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TRIBUNA ABERTA
Reflexões sobre a velhice no capitalismo
Regina Amélio

A fim de construir e solidificar a imagem do velho-estorvo, os representantes do poder capitalista tratam de construir esteriótipos negativos desses indivíduos que deixaram de fazer parte da mão de obra barata, que o sistema capitalista explora para se manter.

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Meu pai viveu 84 anos ou seja, morreu velho. Um bom e forte velho, que minutos antes de ser acometido por um AVC hemorrágico teve forças de espantar do quarto uma lagartixa que assombrava minha mãe. Ao se aposentar, sim ele conseguiu fruir desse direto, ameaçado de extinção pelo governo golpista, procurou preencher seu tempo com atividades, que o fizessem se sentir útil, necessário e produtivo, como aprendeu que deve ser o macho provedor. Lembro-me de que uma dessas atividades era a de percorrer supermercados a fim de caçar ofertas, em busca de economia de centavos, prazer que eu, divertidamente, cunhei de diletantismo econômico. Sempre que podia acompanhava-o nessas jornadas, das quais voltávamos orgulhosos de nossa esperteza.

Mas algo nessas incursões sempre me incomodou e certamente, apesar de inconfesso, incomodava a ele também, que era um homem de boa formação escolar e cultural. Invariavelmente, na hora de pagar as compras, as funcionárias dos caixas dirigiram-se a meu pai com gracejos infantis como: que gracinha, que bonitinho...como se a velhice que carregamos no corpo pudesse ser confundida com incapacidade cognitiva.

Conto isso com o intuito de introduzir o tema da velhice nos espaços de discussão revolucionária, para que reflitamos sobre os papéis e direitos reservados à velhice na sociedade que queremos construir. Enquanto o senso comum, aqui representado pelas moças do supermercado, encara a velhice com piedade reducionista, a superestrutura do pensamento capitalista, responsável direta pela primeira observação, tem no velho a representação do indivíduo-estorvo, que dispende capital, cuidado e tempo, aquele que deixou de ter capacidade produtiva para o sacrossanto mercado, passando a ser um peso carregado e financiado por um Estado desinteressado em questões éticas e morais. A fim de construir e solidificar a imagem do velho-estorvo, os representantes do poder capitalista tratam de construir esteriótipos negativos desses indivíduos que deixaram de fazer parte da mão de obra barata, que o sistema capitalista explora para se manter.

Os danos causados pelo o que acima vai refletido são terríveis - aqui restringindo-me à questão da saúde mental, à autoestima e à construção identitária das pessoas que não são mais jovens. De um lado, a família espera desses indivíduos o enquadramento estereotipado, esperando que seus velhos se contentem em satisfazer os desejos dos filhos e netos. Por outro lado, as migalhas e o maltrato oferecidos pelo Estado às pessoas com mais de 60 anos, tendem a desconstruir qualquer capacidade de autovalorização por terem atingido a longevidade. A Sabedoria e a Experiência dos mais velhos torna-se obsoleta e desnecessária; não há interesse para saber como fizeram o mundo de seu tempo, tampouco vontade de compartilhar de suas longas narrativas, cheias de digressões.

Num recorte bastante restrito a que esse texto se propôs, tendendo sempre à questão identitária, quais seriam as propostas efetivas e humanizadoras dos movimentos revolucionários para essa parcela da população? Fica o questionamento.

 
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