e vazio.

Adorno não busca esboçar uma definição absoluta do conceito de progresso, pois não caberia se limitar a conceptualização totalizante e hermética, que poderiam delinear uma compreensão fechada sobre o tema. Suas principais conceptualizações decorrem do que está ao redor do tema progresso, e não apenas em seu significado. Como encara o progresso também como ideologia, como em toda imagem ideológica o conceito mostra muito de si naquilo que esconde. A proposta de Adorno tampouco pensa de forma ontológica a ascensão ou o declínio da sociedade, mas sim, sugere uma análise que aponte as origens das dualidades e dos reveses históricos provocados pelo próprio princípio do progresso, sua própria contradição dinâmica e intrínseca.

A contradição do progresso e seu duplo caráter em Adorno

O progresso como conceito habitante de lugar comum na sociedade tende ao significado de avanço, ou movimento de progressão. A ideia fundamental do senso comum sobre progresso está baseada na concepção de temporalidade cristã, com o tempo linear fluindo em direção ao fim pré-estabelecido. Na ideologia corrente sobre progresso, o desenvolvimento da técnica é o principal parâmetro para “medir o progresso”. Mesmo os que se rebelam contra o progresso, apontando na sociedade os “males trazidos pelo progresso”, não deixam de negar que “há progresso”, que algo progride, no caso, a história.

Na segunda metade do século XIX, essa noção positivista de progresso, filha do iluminismo burguês, chega ao seu auge, e se torna universalmente aceita. O otimismo romântico é acompanhado pela crença na razão e no poder dos homens, onde a ciência e a tecnologia parecem sustentar a promessa de avanços ilimitados. A belle époque dá o tom de desenvolvimento que vai contagiar a sociedade ocidental. Marx pareceu estar blindado ao otimismo no progresso, e vai apontar-lhe suas primeiras críticas, de que o homem estaria cada vez mais se tornando um subproduto das próprias riquezas descobertas, fetichizando a mercadoria que produz, uma característica da sociedade capitalista e sua contradição entre as forças produtivas e as relações de produção.

Com a eclosão de duas guerras mundiais no século XX, Adorno e Benjamin também já não tinham motivos para caírem nas “ilusões progressistas” do final do século anterior, e buscavam agora responder ao que toda a sociedade se perguntava, isso é, como podia a humanidade mesmo com “tanto progresso”, chegar a uma situação como a guerra e o nazi-fascismo? Essa é a gênese objetiva fundamental para a crítica do conceito comum de progresso na primeira metade do século XX.

Para Adorno, o perigo do conceito de progresso reside na ideia equivocada de designar que as coisas devem necessariamente caminhar para um desenvolvimento específico, independente da cultura em que se localiza e sem retrocessos históricos. Ou seja, um progresso universal, presente no interior da própria história, que faz parte dela.

Adorno parte da visão agostiniana de redenção, e caminha até a concepção burguesa de progresso. Em Agostinho, Adorno vai identificar um desenvolvimento dúbio, expresso na história terrestre, e outro no âmbito da eternidade, num plano supra histórico e transcendente. Neste sentido, progresso adquire dois significados contraditórios por si, um que diz respeito à evolução imanente ao desenvolvimento histórico terrestre e outro que diz respeito ao mundo celeste, mais precisamente, ao juízo final e à redenção.

Esses dois significados, da “cidade dos homens” e da “cidade dos deuses”, estão em tensão em Agostinho, como também estarão em Benjamin, e é justamente dessa tensão que Adorno vai identificar a dialética no progresso. Diferente de Agostinho, o objetivo de Benjamin era inverter a visão da história, que se consolida na filosofia hegeliana, onde Hegel vai legitimar cada catástrofe da história humana como uma etapa inevitável do desenvolvimento social, como etapa necessária à marcha triunfal da Razão – “o verdadeiro resultado da história universal”, a “realização do Espírito universal”. Desmistificar isso seria desmistificar o progresso e o desenvolvimento da história universal.

Para isso, Adorno adota uma visão crítica de Kant, que em seu projeto cosmopolita de uma doutrina do progresso, se vincula diretamente a uma “ideia de homem”, uma humanidade genérica, onde seria possível projetar sua própria redenção e traçar o caminho até ela, de maneira que cada capítulo da história universal fosse mais um passo em direção à transcendência divina. Adorno irá encarar o progresso como parte constituinte da humanidade, e não com uma “humanidade acabada”, totalizadora, como fez Kant. Para Adorno:

Redenção e história não existem uma sem a outra nem existem uma na outra, mas sim numa tensão cuja energia acumulada finalmente não quer menos do que a supressão do mundo histórico mesmo (ADORNO, 1992: 221)

Com isso, Adorno supera a dualidade de sujeitos expressa em Agostinho, um terrestre e outro divino totalizador. Na mesma humanidade, Adorno vai identificar o processo do desenvolvimento terrestre e o da redenção, onde o progresso, quando alcançado, significaria seu próprio fim epistemológico. Porém, ambos os sentidos de progresso, contraditórias de uma mesma dialética da história, estão cobertos pelo véu da ideologia burguesa.

Primeiro, é preciso entender o desenvolvimento da técnica em Adorno, e para isso é exemplar o caso do navio Titanic, “símbolo de progresso”, onde seu próprio acidente nas geleiras desenvolveu a técnica para que não houvessem próximos acidentes deste tipo. Ou seja, foi seu acidente, e não seu triunfo, que trouxe o “progresso” da técnica marítima. Desta forma,

Os desastres provocados pelo progresso sempre serão afinal remediáveis pelas próprias forças deste e jamais pela restauração da situação anterior, que era vítima
desse nexo (ADORNO, 1992: 229)

Nesta relação de avanços e retrocessos históricos, Adorno aprimora então uma “dialética negativa” do progresso, ou seja, nega suas premissas para possibilitar sua compreensão. Para Adorno, a burguesia quando classe revolucionária ascendente, colocando abaixo o regime feudal e criando as bases de sua própria dominação, dizia trazer - e trouxe - uma breve síntese de progresso. Porém, passada à classe dominante, a bandeira do progresso degenerou-se em ideologia em suas mãos. A síntese rapidamente volta ao processo dialético aberto por ela. O progresso nas mãos da burguesia como classe dominante passou a servir de ilusão reacionária sobre o desenvolvimento da história, e também da técnica.

A “dialética do esclarecimento” da Escola de Frankfurt buscava demonstrar como o desenvolvimento da técnica, da razão e da ciência resultou no nazismo. Mas, neste sentido, Adorno vai ser mais cuidadoso que Benjamin, por conta das circunstâncias que se encontravam. Benjamin escreve na iminência da guerra e descarrega toda sua “fúria” sobre o desenvolvimento da técnica e o progresso. Mas Adorno, já no pós-guerra, vai ressaltar que apenas com o prévio desenvolvimento da técnica, que permitiu a produção de excedente no capitalismo, é que se torna possível o progresso e sua supressão, apesar de não compactuar, com isso, com os positivistas que acreditam no desenvolvimento da técnica como puro remédio para as questões de ordem moral e social.

Para a fundamentação deste primeiro caráter do progresso, como mito e ideologia nas mãos da classe dominante, a sociedade burguesa não pode permitir que o próprio conceito que sustenta de progresso seja concebido, realizado, pois mantém a desigualdade e a injustiça que o progresso viria a transcender. A própria promessa de transcendência, advinda da lógica cristã, se desfaria com o fim da desigualdade, afinal, numa troca entre iguais, a própria ideia de progresso desapareceria. Quando a humanidade se encontrar como totalidade, emancipada, não há “para onde progredir”, se desfaz o mito e com ele o conceito do progresso. Nisso, segundo Adorno, a burguesia passou a contabilizar cada “oportunidade perdida” como “realização”, e com o advento do imperialismo passa a fraudar a negatividade, atribuindo-lhe substância, fortalecendo as ilusões das massas no progresso e sua inevitabilidade.

O outro lado do caráter dúbio de progresso reside em negar sua negação. A partir de um sujeito coletivo consciente de si, Adorno vê a realização da análise de Benjamin no que diz respeito ao “salto dialético” da humanidade em superar sua pré-história.

Dessa forma, nem Benjamin, nem Adorno, negam o conceito de progresso enquanto salto histórico, o negam enquanto ideologia. É justamente desses saltos dialéticos que os autores pensam o desenvolvimento da história, não de maneira linear e contínua, “progressista”, mas numa dinâmica espiral que inclui regressões, assim como
possibilidades de emancipação do homem através de rompimentos históricos.

A reificação do progresso reforça seu caráter ilusório e nega o desenvolvimento dialético da história. É o fetiche da história universal que sustenta o mito do progresso. Nesse fetiche, a história ganha “vida própria”, um ser animado de “alma progressista”, com um caminhar inerente através da sucessão de fatos encadeados. Esse pensamento idealista retira da história a dialética da própria luta de classes, e pressupõe uma “humanidade pronta”, genérica, que não é forjada pelos próprios processos históricos.

O progressismo reacionário da socialdemocracia

No contexto em que a primeira guerra mundial desiludiu os fanáticos do progresso, os que se diziam marxistas capitularam à ideologia burguesa. A política da socialdemocracia encontra seu fim no reformismo nacionalista, quando em 1914 votam os créditos de guerra na Alemanha. Esse episódio marca a falência da segunda Internacional, que havia se degenerado nos parlamentos burgueses ao apoiar a guerra imperialista. Por conta disso, Walter Benjamin vai se deter sobre a questão do progresso em oposição direta a socialdemocracia corrompida, mas também, enquanto Benjamin se colocava como oposição ferrenha ao pacto de paz entre Hitler e Stalin, sua crítica recai nos dirigentes da terceira Internacional, cujo falso materialismo histórico não romperia com a ideia de que o progresso técnico e o desenvolvimento das forças produtivas conduziriam necessariamente à revolução socialista.

As teses de Benjamin tinham a intenção de promover uma ruptura entre a perspectiva dialética própria da Teoria Crítica e as perspectivas positivistas, que eram base fundamental das correntes do evolucionismo socialdemocrata e do historicismo conservador. Para consolidar essa ruptura, Benjamin vai propor a necessidade de se retomar a teologia em busca do sentido da rememoração e da redenção messiânica.
Suas teses introduzem o conceito de redenção como rememoração das vítimas exploradas no passado, a contemplação de suas injustiças, mas também como reparação de seu sofrimento. Para isso, o sujeito da redenção não se trata de uma figura divina messiânica, como na gênese do pensamento cristão, mas da própria coletividade dos humanos explorados. Dessa forma, o marxismo seria justamente a memória dos povos oprimidos diante de suas próprias lutas, o resgatador do fio condutor de sua história. Segundo Michel Lowy, em comentário sobre as teses de Benjamin:

O marxismo não tem sentido se não for também o herdeiro e o executante testamentário de vários séculos de lutas e de sonhos de emancipação.(LOWY, 2005: 57)

Em suas teses, Benjamin vai ser implacável na crítica ao progresso da socialdemocracia e também da historiografia burguesa. Anteriormente, na obra Eduard Fuchs, colecionador e historiador, de 1937, o autor inicia as bases deste debate. Fuchs foi um jornalista crítico de arte e militante do partido socialdemocrata alemão, em quem Benjamin vai reconhecer uma ruptura com o determinismo em favor do materialismo na crítica da arte, um “pioneiro da teoria marxista da arte”. Porém, é no âmbito da “história da cultura” que Benjamin vai identificar as influências da socialdemocracia em Fuchs, onde a confiança no “progresso histórico” colocava em segundo plano o trabalho de orientação materialista no terreno da cultura:
“Fuchs sempre esteve distante do revisionismo; o seu instinto político, a sua natureza marcial, levaram-no para a ala esquerda do partido. Mas enquanto teórico não escapou àquelas influências, que se sentem por toda parte na sua obra” (BENJAMIN, 2012:123)

Essas influências vindas do partido alemão tinham origem no debate positivista da ciência e da história. O SPD (Sozialdemokratische Partei Deutschlands) tinha apreço pelas “ciências da natureza” em detrimento das “ciências do espírito” (ou humanas). Isso acarreta uma visão positivista da história da cultura em Fuchs, onde essa estaria separada da história das sociedades. A compreensão positivista do progresso da técnica é míope, pois não vê nada mais que o próprio desenvolvimento da tecnologia, das forças de produção, ignorando as relações de produção e seu desenvolvimento social, político, “espiritual”, psicológico, etc. Seu desenvolvimento histórico. Neste sentido, Benjamin vai dizer:

“É preciso não esquecer que a técnica não é pura manifestação das ciências da natureza, é também uma manifestação histórica. Enquanto tal, ela obriga-nos a testar a separação positivista e não dialética que se tentou instituir entre as ciências da natureza e as ‘ciências do espírito’. As questões que a humanidade coloca à natureza são co-determinadas pelo estágio da sua produção. É esse o ponto em que o positivismo fracassa, porque, na evolução da técnica, só foi capaz de reconhecer os progressos da técnica, não os retrocessos da sociedade. Mas não se apercebeu de que essa evolução foi decisivamente determinada pelo capitalismo. E também aos positivistas entre os teóricos socialdemocratas escapou o fato de que tal evolução tornou cada vez mais precário o ato, que se revelava cada vez mais urgente, de uma futura tomada de posse dessa técnica pelo proletariado. E ignoram o lado destrutivo desses desenvolvimentos porque se tinham aliado ao lado destrutivo da dialética” (BENJAMIN, 2012:133)

Benjamin acreditava que o materialista histórico tinha o dever de romper com o historicismo, do fato enquanto produto direto de um fato antecedente. Essa ruptura se dá de maneira militante, resgatando em sua práxis as ligações do passado com o presente. Buscando fios de continuidade, que mesmo que submersos por muito tempo no desenrolar da história, quando ressurgem, devem ser encarados em direta ligação com o passado. Um presente voltado ao passado, para compreensão e superação do atual estágio. Neste sentido, Benjamin propõe uma ciência da história que seja materialista dialética:

“uma ciência histórica cujo objeto não é constituído por um novelo de pura facticidade, mas por um conjunto de determinados fios que representam a penetração de um passado na textura do presente. Mas seria errado fazer equivaler essa penetração a um mero nexo causal. Trata-se de uma intervenção dialética, podem até ter-se perdido durante séculos alguns desses fios, e o processo histórico da atualidade retoma-os de forma imperceptível e súbita. O objeto histórico que foi retirado à esfera da pura facticidade não precisa de ‘homenagem celebratória’, porque não oferece vagas analogias com a atualidade, mas constitui-se na exata tarefa dialética que tem de resolver” (BENJAMIN, 2012:138)

Benjamin resgata Friedrich Engels, quando este contesta o desenvolvimento da história de maneira independente da filosofia. Engels vai criticar a ideia evolucionista do próprio conhecimento como encadeamento e reações aos pensamentos e escolas anteriores a este, ou o conhecimento como fruto sagrado, nascido em separado da vida social e de suas formas de reprodução econômicas e espirituais.

Benjamin vai defender que as visões otimistas de forma inabalável, que cultuam o progresso, são linhas deterministas provenientes do evolucionismo, e no qual se insere a socialdemocracia. O culto ao progresso (científico, técnico) não trouxe benefícios ao proletariado, pelo contrário, lhe trouxe mais desemprego, alienação, exploração e miséria. O desenrolar da história, aliado ao desenvolvimento da técnica, não é necessariamente progressista, como pensa a socialdemocracia até os dias de hoje, e na qual, parte do marxismo contemporâneo permanece embebecido desse evolucionismo em sua teoria da história, cujo desembocar remete a uma inevitabilidade quase natural do socialismo.

Nesta concepção evolucionista e positivista da história, a burguesia encontra justificativas para suas vitórias a partir da operação de alguma lei determinista, representando o passado “exatamente como ele foi”, através dos vencedores da história, as classes dominantes. E mesmo a socialdemocracia encontra justificativas para argumentar a imaturidade das condições objetivas para a emancipação social e o ainda necessário desenvolvimento das forças produtivas para a revolução. Essa concepção tira o homem de sua história, inverte o sentido do progresso, ao torná-lo intrínseco à história universal de uma humanidade já constituída como tal, fetichizando a própria história.

O pensamento de Adorno se complementa com as teses de Benjamin numa dialética da história que a concebe não como algo acabado, constituído de uma sucessão de fatores encadeados, mas como uma totalidade, preenchida de avanços e regressos históricos, que da história fazem parte e a constituem, sendo a história justamente essa síntese de processos contraditórios, com energia acumulada na tensão do desenvolvimento histórico que pode explodir em rupturas diversas. A humanidade não pode ser o ponto de partida do progresso, mas seu ponto de chegada, já que o conceito de humanidade ainda não está terminado, adquire o caráter de algo que ainda virá, algo que será uma totalidade sem restrições. Diferente do que se chamou de humanidade até hoje, pois essa não se constituiu em uma totalidade enquanto esteve dividida em classes.

Por conta disso, Benjamin propõe que é necessário distinguir o progresso dos conhecimentos, do progresso da humanidade enquanto tal; que o progresso da humanidade não se dá pelo aperfeiçoamento gradual e infinito da técnica, mas pela luta de classes com rupturas radicais: o fim da história milenar de opressão. A ideia de um progresso continuo apenas fortalece a dominação. E para Benjamin, o “tempo-atual” (jetztzeit) é o material revolucionário que explode o contínuo da história.

Segundo Lowy:

“O Jetztzeit (tempo-atual) resume todos os momentos messiânicos do passado, toda a tradição dos oprimidos é concentrada, como uma força redentora, no momento presente, o do historiador – ou o do revolucionário” (LOWY, 2005: 138-139)

Dessa forma, a revolução em Benjamin é apresentada como um salto de tigre em direção ao passado, resgatando a herança dos oprimidos e se alimentando dela. O autor acredita que esse salto só pode ser feito por um sujeito consciente de si, assim como Adorno vê, que é a revolução do proletariado, que trará a emancipação do homem.

Na belíssima passagem clássica de Benjamin da tese IX, imensamente conhecida e citada, a totalidade se coloca como “catástrofe única”, e o mito do progresso como “tempestade”, que impede o pulo ao passado, esse salto histórico da emancipação humana que colocará fim à sua pré-história:

“Há um quadro de Klee que se chama Angelus Novus. Representa um anjo que parece querer afastar-se de algo que ele encara fixamente. Seus olhos estão escancarados, sua boca dilatada, suas asas abertas. O anjo da história deve ter esse aspecto. Seu rosto está dirigido para o passado. Onde nós vemos uma cadeia de acontecimentos, ele vê uma catástrofe única, que acumula incansavelmente ruína sobre ruína e as dispersa a nossos pés. Ele gostaria de deter-se para acordar os mortos e juntar os fragmentos. Mas uma tempestade sopra do paraíso e prende-se em suas asas com tanta força que ele não pode mais fechá-las. Essa tempestade o impele irresistivelmente para o futuro, ao qual ele vira as costas, enquanto o amontoado de ruínas cresce até o céu. Essa tempestade é o que chamamos progresso.” (LOWY, 2005: 87)

Bibliografia:
ADORNO, Theodor. “Progresso”. In: revista Lua Nova, n. 27. São Paulo, CEDEC, 1992
LOWY, Michel. Walter Benjamin: aviso de incêndio. São Paulo: Boitempo, 2005.
BENJAMIN, Walter. “Eduard Fuchs, colecionador e historiador”. In: O anjo da história. Belo Horizonte, Autêntica, 2012.

 
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