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BLOCO DA ESQUERDA SOCIALISTA
Teses para o Seminário do Bloco da Esquerda Socialista de SP
Redação

Confira todas as teses da esquerda na íntegra para o Seminário por um Bloco de Esquerda Socialista, a se realizar em São Paulo, dias 12 e 13.

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Veja abaixo as contribuições dos diversos partidos e correntes que irão compor o "Seminário por um Bloco da Esquerda Socialista" sobre conjuntura nacional e reorganização da esquerda, a se realizar dias 12 e 13 de agosto, em São Paulo.

  •  Contribuição do Movimento Revolucionário de Trabalhadores (MRT)

    1 - As Olimpíadas, “conquistadas” em 2009 quando chamavam o Brasil de país potência, encontrou em 2016 um país em crise. Por mais que as Olimpíadas sejam um grande espetáculo montado para tentar mostrar uma imagem de um “país feliz, que funciona”, não conseguem esconder o descontentamento social dos muitos que protestaram contra a tocha, que denunciam o trabalho precário nas arenas olímpicas, os bilhões gastos nas obras faraônicas enquanto falta saúde e educação, nem conseguem esconder que tomam medidas repressivas seja nas escutas e monitoramento de pessoas e proibindo manifestações nos estádios. Ensaiam nestes jogos as bases e testam a aceitação, para o que pode se voltar contra os trabalhadores, em luta contra os ataques, privatizações que já implementam e se preparam para aprofundar.
    Frente aos olhos de um número crescente de pessoas os objetivos dos golpistas vão ficando claros, com a preparação de medidas antipopulares. Ao mesmo tempo, milhares vêm como essas medidas de Temer e seus ataques repressivos são continuidade, e não uma ruptura, com o que fazia Dilma e o PT, contudo com maior intensidade pós golpe institucional que fortaleceu os setores mais autoritários e da direita. O descrédito de Temer não significa um fortalecimento do PT. O país vive uma importante crise orgânica que se aprofundou a partir do golpe institucional que levou Michel Temer à presidência.
    Por crise orgânica entendemos que se trata de uma crise política, econômica e social, que também se expressa na falta de representatividade e de legitimidade da classe dominante e dos seus partidos tradicionais. Em meio a essa situação a resistência pela luta de classes, no entanto, ainda não consegue cumprir um papel determinante. Apesar de haverem algumas greves, graças às suas direções, sobretudo ao imobilismo das grandes centrais sindicais como a CUT e a CTB, essas greves não conseguiram se unificar e atingir patamares políticos para impedir o golpe institucional e os diversos ataques patronais em meio ao aumento do desemprego, fechamento de fábricas e precarização das condições de trabalho e vida.
    O dia 16 de agosto não está sendo construído ativa e democraticamente nos locais de trabalho para que a classe trabalhadora possa com sua força impedir a privatização da Petrobras, as reformas trabalhista e previdenciária e vários outros ataques anunciados. Uma tarefa de primeira ordem da esquerda socialista, que se opõe aos golpistas e também à aceitação do golpe por parte do PT para manter sua histórica conciliação de interesses com a burguesia enquanto se prepara passivamente para 2018, é organizar a exigência a que os sindicatos, a CUT, a CTB construam ativamente um plano de lutas à altura do ataque. Para isso também é fundamental que os movimentos sociais críticos ao PT, como o MTST, se somem à esquerda socialista nessa exigência.
    Além de exigir das grandes centrais sindicais burocráticas uma organização verdadeira da classe trabalhadora para resistir às demissões, defender os salários frente à inflação, defender as empresas da privatização e todos ataques planejados, é outra tarefa de primeira ordem da esquerda socialista mostrar na luta de classes uma posição independente, como ela não só tem bandeiras diferentes da burocracia sindical como mostra na prática que procura desenvolver forças reais para se enfrentar com os ataques e o governo golpista. É possível organizar respostas unitárias da esquerda e sindicatos combativos e independentes do PT ações nesse dia 16, como por exemplo o piquete no portão da USP votado pelo Sindicato dos Trabalhadores da USP.
    O recuo frente à extinção do MinC, entre outras medidas, mostram como é possível derrotar Temer. Para isso é preciso articular a força da classe trabalhadora, da juventude e dos setores oprimidos em torno de um programa contra os ataques que os trabalhadores sofrem nos locais de trabalho e todos ataques do governo golpista que possa dar corpo a um verdadeiro movimento que possa trazer abaixo o governo golpista. Um movimento “fora Temer” por fora de organizar as forças da classe trabalhadora para se enfrentar com os ataques leva, na prática, a fortalecer posições do PT em preparação a 2018.

    2- Nas ruas, nas redes sociais, nas escolas se desenvolve um importante processo de questionamento aos ataques da direita golpista como o “Escola sem Partido” e à realidade de um país campeão em crimes machistas e LGBTfóbicos, o que não mudou em mais de 13 anos de governo do PT. A juventude ocupou escolas de norte a sul do país em defesa da educação, e muitas mulheres, sobretudo jovens tomaram as ruas na chamada “primavera feminista”. É importante que a esquerda socialista consiga contribuir no desenvolvimento desses movimentos e para que eles, tal como o movimento de mulheres, tire lições do governo Dilma e do PT. Que não basta uma mulher no poder, que é preciso desenvolver um combate intransigente à direita (todo o oposto do feito pelo PT) para assim avançar na luta pelo fim dos crimes LGBTfóbicos, pelo direito ao aborto, por iguais salários e pela liberdade sexual de todos.

    3- O golpe institucional foi um divisor de águas na esquerda, que em sua maioria não soube dar respostas à altura. Alguns se somaram no aplauso ao sequestro do voto popular por parlamentares reacionários e mobilizações de setores abastados da classe média detrás dos patos da FIESP. Outros limitaram-se a defender exatamente o mesmo que o PT, e furtaram-se a mostrar como o PT abriu espaço para a direita e não organizou, pela via dos milhares de sindicatos e organizações populares que influencia, a resistência aos golpistas e aos ajustes. O golpe também levou a um fortalecimento de instrumentos repressivos e arbitrários que o Estado brasileiro já utilizava nos morros e favelas, como as delações, prisões sem julgamento, escutas ilegais. Esses métodos, se voltarão contra a classe trabalhadora, por isso consideramos que se trata de uma posição de princípio se opor ao golpe institucional.
    A posição defendida por alguns setores de que a Lava Jato deveria ser levada até o final como forma de combate à corrupção, termina defendendo uma ação bonapartista de juízes que estão contra os interesses da classe trabalhadora e que inclusive se enriquecem com as delações. Já a defesa de que a Lava Jato e o golpe institucional seriam um avanço no sentido do “Fora Todos”, terminou colando organizações como o PSTU e a CST com a direita, ignorando que a ruptura com o PT por parte da classe trabalhadora deve se dar em chave anticapitalista. Ambas as posições não serviram para que a classe trabalhadora e a juventude irrompessem como sujeitos em meio à crise política. Portanto, propomos que esse Seminário debata profundamente uma posição de independência em relação à Lava Jato, ao “Partido Judiciário", e ao PT, que se concretize numa exigência às grandes centrais sindicais por um plano de lutas concreto em defesa do emprego, contra os ataques na previdência, as privatizações, em defesa da educação e saúde. E assim construir uma força que combata o golpe institucional a partir de fortalecer a luta contra os ajustes.
    A esquerda também poderia, se tiver a luta de classes como norte, colocar seus parlamentares e posições nos sindicatos e centros acadêmicos à serviço dessa luta. No período eleitoral que se abrirá, com a crise dos partidos da burguesia, é necessário desenvolver uma força anticapitalista que não se concilie com partidos burgueses, mesmo aqueles que adotam uma cara de centro-esquerda e “renovação”, mas sim usar do período eleitoral para dar voz as lutas, e as necessidades e anseios dos trabalhadores, da juventude, das mulheres, negros, LGBTs.
    Também é importante que nessas eleições a esquerda socialista desenvolve um questionamento comum a reforma política e tentativas de restringir o regime político, excluindo candidatos e partidos não somente de debates televisivos mas tendo como objetivo dificultar, ainda mais que os trabalhadores possam se organizar livremente e expressar suas posições e organizações no processo eleitoral.

    4- A crise de representatividade abre espaço para novas ideias. Esta abertura não se dá somente à esquerda, como vemos nos EUA com o fortalecimento não somente de Sanders, mas também de Trump. Para que essa abertura a novas ideias não leve ao fortalecimento da direita, ou do velho establishment como “mal menor” como quer Sanders apoiando Hillary, ou de novos reformismos que levam a conciliação com a velha esquerda implementadora do neoliberalismo como vemos com o Podemos espanhol, ou à implementação de todos ataques da Troika, como vimos com o Syriza grego, é preciso que a esquerda socialista tenha posicionamentos políticos e programáticos claros, que delimite quais os aliados e os adversários da classe trabalhadora, e quais os meios para fazer com que sua luta avance.

    5- Entendemos que esta clarificação política e programática pode ser feita a partir de um debate fraterno, que se expresse em blogs, textos, seminários, e desde já oferecemos o portal Esquerda Diário para esses debates. Também opinamos que conforme o possível a esquerda socialista pode e deve se organizar em blocos que fortaleçam posições de independência de classe, não somente com propostas imediatas como as que propomos relacionadas ao dia 16 de Agosto, mas também sobre quais respostas dar à crise política debatendo os fundamentos teóricos, programáticos e as posições que tem sido levantadas pelos diferentes setores da esquerda (eleições gerais, constituinte, entre outras) e também por avançar em posições políticas comuns no que for possível em relação às eleições de outubro.

    6- Em nossa opinião, a defesa de eleições antecipadas se apresenta como uma possibilidade de desvio e contenção da atual e novas crises políticas ou como campanha eleitoral de setores para as eleições de 2018. Sendo o resultado prático mais provável de uma propaganda de eleições gerais a relegitimação do regime e a construção de uma nova governabilidade sob os auspícios da direita tradicional, de algum novo populismo de direita, de Lula ou de Ciro Gomes. Uma renovação do pessoal político que cumpriria o papel de recauchutar as ilusões na democracia burguesa para avançar a política de ajustes, privatizações e reformas neoliberais.
    Se pudermos ter a força necessária de um movimento de massas que questione Temer e não queira a volta de Dilma nem de alguma outra alternativa ajustadora, a esquerda socialista deveria se dirigir a este movimento propondo não uma alternativa que pode levar a fortalecer o regime, mas a um questionamento mais profundo do mesmo. É nesse sentido que defendemos como resposta à crise política uma Assembleia Constituinte imposta pela força da mobilização que leve a questionar os privilégios dos políticos, a questionar todas instituições e possa ser uma plataforma na qual mostremos a amplos setores da classe trabalhadora que respostas dar a todos problemas do país, do emprego, à terra, a re-estatização das empresas privatizadas. Dessa forma, uma ferramenta para a ação comum com os setores da classe que mantêm ilusões na democracia burguesa, que permita combater essas ilusões e ampliar a influência das ideias revolucionárias.
    Entendemos a necessidade de junto a esse debate de qual saída dar à atual crise política que debatamos do ponto de vista teórico e programático a necessidade dos revolucionários e socialistas levantarem demandas democráticas como parte de preparar a classe trabalhadora em sua independência de classe e em sua organização.

    7- Diversos setores da esquerda têm postulado a necessidade de uma frente de esquerda, ou de blocos da esquerda socialista. Entendemos que para avançar em acordos é importante clarificarmos os diferentes objetivos e tipos de frente a constituir. Em nossa opinião, se for uma frente para a luta de classes, isto é, uma frente-única de distintas organizações para atuar nas greves e lutas que ocorrem, a chave é ver os pontos que nos unificam. Mas se a questão for conformar uma frente que avance em acordos políticos gerais, ou eleitorais, a questão do programa político passa a ser central. Nesse sentido, o primeiro passo para que isso se dê é que haja um debate político e programático em que se possa definir quais são os pontos que ordenam essa Frente, que em nossa opinião são os acima citados relativos ao golpe, ao judiciário e como organizar a luta contra os ajustes e ataques do governo golpista desde a independência de classe perante o PT e todas variações patronais que adotam discursos de centro-esquerda, como o PPL ou a Rede de Marina Silva, diferente do que propõe a maioria do PSOL e também o MES de Luciana Genro em Porto Alegre.

    8- Frente à crise do PT e continuidade da crise política no país estas eleições oferecem importantes possibilidades à esquerda socialista. Para que os resultados eleitorais condigam com um avanço na organização da classe trabalhadora com independência de classe é importante o debate e posicionamento em torno de diversas propostas de frente de esquerda que tem sido apresentadas. Em nosso entendimento, uma frente de esquerda deveria adotar não somente uma rigorosa independência de classe em seu financiamento perante os empresários (inclusive em forma de CPF e não só CNPJ) e um programa anticapitalista, mas um posicionamento político de independência em relação a todas variações políticas patronais que adotam um discurso de centro-esquerda, sejam elas na forma do golpismo aliado ao DEM do PPL ou nas multifacetadas posições políticas da REDE de Marina financiada pelo Itaú, Natura, e outros empresários.

    9 - Nesse sentido de independência de classe, tomamos o exemplo da Frente de Esquerda argentina, que se conformou em base a um programa claramente anticapitalista, com forte demarcação perante as saídas que se diziam de centro-esquerda e afirmando a independência de classe, e pôde ser uma referência para amplos setores de trabalhadores e jovens eleitoralmente. Unindo posições políticas e programáticas sobre a luta de classes na Argentina e no mundo e profunda estruturação no movimento operário, pôde além de ter posicionamentos políticos corretos, ser expressão militante de milhares de trabalhadores e jovens. Mesmo sendo composta por organizações distintas, como o PTS, organização irmã do MRT naquele país, Partido Obrero e Izquierda Socialista, o debate programático permitiu, em diversos momentos, que ao contrário de uma unidade débil, estruturada em torno de amálgamas e ausência de discussões, se pudesse ter uma orientação clara para a esquerda sobre quais os pontos em que efetivamente se poderia conformar uma unidade em base a um programa estratégico composto por alguns pontos fundamentais, que se materializaram numa Declaração Programática. Isso fez com que a FIT assumisse uma expressão eleitoral até o momento inédita nos anos recentes para a esquerda mundial, que, no entanto, não impediu que as distintas organizações seguissem suas orientações políticas quando divergissem. Nesse sentido, propomos que esse Seminário aponte a necessidade de seguir a discussão sobre os objetivos e programa de uma Frente ou Bloco para que avance a uma frente política de independência de classe. Essa discussão programática pode se desenvolver também a partir de campanhas políticas, intervenção comum na luta de classes contribuindo para realizar uma experiência comum entre as forças que a compõem.

    A nova conjuntura e alguns dos desafios colocados para a recuperação do protagonismo da esquerda socialista na luta de classes.

  •  Contribuição da Nova Organização Socialista (NOS)

    O atual momento que vivemos faz parte de um processo de reorganização da classe trabalhadora no Brasil, com características conjunturais próprias quando pensado em uma duração mais longa ou quando comparado a outros processos de reorganização. Os que viveram os anos 1980 recordam-se da relativa rapidez e da força política com que se constituíram formas organizativas novas da classe trabalhadora brasileira. A partir das greves de 1978 e das lutas sociais que se seguiram, marcando a reentrada dos trabalhadores na cena política naqueles anos finais da ditadura instalada em 1964, surgiram o Partido dos Trabalhadores (em 1979/1980), a Central Única dos Trabalhadores (1983) e o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (1984).
    Com a chegada de Lula à Presidência, em 2003, o PT avançou para a posição de “esquerda do capital”, o que aprofundou a política de conciliação de classes e o acúmulo de forças dentro dos espaços institucionais como forma de ampliar a “cidadania”. Na prática, se comportou como mais um partido da ordem, com todos os vícios da ordem burguesa. A CUT caminhou, desde a década de 90, para uma política de conciliação de classes que preparou o terreno para sua transformação em simples instrumento dos governos petistas desde 2003, utilizada no mais das vezes para conter as lutas da classe trabalhadora nos marcos das reivindicações econômico-corporativas defensivas no limite do tolerável pelo capital.
    O MST, que seguiu enfrentando o latifúndio nos anos 1990 e protagonizou alguns momentos de enfrentamento importantes na década seguinte, viu refluir sua capacidade de mobilização com a chegada de Lula à presidência, quando suas direções mantiveram um apoio tácito, ou mais explícito conforme o momento, ao governo petista que, por sua própria natureza de classe, priorizou atender às demandas do agronegócio e reduziu a quase zero a política de reforma agrária.
    O transformismo das direções petistas e seus apoiadores nos movimentos já era completamente perceptível pelos setores da esquerda socialista mais consequentes que, a partir de 2003, avaliaram que já não havia porque apostar no potencial anti-sistêmico daquelas organizações nascidas das lutas dos anos 1980, que agora passavam a representar um papel mais próximo ao de obstáculos às lutas mais amplas dos trabalhadores. Tal avaliação levou a que setores de vanguarda e milhares de ativistas políticos e sociais se engajassem na tentativa de construir novas formas organizativas, abrindo um novo ciclo de reorganização da classe trabalhadora no país.
    Quando comparado ao processo de reorganização dos anos finais da ditadura, no entanto, o ciclo iniciado em 2003 teve de enfrentar dificuldades novas. Se, em fins dos anos 1970 e princípios dos anos 1980, havia que se confrontar a repressão de um regime ainda ditatorial, por outro lado, as novas organizações se constituíam apoiando-se em um movimento da classe trabalhadora em fase ascendente, cujo indicador mais expressivo foi o crescimento do número de greves, que atingiu seu ápice em 1989. Nos anos 2000, o processo de reorganização teria que se dar em uma fase de refluxo das lutas, iniciada nos anos 1990 e aprofundada, entre outros fatores, pelo papel de contenção das mobilizações desempenhado pelo governo petista e suas forças aliadas nos movimentos sociais.
    Esse contexto nos ajuda a entender porque, passados quase uma década e meia do início desta fase reorganizativa, nosso sucesso tem sido tão limitado. No plano político partidário, a principal organização surgida nessa fase foi o PSOL, cuja origem demarcava o fracasso de expectativas de unificação mais amplas dos setores da oposição de esquerda aos governos petistas (Movimento pelo Novo Partido), ao mesmo tempo em que sintetizava os sentimentos convergentes de que era necessário reagrupar forças dissidentes do petismo atuantes nos movimentos da classe e manter uma referência eleitoral socialista, autônoma em relação aos governos petista e viável como alternativa para os eleitores.
    No campo sindical, o processo de reorganização não enfrentou dificuldades menores, pois desde o início frustrou as apostas em uma unificação das forças combativas e classistas que romperam com a CUT, dando origem a diferentes instrumentos de aglutinação sindical. Mesmo a CSP-Conlutas, que atravessou os últimos anos com alguma representatividade, é ainda muito diminuta para interferir de fato na correlação de forças sindical com capacidade convocatória própria.
    E se houve um momento no passado recente que revelou, de forma categórica, os grandes limites da reorganização em curso e a inexpressividade da esquerda socialista como força organizadora e impulsionadora das lutas sociais de massas, esse momento foi junho de 2013. Desde então, a esquerda não conseguiu ser parte orgânica das reivindicações e lutas de um proletariado marcado pela ascensão de ideias como a teologia da prosperidade e o empreendedorismo, e pelo afastamento dos movimentos tradicionais de classe (como os sindicatos), tanto pela ação intensa da mídia em deslegitimar as lutas como também por culpa da própria burocratização dessas organizações tradicionais da classe. Além disso, há também uma precarização crescente dos empregos, o que faz com que as trabalhadoras e trabalhadores fiquem fragmentados e sem vinculação sindical.
    Junho de 2013 marcou também por outra questão. As massas nas ruas expressaram o esgotamento da capacidade petista de conter lutas sociais mais expressivas através de sua atuação no governo. Frações cada vez mais numerosas da burguesia, diante da expressividade das manifestações e da retomada de lutas em outras frentes – 2013 foi o ano de ápice do ciclo grevista recente e marcou também o crescimento das ocupações urbanas, com destaque para as conduzidas pelo MTST – passaram a questionar a utilidade do governo de conciliação de classes do PT.
    O agravamento da crise econômica nos anos seguintes reforçou a avaliação de que se esgotara a capacidade petista de governar para o capital, que agora exigia ataques mais profundos e acelerados aos direitos dos trabalhadores. Após as eleições de 2014, Dilma se esforçou para provar que seu governo poderia cumprir a tarefa que a burguesia demandava, mas os desdobramentos posteriores nos mostram que sua disposição e as medidas regressivas que efetivamente adotou não foram consideradas suficientes.
    A deflagração da atual crise política e econômica que culminou no golpe institucional que destituiu a presidenta Dilma Rousseff é o resultado do profundo enfraquecimento do projeto lulopetista e da política de conciliação de classes. O definhamento do petismo, no entanto, não ocorreu por força da classe trabalhadora, por um levante vitorioso das massas, mas através de uma ação orquestrada das classes dominantes em parceria com a mídia, setores do Judiciário e, provavelmente, setores da burguesia internacional interessados no desmonte das empresas estatais e de empresas que foram o sustentáculo dos governos petistas, numa evidente ofensiva para que o Brasil recue para sua posição de subcolônia.
    Ao contrário de algumas avaliações dentro da esquerda, avaliamos que o governo Temer não é mais fraco que o governo Dilma (nem igual). Apesar de os governos petistas terem adotado uma política de continuidade da economia neoliberal e terem atacado direitos dos trabalhadores, a queda de Dilma representa uma vontade da classe dominante de imprimir na classe trabalhadora uma ideia de que a esquerda em geral é criminosa e incompetente, bem como impor um governo ainda mais austero, sem constrangimentos históricos com lutas sindicais ou de movimentos sociais.
    Temer foi colocado no poder justamente para aprofundar muito mais as medidas de austeridade, implementadas por Dilma de forma mais lenta e ainda sob o disfarce de um discurso progressista. O mais preocupante é a ofensiva da mídia e das elites de convencer a classe trabalhadora a criticar as poucas e cambaleantes políticas sociais petistas com um viés meritocrático e de direita, com a intenção de criminalizar ainda mais os pobres.
    A falta de legitimidade eleitoral e o fato de não poder se candidatar pelos próximos oito anos fazem com que Michel Temer não se preocupe em agradar a população para apoiá-lo em uma eventual eleição. Por outro lado, ele tem amplo apoio do empresariado e do agronegócio, que lhe oferecem um grande suporte dentro do Congresso. E tudo indica que este governo usará as Olimpíadas e a onda mundial de terrorismo para perseguir a esquerda e os movimentos sociais para radicalizar a lei antiterrorismo – herança maldita do governo Dilma – como forma de estado de exceção disfarçado.
    No âmbito estadual, as lutas se intensificam em mais de duas décadas de governo tucano. Em alinhamento à conjuntura nacional, a política de austeridade do governo Alckmin vai ganhando mais corpo com a precarização cada vez maior dos serviços públicos, tendo como exemplos mais simbólicos a pauperização do Metrô e da CPTM, a ofensiva de privatizações no transporte, o fechamento de vagas na educação pública, os cortes de gastos nas Universidades estaduais, o corte de verbas na saúde e a total precarização dos serviços de atendimento, além da privatização disfarçada tanto na saúde como na cultura do sistema de gestão por OSs.
    No estado de São Paulo há um aumento vertiginoso na epidemiologia de HIV-AIDS (sobretudo entre os jovens LGBTs e negros) e precarização do tratamento para soropositivos­ (que já foi referência no mundo). Aumento dos casos de sífilis e outras ISTs, de H1N1 e diversas doenças que assolam os trabalhadores e que tem atingido em cheio os povos historicamente oprimidos, como o povo negro e LGBT - e tudo isso com a ausência de uma saúde pública eficiente. A pauperização da saúde pública como uma das facetas do genocídio da população pobre, negra e LGBT.
    Além disso, há a ação da segurança pública que garante proteção apenas à ordem vigente e à burguesia paulista e que continua com sua política de genocídio da população negra e pobre nas periferias. Ao mesmo tempo, as forças de segurança se omitem com relação ao crime organizado que também oprime a população e, junto com a PM, instauram um verdadeiro estado de exceção nas periferias das cidades. Soma-se a isso o total descaso com a população LGBT e demais minorias, um Estado que precariza cada vez mais os serviços voltados para a assistência da mulher, uma PM cada vez mais machista com as mulheres vítimas de violência, sobretudo as pobres e negras.
    A consciência de nossas limitações, evidenciadas em junho de 2013 e agora com o impedimento da presidenta, somada à avaliação de que os ataques que temos pela frente serão duríssimos, têm levado diversos grupos no interior da esquerda socialista a repensarem seus caminhos, abrindo-se, assim, uma nova etapa no processo de reorganização. Rachas e fusões recentes explicitaram essa inquietação e busca por saídas.
    E o que fazer?
    Mesmo com toda essa conjuntura catastrófica, no cenário nacional ainda há espaço para se discutir saídas pela esquerda, devido à insatisfação da classe com o novo governo e a precarização das condições de vida, que tem provocado lutas e resistências locais formadas em diversas frentes ainda em construção. Há que se destacar, também, certa ineficácia das Olimpíadas para desviar a atenção das massas.
    Em reação a esta conjuntura, a classe trabalhadora e a juventude apresentam diversas resistências, entre as quais podemos destacar as lutas dos professores e estudantes secundaristas pela educação, as ocupações das escolas estaduais pelos secundaristas, as greves de profissionais e estudantes da USP, UNESP e UNICAMP, a luta por cotas raciais na USP, a greve de educadores e as ocupações dos “jovem-aprendizes” nas Fábricas de Cultura, a greve dos profissionais da saúde do Estado, as mobilizações dos movimentos de moradia e MTST, os protestos em massa dos movimentos feministas contra a cultura de estupro e as mobilizações dos movimentos negros e da periferia contra a violência policial e institucional.
    Há destaque também para o movimento negro e da periferia na luta contra a omissão do governo estadual e municipal com relação aos moradores de rua da capital paulista. Em pleno inverno rigoroso da capital paulista, os governos de Fernando Haddad e de Geraldo Alckmin, em vez de atender à população de rua em suas necessidades, decidem usar da violência policial para higienizar os bairros centrais e mais ricos da cidade. A mobilização desses movimentos de base, no entanto, com especial destaque à Pastoral de Rua, fez com que a opinião pública se mobilizasse para obrigar Haddad a ter respostas urgentes ao problema (mesmo que pífias) o que ajudou a arranhar um pouco mais sua imagem e a denunciar a já velha conhecida violência institucional da PM e da Guarda Civil Metropolitana.
    É imperiosa, diante deste contexto, uma unidade nas lutas já em curso, porém, sem ater-se somente ao “ombro-a-ombro” das lutas quotidianas, numa posição somente de defesa que a esquerda se mantém no último período, de tentar impedir retrocessos e retirada de direitos adquiridos pela classe. Há a necessidade de lutar por uma estratégia política comum, socialista e revolucionária.
    A esquerda socialista, toda ela, que se manteve longe da ilusão da conciliação de classes, precisa se reunir estrategicamente, com uma pauta mínima de unidade numa frente ampla entre os socialistas e revolucionários para apresentar à sociedade um terceiro campo político para disputar com o petismo e com a burguesia tradicional. E isso é urgente, pois a fragmentação da esquerda revolucionária, o sectarismo e a autoproclamação – com altas doses de denuncismo, sem, porém, conseguir se apresentar para a classe como alternativa – é uma realidade que assola a esquerda socialista e que fortalece a hegemonia do petismo. Isso se viu nitidamente entre os artistas, por exemplo, que, ao perceberem que o golpe institucional culminaria num governo mais austero e burguês, agarram-se à defesa da democracia burguesa e ao “Volta Dilma” por não enxergar outro campo na esquerda capaz de fazer frente à burguesia golpista.
    Há, enquanto isso, um processo de reorganização dentro da esquerda que a NOS entende como propício para uma unificação da esquerda socialista (ou ao menos de boa parte dela) numa política de maior unidade entre os revolucionários. Precisamos aproveitar o surgimento de novas organizações, a efervescência das periferias com seus coletivos e movimentos de luta, a abertura de diálogo por parte de organizações já tradicionais para construção de unidade de ação e, mais que isso, de frentes amplas – sindicais, políticas e de lutas.
    Alguns passos já começam a ser dados, como a formação de frentes de esquerda socialista em vários estados. A NOS São Paulo compõe o Bloco da Esquerda Socialista de São Paulo, com a LSR e diversas correntes do PSOL, o PCB, e várias organizações de esquerda, coletivos e independentes dispostos a partilhar um programa e ações comuns mínimas. Atualmente, consegue unidade em ações pelo “Fora Temer”, algumas em articulação com as lutas locais dos Estados, inclusive em unidade com a Frente Povo sem Medo e nas lutas contra a retirada de direitos, como a lei da Escola sem partido, a PEC do teto dos gastos públicos, a contrarreforma trabalhista e previdenciária. Queremos expandir ainda mais em pautas locais como, por exemplo, a luta contra a privatização do Metrô e amadurecer a nacionalização das Frentes/Blocos de Esquerda Socialista até se construir uma Frente Nacional da Esquerda Socialista com acesso às bases e a expansão das frentes para além das capitais estaduais.
    Consoante a isso, enxergamos a necessidade, também, de que outros coletivos e organizações – afinados com os objetivos de se criar um terceiro campo alternativo ao petismo sejam convidados a compor as Frentes de Esquerda, em especial o Bloco da Esquerda Socialista daqui de São Paulo, numa política de expansão e estruturação. A ruptura do PSTU que se consolida agora como o MAIS – Movimento por uma Alternativa Independente e Socialista – é um exemplo de organização que o Bloco de São Paulo e as Frentes de Esquerda Socialista já existentes precisam chamar para unidade, juntamente com várias outras organizações da esquerda vindas de processos de reorganização e rupturas.
    Com relação a palavras de ordem, entendemos que existe a necessidade da construção de uma pauta mínima que una o Bloco de Esquerda Socialista de São Paulo. A NOS tem atualmente como palavras de ordem: “Fora Temer e o congresso golpista”. Mas temos um entendimento de que uma Frente de Esquerda precisa de um programa mínimo de unidade para além do “Fora Temer”. Há a necessidade de se criar uma alternativa pela esquerda para apresentar às trabalhadoras e trabalhadores que dê ao povo o poder de decidir sobre as saídas para a crise política.
    Para além disso, há a questão urgente de se unificar as lutas e os movimentos sociais contra os ataques monstruosos a nível nacional e estadual, como o desmonte da educação universitária gratuita, a imposição da jornada de 12 horas diárias para os trabalhadores, o Projeto “Escola Sem Partido” etc. O Bloco da Esquerda Socialista precisa, além de consolidar a unidade com as organizações socialistas, articular com a base para a construção de greves gerais, ocupações, protestos de rua, enfim, a radicalização da resistência da classe trabalhadora contra os ataques a seus direitos e com uma perspectiva de estratégia para o futuro.
    Reconhecemos um potencial progressivo nos diversos processos reorganizativos da esquerda em curso. Potencial que, para sua efetivação, dependerá de nossa capacidade de fazer diferença nas lutas da classe trabalhadora que estão se desenvolvendo, como as greves, particularmente da educação; as ocupações de escolas e prédios públicos; a “primavera das mulheres” e todas as mobilizações que visam garantir os direitos ameaçados pela pauta regressiva que vem sendo implementada pelo governo e pela classe dominante. É chegado o momento de invertermos os sinais da reorganização. A fragmentação precisa ser superada por um novo caminho de unificação. Na expectativa de contribuir para esse debate, sugerimos algumas possibilidades de construção conjunta de todas as forças que possuem avaliação semelhante e estejam dispostas a construir uma intervenção unitária:
    · Reforçar (onde elas já existem) ou buscar construir (onde ainda não germinaram) as articulações em torno da Frente de Esquerda Socialista (com o nome adotado em cada local), como espaço de construção de canais de diálogo programático, articulação para intervenção política e atuação nas lutas sociais;
    · Fortalecer as articulações para uma intervenção mais unitária o possível nos espaços sindicais, como as oposições nos sindicatos de direção cutista (ou de outras centrais afinadas com a ordem do capital) e como bloco articulado na CSP-Conlutas e outros espaços em que atuemos (Intersindical, Espaço de Unidade e Ação, fóruns do funcionalismo público, etc.);
    · Criar canais comuns para o debate estratégico e programático, que nos permitam buscar sínteses a partir das distintas tradições e experiências que nos originaram, como por exemplo um portal na internet que busque compartilhar a produção já existente (como aquela socializada pelos blogs Junho e Convergência, entre outros) e avance como tribuna de debates entre os militantes e organizações.
    No campo da pauta mínima para atuação em unidade, a NOS traz como pautas que devem ser encabeçadas pelo BES:
    Nova Organização Socialista apresenta sua contribuição inicial para a constituição de um programa que possa unificar as lutas em curso e os setores mobilizados contra os ataques do governo Temer e contra a conciliação de classes propagada pelo campo petista:
    · Redução da jornada de trabalho sem redução de salários, para combater o desemprego; · Combate às reformas da previdência e trabalhista;
    · Revogação da lei antiterrorismo; · Suspensão do pagamento da dívida e investimento desses recursos em um plano emergencial para salvar a saúde e a educação públicas;
    · Pelo fim do Projeto de Lei Escola sem Partido (lei da mordaça); · Pelo abandono do Projeto de Lei 257/2016, que ataca o serviço público; · Oposição ao processo de terceirização;
    · Organização de dias nacionais de lutas e paralisações rumo à greve geral contra todos os ataques.
    No plano dos municípios, o BES também precisa formular políticas. O cenário de ataque da burguesia também reverberará no pleito de outubro de 2016, o que nos obriga a nos debruçar sobre uma pauta mínima a ser defendida no pleito municipal e verificar a possibilidade de o Bloco compor alguma frente eleitoral nos municípios (seja para prefeitos ou vereadores).
    O cenário de reorganização da esquerda precisa ser aproveitado como uma oportunidade de mudança do modus operandi da esquerda, deixando para trás o capítulo da autoproclamação e da falta de unidades de ação nas lutas para uma época – já iniciada – de articulações políticas em frentes com a unidade de diversas organizações socialistas. Se há a necessidade da unidade entre explorados e oprimidos para se fazer a revolução, mais urgente ainda é a necessidade da unidade entre os socialistas para mostrar a revolução brasileira como alternativa para a classe trabalhadora.

  •  Contribuição da LSR aos debates do Bloco da Esquerda Socialista

    Reconstruir uma esquerda socialista à altura do momento histórico

    O Brasil e o mundo atravessam uma grave crise que tem suas raízes fundamentais no papel historicamente retrógrado jogado pelo sistema capitalista em todo o planeta. Deterioração das condições de vida, destruição do meio ambiente, guerras sangrentas, deslocamentos massivos de populações, exploração e opressão – isso é o que de melhor o capitalismo do século XXI pode nos oferecer.

    Essa crise histórica do capitalismo é também uma crise e fracasso dos caminhos oferecidos pelo reformismo e stalinismo na história do movimento da classe trabalhadora em escala internacional. Dela resulta necessariamente uma luta desesperada para recompor o movimento dos trabalhadores e a esquerda socialista sobre novas bases.

    Em meio às dificuldades e derrotas, também surgem novas oportunidades para a construção de uma nova esquerda socialista e revolucionária consequente. Novas forças sociais se movem como reação à barbárie capitalista. Uma classe trabalhadora mais precarizada, mais jovem, feminina, LGBT, negra, indígena, ressurge das cinzas e dá claras indicações de sua força potencial. É o que vimos e vemos dos EUA à China, do sul da Europa à América Latina, passando pelas vitórias e derrotas do norte da África e Oriente Médio, etc.

    No Brasil não é diferente. A força potencial da classe trabalhadora e da juventude esteve presente nas jornadas de junho de 2013 e na onda de greves e ocupações que marcaram o país nesse período. Ao mesmo tempo, o avanço de sua consciência, organização e orientação estratégica e tática, viu-se severamente afetado pelo papel histórico jogado pelo PT e o “lulismo”, complementado pela fragilidade e limites das alternativas de esquerda socialista.

    A histórica crise do PT abre espaço para uma profunda reorganização da esquerda no país. Intervir sobre ela é nossa tarefa mais importante e o sentido da iniciativa do Bloco da Esquerda Socialista. Apesar de incipiente, essa iniciativa pode cumprir um papel relevante nesse novo momento. Para isso, em primeiro lugar, é preciso entender o momento político que vivemos e algumas de nossas tarefas centrais.

    A NOVA SITUAÇÃO NACIONAL E AS TAREFAS

    A cada dia ficam mais claras as razões que levaram os principais setores do grande capital a mudar sua posição anterior e trabalhar pela queda de Dilma Rousseff e pela constituição de um governo tão nefasto quanto o de Michel Temer. Quanto mais a crise se aprofunda no país, mais os de cima precisam colocar a conta nas costas dos de baixo. Para isso, Dilma já não estava mais sendo suficiente.

    Até o último dia antes de seu afastamento pelo Senado, Dilma fez todo o possível para comprar sua permanência na presidência pagando o alto preço cobrado tanto pelo sistema político apodrecido quanto pelo grande capital. Junto com Lula, manteve os conchavos e o “toma lá da cá” com os partidos fisiológicos do Congresso. No mesmo sentido, assumiu um programa de contrarreformas e o duro ajuste fiscal demandado pelos porta-vozes neoliberais dos bancos e grandes corporações.

    Queria convencer os endinheirados de sua lealdade ao “mercado”. Mas, apesar das “boas” intenções, já não tinha mais condições políticas para promover o verdadeiro “austericídio” exigido pelas elites. Sem base no Congresso e sem dispor-se a mudar de política para recuperar apoio popular, Dilma ficou suspensa no ar. Inútil para ambos os lados.

    A queda de Dilma abriu uma nova situação que a grande burguesia está sabendo aproveitar. Michel Temer encabeça um governo ilegítimo, que não recebeu um único voto popular e é fruto exclusivamente de manobras palacianas antidemocráticas.

    Temer sabe que não tem apoio popular e se vangloria disso. Recentemente declarou: “as pessoas me perguntam ‘mas você não teme propor medidas impopulares?’ Eu digo não. Porque o meu objetivo não é eleitoral... se eu ficar os dois anos e meio e conseguir colocar o Brasil nos trilhos, para mim, basta”.

    Para as elites, a força do novo governo vem exatamente de sua maior fraqueza. Temer não tem que dar satisfações ao povo sobre suas medidas de ataques. Basta que mantenha uma base leal no Congresso e mostre serviço para o grande capital – com a providencial ajuda, é claro, de um poderoso esquema de repressão e desarticulação da resistência sindical e popular.

    Duro ajuste pela frente

    Com menos de um mês na presidência, Temer conseguiu aprovar com folga na Câmara a renovação da Desvinculação das Receitas da União (DRU) até 2023. Conseguiu ainda ampliar para os estados e municípios essa medida, que permite o remanejamento de 30% do orçamento e ataca duramente os gastos sociais.

    Mas essa medida é a mesma que Dilma vinha tentando aprovar por mais de oito meses sem sucesso. Temer mostra-se mais eficiente para a grande burguesia e capaz de ataques ainda maiores. A proposta de estabelecer um teto fiscal de longo prazo representa o maior ataque aos serviços públicos e gastos sociais em décadas. Os planos do governo em relação às reformas trabalhista e da previdência também apontam para contrarreformas estruturais contra a classe trabalhadora.

    Para conseguir manter uma base estável no Congresso, Temer e a cúpula do sistema político no país precisam impor limites diante de um poderoso fator desestabilizador: as investigações de corrupção que comprometem grande parte do Congresso e do próprio Executivo. Ministros já caíram e outros poderão cair. Eduardo Cunha, um aliado funcional decisivo para o governo, já foi afastado, renunciou à presidência da Câmara e deve ser cassado em breve. Ameaças de prisão pairam sobre toda a cúpula do PMDB, além de continuarem a atingir o PT e também provocar calafrios em políticos do PSDB.

    Cumprindo o objetivo desavergonhadamente explicitado nas conversas grampeadas de Sergio Machado com Renan, Sarney e Jucá, sinais dessa contraofensiva para salvar os corruptos já começam a aparecer.

    Apesar da gravidade do conteúdo das conversas gravadas, a prisão da cúpula do PMDB, pedida pela Procuradoria Geral da República, não se concretizou, ao contrário do que aconteceu com Delcídio do Amaral (PT). No mesmo sentido, a mesa da Câmara retirou o pedido de urgência para o pacote de medidas anticorrupção propostas pelo ministério público e que havia sido cinicamente festejada diante das câmeras de TV pelos deputados da direita.

    A eleição de Rodrigo Maia à presidência da Câmara (com o voto de grande parte da bancada petista, diga-se de passagem) também implica em uma tentativa de reacomodação das forças do sistema político visando aprovar as contrarreformas e conter os riscos que as investigações de corrupção podem ainda provocar.

    Não podemos ter um pingo de confiança no Judiciário no que se refere ao combate efetivo e generalizado à corrupção. Mais que isso, denunciamos seu caráter seletivo e politicamente orientado. Mas, ainda assim, seu potencial desestabilizador do sistema político está sendo enfrentado por uma “operação abafa”, visando conter investigações potencialmente explosivas. Querem normalizar a situação para manter o sistema político intacto e permitir o avanço das contrarreformas e ataques.

    O principal fator é a resistência dos trabalhadores e do povo

    Porém, o principal fator potencialmente desestabilizador para Temer é a reação das ruas e dos movimentos sociais contra os ataques aos direitos dos trabalhadores e do povo. Mesmo sem pretensões eleitorais por parte de Temer, uma explosão social resultante das medidas de ataques teria força para inviabilizar o governo.

    Depois de votado definitivamente o impeachment no Senado, Temer deverá “vir como um trator” aplicando medidas impopulares. Nada restaria de dubiedades e vacilações ainda presentes nesse momento de interinidade.

    Mas, para isso, teria que passar por cima da insatisfação e resistência popular. A gravidade da crise já se manifesta no desespero de milhões de famílias afetadas pelo desemprego e a deterioração dos serviços públicos. A calamidade social no Rio de Janeiro é apenas um sinal da bancarrota social resultante da crise e que o “austericídio” promovido pelo governo só aprofundará.

    Esse desespero pode se manifestar de forma espontânea e desorganizada, como já vimos acontecer em outros momentos. Ou pode unir a força e energia liberadas pela espontaneidade com uma estratégia de luta sindical, popular e política.

    O maior pesadelo do governo ilegítimo e dos donos do capital é a reprodução de uma situação como a de junho de 2013 no Brasil acontecendo junto com uma situação generalizada de lutas sindicais e resistência, como a que os trabalhadores franceses estão promovendo contra a reforma trabalhista do governo Hollande.

    Temer só terá realmente chances de se safar se os movimentos sociais, os sindicatos e a própria esquerda socialista não se colocarem à altura do momento histórico.

    Não lutamos pelo “Volta Dilma” e é preciso deixar isso claro

    Desde o primeiro dia do novo governo ilegítimo, manifestações e protestos se generalizaram exigindo o Fora Temer. A Frente Povo Sem Medo abriu esta onda de lutas com a manifestação radicalizada de 12 de maio diante do escritório da presidência na Avenida Paulista em São Paulo. Da mesma forma, a Frente Povo Sem Medo, com o MTST à frente, protagonizou a luta que obrigou o governo ilegítimo de Temer a recuar e manter os contratos feitos pelo programa “Minha Casa, Minha Vida - Entidades”.

    Da mesma forma, o movimento de mulheres foi fundamental na denuncia do governo Temer e seu caráter reacionário assim com na luta contra Eduardo Cunha.

    Essa onda generalizada de protestos, que estava colocando o governo contra as cordas, poderia ter avançado e criado condições para que a proposta de uma greve geral ganhasse corpo. Mas, acabou desperdiçada pelo papel jogado pelos setores “dilmistas” e “lulistas”, principalmente aqueles organizados na Frente Brasil Popular, que se mostraram incapazes de levar a luta até as últimas consequências.

    Política e organizativamente, os setores pró-Dilma nos movimentos sociais conseguiram esvaziar aquela energia viva de luta e protesto. Ao não apontar uma saída política clara pela esquerda na luta contra Temer e admitir a volta de Dilma como único caminho possível (ou desejável), enfraqueceram a luta. Com isso cometeram o mesmo erro da luta anterior à votação do impeachment no Congresso.

    Quem em sã consciência pode achar que grandes contingentes da classe trabalhadora e do povo sairão às ruas para que Dilma volte à presidência? O governo Dilma é indefensável do ponto de vista dos trabalhadores e não podemos fomentar qualquer ilusão de que seria diferente agora. Na luta contra a direita, Dilma é um peso que não deve ser carregado pela esquerda e os movimentos sociais.

    A esquerda socialista deve levantar a bandeira de “eleições gerais”

    Falta ao movimento uma política que olhe para frente, que repudie Temer e aponte uma saída que não seja a volta a um passado que não nos serve. Por isso, a defesa de que os trabalhadores e o povo devem decidir os rumos do país e construir sua saída pela esquerda deve ser parte fundamental de nossa política.

    A defesa da convocação de eleições gerais já, para a presidência e o Congresso, é uma forma de denunciar o caráter ilegítimo e antipopular de Temer e, ao mesmo tempo, apontar um caminho para frente, apostando na soberania popular.

    Na luta contra os ataques, contrarreformas e o ajuste fiscal de Temer, que é o centro de nossa luta, a defesa de novas eleições pode cumprir um papel importante. Seria muito mais complicado para qualquer candidato defender impunemente o programa de barbaridades que estão tentando implementar hoje sem prestar contas ao povo.

    O medo de que uma eleição posa dar lugar a um governo de direita com mais respaldo popular do que tem Temer é compreensível. A direita conseguiu avançar com o impeachment e sua pauta ganhou alguma força. Mas, essa força se dá muito mais na esfera institucional com a maioria que Temer tem no Congresso, do que nas ruas.

    O fato é que seria muito mais difícil para a direita implementar seu programa de ataques se tivesse que submetê-lo a uma consulta popular, disputando eleições, do que na situação atual do Executivo e Congresso.

    Aliás, essa é uma marca dos novos governos de direita na América Latina. Nenhum deles pode contar com apoio e base social para suas políticas neoliberais, ao contrário do que aconteceu, ainda que temporariamente, na década de 1990 com FHC, Menem, etc.

    A esquerda também não poderá avançar e disputar a correlação de forças na sociedade se ficar amarrada a uma postura conservadora de que qualquer proposta de consulta popular implicaria em fortalecimento da direita. De fato, os riscos existem na complexa situação política do país hoje e diante das fragilidades da esquerda. Mas, para superar isso, devemos apontar saídas que confiem na possibilidade de tomada de consciência de setores amplos da classe trabalhadora e do povo.

    Se não queremos o “volta, Dilma”, também precisamos denunciar a postura adotada pelo próprio Lula que tem dado sinais de que prefere que Temer se mantenha no poder, acumulando todo desgaste possível, para que ele possa retornar triunfante em 2018 e continuar a aplicar as políticas neoliberais em condições melhores porque o trabalho sujo já foi realizado.

    Queremos construir uma alternativa política de esquerda a partir das lutas que seja capaz de superar o “lulismo” e o PT. Precisamos fazer isso desde já.

    Isso não significa em absoluto que identifiquemos as disputas eleitorais como o principal caminho para construirmos uma saída à esquerda. O caminho prioritário é a organização das lutas pela base e de forma generalizada e unificada. Porém, mesmo nesse aspecto, a defesa de novas eleições gerais ajuda a desorganizar o lado de lá. Coloca os neoliberais na defensiva e nos permite levantar um programa alternativo que faça com que os ricos paguem pela crise.

    É evidente que, com as atuais regras e funcionamento do sistema político e eleitoral, não se pode falar em autêntica soberania popular. Por isso, é fundamental que a esquerda socialista e os movimentos sociais denunciem e apontem um caminho de ruptura com o sistema político atual.

    Os caminhos para isso, como, por exemplo, a convocação de uma Assembleia Popular Constituinte exclusivamente para revolucionar o sistema político, podem ser debatidos pelo conjunto da esquerda. Mas, é fundamental que apontemos um caminho de transição para um novo sistema político radicalmente democrático do ponto de vista dos de baixo e com um sentido anticapitalista e socialista.

    Priorizar a luta direta dos trabalhadores e do povo! Criar as condições para uma Greve Geral e a generalização das lutas!

    O rolo compressor do governo contra os trabalhadores vai ganhar velocidade em pouco tempo. Precisamos nos preparar para enfrentar isso. É preciso construir uma pauta comum de reivindicações centrada na defesa dos direitos e na luta por novos direitos.

    É preciso que se fortaleza todos os espaços de unidade de ação contra Temer e sua política de ataques, mas sempre disputando os rumos desses movimentos, buscando radicalizá-los, ampliá-los e levá-los até as últimas consequências.

    No segundo semestre, é preciso que se lute por um Encontro Nacional da Classe Trabalhadora para preparar uma greve geral e um plano de lutas mais amplo contra os ataques do governo. Essa luta deve se dar na base das categorias e deve colocar a direção da CUT e demais centrais contra a parede.

    O papel da juventude e das lutas das mulheres, LGBTs, negros e negras

    Nessa etapa das lutas sociais está claro o papel decisivo da juventude, como ficou demonstrado nas jornadas de junho de 2013. A juventude trabalhadora é um dos setores mais dinâmicos e renovadores da luta de classes. As mais recentes ocupações de escolas em vários estados mostraram a vitalidade desse movimento e deram lugar ao surgimento de novas camadas de ativistas e lutadores.

    Em meio à grave crise no país, com o desemprego e a precarização crescendo, os serviços públicos colapsando e diante de ameaças terríveis como as contrarreformas trabalhista e da previdência, são os jovens os mais diretamente afetados e potencialmente serão a base da resistência.

    Mas, além disso, o machismo, racismo, homofobia e todo tipo de opressões se agravam no dia a dia das pessoas e nas esferas institucionais. Ameaças de retrocessos legais acontecem simultaneamente ao agravamento da violência contra a mulher e a população LGBT e o extermínio da juventude negra nas periferias. A resposta a esses ataques tem sido um componente fundamental das lutas e é parte decisiva da recomposição dos movimentos sociais e da própria esquerda.

    Não haverá luta vitoriosa da classe trabalhadora na conjuntura atual e numa dimensão mais estratégica sem a valorização de seu componente de luta contra as opressões sobre as mulheres, LGBTs, negros e negras, etc.

    É preciso reconhecer, na teoria e na prática, o papel da juventude e das lutas contra as opressões e tirar todas as conclusões disso do ponto de vista programático, organizativo e até mesmo comportamental na esquerda e nos movimentos sociais.

    REORGANIZAÇÃO E RECOMPOSIÇÃO DA ESQUERDA

    Desde junho de 2013, o Brasil entrou numa nova etapa política. A decadência do PT depois do colapso da experiência “lulista” de colaboração de classes, abriu também uma nova etapa para a esquerda socialista e os movimentos da classe trabalhadora.

    O desafio para a esquerda que não se vendeu e não se rendeu ao canto de sereia dos governos petistas é enorme. A decadência do PT não representa ascensão automática de um novo protagonista pela esquerda. Pelo contrário, pode até abrir espaço para alternativas pela direita se os movimentos de nossa classe e a esquerda socialista não se mostrarem à altura das necessidades históricas.

    A própria crise do PT se dá numa dinâmica contraditória. Ao mesmo tempo em que reflete o fracasso do projeto “lulista” e petista, abre espaço para uma experiência das massas com um governo diretamente de direita e, se não houver uma clara alternativa de esquerda no cenário político, pode criar ilusões na volta do PT segundo a lógica do “mal menor”.

    Mesmo se essas ilusões não se tornem fortes o suficiente para permitir um retorno do PT ao governo, elas poderão atrapalhar e obstaculizar o legítimo processo de reorganização da esquerda que já está em curso.

    A reconstrução de uma esquerda socialista que se coloque como principal polo de combate ao governo Temer e à direita em geral e ao mesmo tempo se apresente como superação do fiasco “lulista” dependerá da superação de nossos próprios erros e debilidades.

    Essa tarefa não será cumprida por nenhum grupo ou organização específica atualmente existente de forma isolada, mas só poderá resultar de um esforço coletivo superior a todas as forças atuantes hoje. Esse esforço coletivo precisa se dar superando-se os erros, sectários e oportunistas.

    Nesse momento histórico não é possível admitir que continue a divisão existente entre a esquerda socialista, como no caso do PSOL, PSTU, PCB e outros agrupamentos políticos. A defesa de uma Frente ou Bloco da Esquerda Socialista para as lutas e para a disputa institucional é uma tarefa central. Ela demarca claramente com as ilusões em qualquer tipo de aliança com o PT ou PCdoB, ao mesmo tempo em que aponta um caminho de luta contra a direita e um esforço de unidade para superar o “lulismo” e o petismo.

    A construção do Bloco da Esquerda Socialista em São Paulo, e sua relação com iniciativas semelhantes em outros estados, cumpre um papel decisivo, ainda que incipiente. Em primeiro lugar, porque reúne organizações, partidos e movimentos que mostram na prática a possibilidade de unidade com base em uma política e prática coerentes. O debate e a experiência de atuação conjunta devem servir para a construção de uma síntese superior, sem tolher as especificidades de nenhum agrupamento.

    Ao mesmo tempo, o Bloco da Esquerda Socialista funciona como um campo político que pressiona outros setores a responder de forma efetiva ao chamado pela unidade. Com organizações e correntes atuando em espaços como o PSOL, a CSP-Conlutas, a Frente Povo Sem Medo, etc, cada um deles com seu caráter e especificidade próprios, o Bloco pode exercer um papel progressivo no sentido de fazer avançar o debate da unidade nesses espaços.

    Entendemos que o Bloco deve ser o mais inclusivo possível em relação a todos os agrupamentos que se comprometerem com uma prática política leal na relação entre as forças políticas e com uma linha política coerente com o acúmulo conseguido até agora. É fundamental que tenhamos a flexibilidade e agilidade necessárias para nos conectar com novos processos de rupturas e realinhamentos que surjam.

    A corrente LSR – Liberdade, Socialismo e Revolução, como parte do Comitê por uma Internacional dos Trabalhadores (CIT) coloca-se a serviço da construção desse projeto, buscando inclusive contribuir para que seus efeitos se expandam em escala nacional e internacional.

  •  Contribuição do PCB

    Fora Temer: a saída é pela esquerda!

    O Brasil vive atualmente a sua mais grave crise desde o golpe militar de 1964. Uma crise completa – econômica, social, política e ética. Essa crise faz parte de uma conjuntura mais complexa que envolve a crise sistêmica global, o fim de um longo de ciclo de lutas sociais que se iniciou no final dos anos 70 e a emergência embrionária de um novo ciclo que começou com as extraordinárias jornadas de junho de 2013. Esses fenômenos compõem uma conjuntura complexa, difícil e desafiadora, mas com imensas possibilidades para as forças revolucionárias, afinal as grandes mudanças só correm nos períodos de grandes crises.

    Para compreendermos essa conjuntura, é fundamental atentarmos para o mundo em que vivemos e o papel do Brasil nesse processo. O sistema capitalista mundial vem sendo castigado há mais de 10 anos por uma crise sistêmica que tem questionado todos os fundamentos do processo de acumulação capitalista. Por mais que os gestores do capital tenham realizado todo tipo de medidas, a crise continua se aprofundando, com a estagnação econômica geral, queda nas Bolsas de Valores, fragilização do sistema bancário, aumento da recessão, falência de empresas e crescimento do desemprego: em outras palavras, a crise econômica e social é geral e atinge todas as economias ligadas ao País líder do imperialismo.

    Isso pode ser observado mais claramente na Europa, onde esses fenômenos emergem de forma explícita em praticamente todas as economias, mas a crise também atinge o Japão, cuja economia vem há duas décadas em processo de estagnação econômica, e também atinge os Estados Unidos, apesar da manipulação dos meios de comunicação no sentido de apresentar um quadro de estabilidade. Os EUA possuem a maior dívida externa do mundo, sua infraestrutura está em frangalhos, a economia está estagnada e o desemprego efetivo é muito maior do que as estatísticas oficiais anunciam.

    Desesperados diante da incapacidade de sair da crise, retomar o crescimento e colocar o sistema em funcionamento, os capitalistas realizam uma ofensiva global contra os trabalhadores e aprofundam a política guerreira, buscando colocar na conta dos trabalhadores todo o ônus da crise, promover guerras e desestabilizar governos que não compactuam com suas ordens. Avançam sobre o fundo público, cortam direitos, garantias e salários dos trabalhadores e pensionistas, demitem funcionários públicos e semeiam a barbárie em todo o sistema capitalista, resultando numa perversa concentração de renda, na qual o 1% dos mais ricos possuem mais renda que os 99% das pessoas do planeta.

    No início da crise os trabalhadores foram pegos de surpresas e praticamente se comportaram como espectadores do processo, mas a partir do momento em que começaram a perder seus direitos, iniciaram um processo de resistência em praticamente todos os países que aplicaram essas medidas. Em toda a Europa os trabalhadores já realizaram mobilizações ou greves gerais contra o ajuste neoliberal e até mesmo foi feita uma greve internacional, que envolveu trabalhadores de 25 países, realizada na Europa. Em outras partes do mundo também há resistência dos trabalhadores e da juventude. Esses movimentos, ainda defensivos e sem uma direção classista, apontam numa perspectiva alvissareira à medida que a crise mundial se aprofunda.

    A crise brasileira
    Aqui no Brasil não é muito diferente. O País vive a sua mais grave nas últimas cinco décadas. Após 13 anos de governo, onde o Partido dos Trabalhadores realizou uma política que favoreceu essencialmente ao capital, a burguesia e o imperialismo decidiram descarta-lo e constituir um governo puro sangue. Esse processo ocorreu em função do agravamento da crise mundial e suas repercussões no Brasil, dos erros desastrosos de política interna, além do fato de que o PT já não estava conseguindo mais controlar os movimentos de massas: em 2013 amplos setores da juventude e do proletariado precarizado realizaram grandes manifestações em mais de 600 cidades do Brasil, por fora das instituições políticas e sindicais. Esses fatos acenderam a luz vermelha da burguesia, que resolveu assumir de vez o governo para implantar o ajuste predatório de maneira rápida, medida que o PT vinha realizando de forma mais lenta.

    Estamos agora diante de um governo ilegítimo e usurpador, que está implentando um ataque brutal contra os trabalhadores, pensionistas e a população em geral. Um governo cheio de corruptos, no qual há uma divisão de trabalho bastante clara: de um lado, os ladrões de casaca, representados pela fina flor da oligarquia financeira, que tomaram de assalto os ministérios da área econômica para saquear o País em favor dos rentistas, dos oligopólios, agronegócio e do imperialismo. Do outro, os ladrões de galinhas, representados pelas oligarquias regionais, setores pentecostais obscurantistas, além de reacionários em geral, expressos no baixo clero, cujo objetivo é roubar os cofres públicos como vem fazendo ao longo de nossa história.

    Esse é um governo frágil, mas profundamente perigoso porque não necessita prestar contas à população, mas apenas aos seus patrocinadores, uma vez que o presidente interino está inelegível por oito anos. Até agora já realizaram um conjunto de medidas regressivas social e economicamente, como o corte e congelamento dos gastos públicos por um prazo de 20 anos; a Desvinculação das Receitas da União (DRU), a partir da qual o governo pode utilizar livremente até 30% do orçamento para pagar os juros da dívida interna, o que significas mais cortes na saúde e educação; a extinção do Fundo Soberano e medidas para cortar direitos e garantias dos trabalhadores.

    Mas o pior do ajuste predatório está sendo planejado para depois da aprovação do impeachment, quando então se verá a verdadeira face desse governo antinacional e antipopular. O governo planeja realizar a reforma da previdência, reduzindo ainda mais direitos e garantias dos pensionistas; a reforma trabalhista, para destruir os direitos inscritos na CLT e consolidar as terceirizações; a entrega do pré-sal para as multinacionais; além da privatização generalizada do que ainda resta de empresas públicas. Todo esse conjunto de politica tem um objetivo claro: transferir recursos e patrimônio públicos para o setor privado e cevar a oligarquia financeira.

    Fim de um ciclo e começo de outro
    É importante compreender também que essa crise ocorre no fim de um longo ciclo da vida social brasileira, que se iniciou com as greves do ABC no final da década de 70 e que agora está se esgotando dramaticamente. Também é importante compreender que a partir de 2013, com as extraordinárias jornadas de junho, a juventude e os trabalhadores precarizados emergiram na cena política com manifestações de massa, por fora das instituições sindicais e políticas, iniciando-se assim, ainda de maneira embrionária, um novo ciclo de lutas sociais no Brasil.

    Portanto, estamos vivendo na atual conjuntura aquele intervalo gramsciano no qual o velho está morrendo, o novo está emergindo mas ainda não se consolidou e, nesse vazio, surgem os elementos mais inesperados, imponderáveis ou bizarros da conjuntura. Mas também esse é um período cheio de oportunidades. Como todo final de processo, o desfecho desse ciclo poderá parir um conjunto de fenômenos novos na realidade brasileira, como o ascenço do movimento social após duros embates com a burguesia e a reorganização da esquerda num novo patamar:

    No inicio do ciclo que está se esgotando foram criadas várias organizações sociais e políticas, oriundas do movimento operário, como o Partido dos Trabalhadores (PT) e a Central única dos Trabalhadores (CUT), para falar apenas das duas principais. Essas organizações, combativas no início do ciclo, foram aos pouco praticando a conciliação de classe, o modus operandi da velha política, se adaptando à ordem, até se transformarem em principais operadores da ordem, inclusive contra os próprios trabalhadores.

    Portanto, vão se esgotar com esse ciclo. Poderão até ainda continuar sobrevivendo formalmente, mas serão apenas caricatura do que foram no passado, em função da impossibilidade de realizarem uma autocrítica sincera dos erros e traições cometidas ao longo de sua trajetória. Essas organizações estão vinculadas de tal maneira à ordem e à institucionalidade que se torna praticamente impossível uma virada de mesa na atual conjuntura, pois os movimentos que realizaram durante o período de governo as tornaram prisioneiras de seu próprio destino.

    Em paralelo, o novo ciclo que está se abrindo ainda embrionariamente contém um enorme potencial de luta e perspectiva para os trabalhadores e as forças de esquerda. Nascido fora das instituições da ordem, com as confusões naturais de todo início de ciclo, já produziu um conjunto de fenômenos novos na sociedade brasileira: as grandes manifestações de junho; as ocupações dos secundaristas em São Paulo e posteriormente em vários Estados do País; e o aumento do movimento grevista desde 2013. Vale lembrar que todos os grandes movimentos sociais brasileiros foram antecedidos por lutas da juventude.

    Além disso, cresce a indignação na sociedade, muito embora ainda difusa, contra esse governo ilegítimo e usurpador, fato que se expressa nos protestos tanto das ruas quanto nas torcidas de futebol nos estádios, nos espetáculos musicais e teatrais e nos escrachos de parlamentares e ministros do governo nos aeroportos, dentro de aviões, em eventos públicos. Se essas manifestações já ocorrem num momento em que o governo ainda não mostrou sua verdadeira face, é fácil imaginar o potencial de luta após a interinidade. Estamos nos aproximando de um momento de acirramento da luta de classes e possivelmente de uma repressão muito dura contra os trabalhadores e os movimentos sociais, pois dificilmente as medidas bárbaras do governo serão realizadas sem luta, mas também poderemos estar diante da possibilidade da construção de uma nova correlação de forças favorável aos trabalhadores.

    Necessidade de reorganização da esquerda
    Mas o grande imperativo dessa conjuntura complexa é a necessidade reorganização da esquerda revolucionária e do movimento sindical e popular classista. A própria conjuntura de acirramento da luta de classes vai empurrar a todos nessa direção. Quem seguir pelo caminho da arrogância, do sectarismo autoproclamatório, das ilusões de que uma única organização será capaz de hegemonizar a revolução brasileira está condenada ao isolamento e a um papel insignificante no novo ciclo que se abre.

    As crises geralmente são momentos da verdade para todos. Nas crises não há espaços para meios termos, para oportunismos, para ficar em cima do muro. As crises põem a nu a verdadeira face das organizações políticas e sociais. Qualquer grande erro pode custar caro às organizações. Isso explica a implosão que ocorreu recentemente no PSTU (Partido Socialista dos Trabalhadores Unificado), quando mais de 700 militantes orgânicos se desligaram da organização para criar outro instrumento de luta. Processos mais reduzidos estão sendo verificados também em organizações menores.

    Mas o grande drama vai ocorrer com as bases do Partido dos Trabalhadores, que estão frustradas e confusas, não se sentem representadas pela cúpula do partido, mas em contrapartida não têm a menor possibilidade de ganhar por dentro a direção partidária. Parte dessas bases, em algum momento, vai procurar um novo rumo após o desfecho do impeachment; outra parte vai cuidar da vida e abandonar a luta; e desgraçadamente outra vai se adaptar ao sistema. Como se trata de um partido de massas, as bases que continuarão na luta representam um grande estímulo para o processo de reorganização da esquerda.

    O PC do B se organiza mais como uma empresa que como uma organização política, dado o elevadíssimo número de profissionais burocratizados na organização e nas administrações públicas federais, estaduais e municipais, sendo este um fator limitador de dissidências. Em tempos de crise ninguém quer ficar sem trabalho. Mesmo assim, com o fim do ciclo, pagará caro sua opção pela institucionalidade eleitoral. E os militantes mais jovens das ocupações secundaristas irão amadurecer e buscar uma opção para se organizar politicamente. Com certeza o próximo ciclo que se abre será um desafio para a reconstrução da esquerda.

    Bloco de lutas e Enclat
    Portanto, apesar da conjuntura difícil, há um grande espaço para a reorganização da esquerda revolucionária e do movimento sindical e popular. Todas as iniciativas que estão sendo realizadas atualmente fazem parte desse processo, como as frentes e blocos da esquerda socialista, a Frente Povo Sem Medo, o Espaço de Unidade e Ação. Entendemos que é fundamental que esse processo avance, amplie suas áreas de atuação, envolvam o proletariado avançado e o movimento popular para se trabalhar no sentido da construção do poder popular.

    Também é preciso fugir da órbita das velhas organizações que estão morrendo com o velho ciclo em que se forjaram e, especialmente, das armadilhas do lulismo, que busca colocar as lutas das ruas a serviço da disputa eleitoral em 2018, na qual nem Lula sabe se será candidato. É fundamental buscar construir um caminho que rejeite tanto a conciliação de classe quanto a direita. A construção desse terceiro campo é o caminho mais difícil, mas é o único que pode construir uma alternativa dos trabalhadores para a crise.

    Portanto, devemos incentivar e participar de todos os esforços no sentido de contribuir para a reconstrução da esquerda socialista e do movimento sindical e popular classista. No caso do Bloco da Esquerda Socialista é importante ampliarmos nosso diálogo com as outras organizações que ainda não fazem parte do Bloco, com os coletivos, com o movimento sindical e popular. É fundamental ainda nesse processo de construção criarmos o Bloco nas principais cidades do Estado e, no médio prazo, organizarmos o Bloco por local de trabalho, moradia e estudo, de forma a transformá-lo numa poderosa ferramenta de luta dos trabalhadores e do movimento popular.

    Tudo leva a crer que a partir desse segundo semestre teremos uma disputa aberta entre o proletariado e a juventude contra a burguesia e todo o seu aparato. O resultado desse processo vai depender da capacidade das organizações políticas e sociais de esquerda encontrarem pontos em comum, tanto do ponto de vista orgânico quanto programático. Uma boa ideia nesse sentido é a proposta de construção de um grande Bloco de Lutas, a ser consolidado num Encontro Nacional dos Trabalhadores e do Movimento Popular, que reúna as organizações políticas e os movimentos sociais classistas e seja capaz de forjar um programa mínimo que possa colocar em movimento os trabalhadores, a juventude e o povo pobre dos bairros na luta pelas transformações sociais e pelo poder popular.

    Para se conseguir êxito nessa luta é necessário partir de suas reivindicações concretas contra o ajuste fiscal, o ataque aos direitos dos trabalhadores e pensionistas, o pagamento dos juros e amortizações da dívida interna, por terra, trabalho e moradia, em defesa do patrimônio nacional. Essas propostas estão vinculadas à vida cotidiana dos trabalhadores e poderão colocar em movimento milhões de pessoas nas ruas, locais de trabalho, moradia e estudo e levar a um processo que nos tire da crise e abra possibilidade para uma transição no interesse dos trabalhadores.
    Ousar lutar, ousar vencer

    Contribuição ao debate no seminário do Bloco da Esquerda Socialista da Insurgência/PSOL

    1. O fim do ciclo de governos do lulopetismo abriu um novo período na história política do país que poderá implicar em novos deslocamentos e recomposições estratégicas na classe trabalhadora e nos movimentos sociais. Mas este novo período começa com uma conjuntura desfavorável para os exploradoxs e oprimidxs. O governo Temer, que começa a se consolidar, expressa uma tentativa de ofensiva avassaladora do capital sobre direitos históricos, caso vitoriosa poderá implicar em regressão histórica em relação a própria Constituição burguesa de 1988.

    2. De outro lado, a crise do PT e do lulismo, sua vocação inequívoca para um projeto conciliador de classes, como na eleição da presidência da Câmara e as recentes declarações de Lula apaziguadoras em relação a Temer, estão abrindo um enorme espaço político à esquerda. Neste momento é fundamental recuperar a compreensão de os processos de lutas sociais e políticas da classe trabalhadora conformam uma unidade dialética, superando a prática reformista da “divisão de tarefas” entre partido (que basicamente disputa eleições) e sindicato/movimentos (que basicamente tratam de lutas econômicas).

    3. É verdade que no campo eleitoral o PSOL, organização com mais visibilidade na esqueda socialista, pode ser um desaguadouro massivo de votos de amplo setores da classe trabalhadora, da juventude, de inúmeros setores progressistas da sociedade. Não por acaso o PSOL nesta eleição está diante da possibilidade de vencer prefeituras de importantes capitais do país. Para o PSOL, não serão eleições como as municipais de 2012 e nem como as nacionais de 2014.

    4. Evidente que não estão nítidos vários imponderáveis de uma campanha eleitoral, e nem estão nítidos quais efeitos reais a nova lei eleitoral terá sobre as campanhas (campanha mais curta, menos tempo de TV, possibilidade de mesmo as candidaturas importantes do PSOL ficarem fora dos debates de TV). Mas é inequívoco que o PSOL entra nessas eleições com mais credibilidade, a própria vinda de Erundina para o PSOL já é em si uma demonstração de força da legenda, do crescimento do PSOL que lembremos saiu fortalecido da crise do impeachment.

    5. Se o decorrer da campanha vai confirmar o cenário favorável que as primeiras pesquisas mostram em diversas capitais e cidades importantes do país não temos certeza alguma, mas que o PSOL entra para disputar em outro patamar e larga em algumas capitais como um dos favoritos a ir ao 2º turno não há dúvidas.

    6. Este cenário não supera por si só a contradição de que embora o PSOL tenha influência eleitoral e que pode ocupar um espaço de massas no vácuo deixado pela crise do PT, o partido tem pouco enraizamento social, pouca base social organizada na classe trabalhadora, juventude. Tem muita entrada nas pautas de opressões, mas não tem maioria solidamente organizada nesses atores sociais.

    7. Mas isto não significa que devemos encarar as eleições e esse possível crescimento do PSOL com preconceito ou desconfiança a priori, dado que o crescimento institucional com baixa inserção social organizada pode agravar contradições e pressões burocratizantes ao partido. Pode mesmo. Mas a questão central a ser compreendida aqui é que nesta conjuntura que pode ser regressiva até historicamente, é muito progressivo, extraordinário até que seja possível ocupar um espaço de esquerda de massas no terreno eleitoral para uma alternativa por fora da esquerda tradicional.

    8. Devemos encarar as eleições deste ano como uma oportunidade excepcional de manter as ideias de uma esquerda não corrompida vivas no Brasil. Isto é muito importante nesta conjuntura reacionária onde o avanço da direita e a debacle do PT ameaçam a credibilidade das ideias de esquerda e socialista no país.

    9. Portanto, ocupar esse espaço pode ser decisivo para luta de muitos anos que será a de reconstruir um projeto de esquerda socialista de massas no país, se soubermos trabalhar corretamente nestas eleições sem nenhum tipo de hesitação, o crescimento do PSOL pode ajudar e muito no horizonte estratégico que é o de avançar na inserção social da esquerda classista. No caso de São Paulo, podemos ter protagonismo para dar um perfil de esquerda socialista na campanha majoritária e campanhas proporcionais.

    10. Afirmar que a CUT, principal central sindical, foi correia de transmissão do governo federal já é um lugar-comum. Parte significativa das derrotas da classe trabalhadora no país se deve à prática desta Central, comprometida até a medula com a política de colaboração de classes. Portanto, não é de estranhar que as reações mais necessária neste momento, como organizar grandes mobilizações rumo a uma greve geral para barrar as medidas nefastas à classe trabalhadora anunciadas pelo governo Temer, ou são objeto do silêncio por parte da Central, ou não passam de uma tímida reação diante da pressão de suas bases. Temem qualquer mobilização pela base e nada farão que possa colocar em risco a governabilidade burguesa e seu calendário eleitoral. Nada pretendem fazer que signifique um mínimo risco ao seu controle burocrático dos aparatos sindicais.

    11. Diante da letargia da CUT, o Brasil vivenciou, na última década, uma tentativa de reorganizar e unificar um setor classista do movimento sindical e popular, o CONCLAT. Todavia, esta tentativa saiu derrotada no ano de 2010, tendo como principal responsável a conduta hegemonista do PSTU. A fragmentação do setor classista aumentou resultando nas CSP-Conlutas e Intersindical, sendo que antes do CONCLAT um setor importante da Intersindical já havia rompido (mantendo o nome).

    12. Os sindicatos e suas direções que atuam nestas centrais de esquerda sempre foram críticos ferrenhos à estrutura sindical varguista, sustentada pelos pilares: imposto sindical, unicidade e carta sindical. Ou seja , o Ministério do Trabalho regula a forma organizativa do sindicato e lhe confere legitimidade. Porém devemos ter mente que apesar das boas intenções as centrais de esquerda e principalmente os sindicatos dirigidos pelos socialistas permanecem nesta estrutura atrelada ao Estado. Não foi à toa que o governo petista acenou com o reconhecimento formal das centrais sindicais, (hoje parte da estrutura sindical) bem como com as polpudas verbas oriundas de tal reconhecimento.

    13. No último período houve um boom por legalização de centrais pelegas no país. Neste quadro será cada vez mais difícil romper o cerco burocrático que desorganiza a classe trabalhadora se a esquerda não lutar pela liberdade e autonomia sindical. O sindicalismo classista vai precisar formular programas políticos para superar o corporativismo de categorias, criando pontes organizativas para os setores precarizados, mas também terá que buscar pressionar os setores Cutista/pelegos com táticas de frente única para a ação.

    14. As jornadas de junho de 2013 marcaram o país e apresentaram às organizações políticas da classe trabalhadora que estas precisam repensar as suas práticas: as organizações sindicais e as centrais que as representam não podem ser correias de transmissão dos partidos políticos. A autonomia e independência politica são reivindicações da ordem do dia.

    15. As mobilizações que ocorreram pós jornadas de junho nos acenderam o botão vermelho: os setores organizados da classe trabalhadora são, ainda, insuficientes para responder às demandas apresentadas pela classe que afirmam representar.

    16. O adesismo à estrutura sindical não nos parece uma saída plausível, por isto, afirmamos a necessidade de fugir das “facilidades” institucionais e construir um instrumento democrático, verdadeiramente autônomo e cujo reconhecimento seja legitimado pela organização de trabalhadores na base, seja nos sindicatos, no movimento popular, de juventude ou estudantil. O reconhecimento do Estado deve ser o resultado da legitimidade na base e não uma outorga institucional.

  •  Contribuição da APS e da Corrente Sindical e Popular: Resistência e Luta

    Estratégia da Revolução Socialista no Brasil.

    1-A utopia socialista como alternativa à barbárie capitalista
    Frente à crise que se abateu sobre a esquerda com a queda do Muro de Berlim e o fim da URSS, associada à ofensiva neoliberal e seu discurso de “fim da história”, não foram poucas as migrações políticas de setores, outrora de esquerda, para as fileiras dos que combatiam o socialismo como projeto histórico emancipatório ou para as alternativas de “3ª via”. Tais circunstâncias também atingiram fortemente o conjunto da esquerda no Brasil e o PT em especial. Assim, vivíamos uma situação paradoxal: por um lado, o neoliberalismo ainda encontrava-se fortalecido como ideologia dominante; por outro, seu modelo já era fortemente questionado. Argumentávamos que a utopia socialista continuava viva, pois o enorme desenvolvimento das forças produtivas, abrindo possibilidades para o fim da escassez e para a conquista de uma vida digna e livre para bilhões de pessoas, não foi acompanhado pela revolucionarização das relações sociais. Essa análise se mantém atual, pois o desenvolvimento das forças produtivas dentro do capitalismo continua abrindo possibilidades amplas e também, pela manutenção das relações sociais, gerando novos problemas e crises. A relação dialética entre desenvolvimento tecnológico/desemprego e precarização do trabalho; a ampliação das possibilidades para produção de alimentos (através da chamada “revolução verde”)/ poluição dos solos, águas e intoxicação humana via agrotóxicos; novas tecnologias da informação (abrindo novas possibilidades de luta social); circulação desregulada de capitais; vão mostrando cada vez mais que o capitalismo vêm se esgotando como modelo civilizatório, em que pese sua capacidade de se auto-reformar através da intensificação da exploração dos recursos naturais e forças produtivas existentes, convivendo com a destruição crescente do meio ambiente e de parte das suas próprias forças produtivas para dar lugar a outras novas. Além das relações “econômicas”, na esfera política colocávamos a dimensão autoritária do capitalismo como tendência predominante. Tais afirmações mostram-se bastante atuais com os “golpes de estado” dados pelo capital financeiro na Europa, com destaque para a realidade grega. Os limites das medidas paliativas e conciliatórias da social-democracia, que vão se mostrando cada vez mais insuficientes frente à sanha desmedida do capital. O desmonte das conquistas sociais obtidas em conseqüência da luta dos trabalhadores e que se refletiu na ampliação dos governos de cunho social-democrata no pós-guerra, é uma dura realidade que se estende a cada dia na Europa. E o pior, em muitos países como a ação ativa ou anuência da própria social-democracia. Mesmo na América Latina, grande parte dos partidos que migraram para a perspectiva “social-democrata” foram responsáveis por medidas de continuidade neoliberal com reformas regressivas (casos do Chile e do Brasil), sem realizar as reformas de caráter progressista realizadas nos países centrais da Europa e perifericamente em outras nações. Porém, o ciclo recente das relações sociais capitalistas tem ampliado os desastres sócio-econômicos e naturais, mesmo em ritmos e formas diferenciadas. Milhões de pessoas ainda passam fome, mesmo em países que tiveram crescimento econômico no período recente, vide a situação social dos países do propagandeado BRICS. Além disso, a crise ambiental torna-se cada dia mais grave e as alternativas propostas, como a “economia verde”, mostram-se limitadas e circunscritas à irracionalidade do capital, sendo uma nova variação das diretrizes do “desenvolvimento sustentável” surgido nos anos 60 e que não se constituiu como alternativa ao capitalismo predatório com os recursos naturais. Importante ressaltar que a questão ambiental vem sendo usada de forma ampla por diversos sujeitos sociais e a esquerda, mesmo com avanços em alguns setores, não tem conseguido realizar fortemente a disputa de massas em torno dela. Mas as lutas contra o Código Florestal, Belo Monte, megas eventos como a da Copa e agora as Olimpíadas, os PDDUs, entre tantos outros, vem chamando cada dia mais atenção para esta questão. Coloca-se como necessidade transformar a questão ambiental em pautas políticas que consigam mobilizar a maior quantidade possível de ativistas, articulando questões concretas do cotidiano das pessoas com uma pauta global por outro projeto de civilização.

    Romper o cerco ideológico anti-socialista
    Desenvolve-se, portanto, um terreno fértil em condições objetivas e subjetivas para se recolocar o socialismo como alternativa. Sem dúvidas, é preciso romper o cerco ideológico ocasionado pela crítica, em grande parte legítima, às experiências concretas dos regimes burocráticos do Leste Europeu e pelo enraizamento ideológico do neoliberalismo, que ainda não foi rompido totalmente. Infelizmente, a adesão, em grande parte da Europa e na própria América Latina, da social-democracia e alguns PCs reformistas ao neoliberalismo, dificultou a criação de instrumentos alternativos de massa com ampla penetração nos setores oprimidos e explorados das sociedades na qual se inserem. Em parte por dificuldades de romper o cerco político e ideológico dos antigos representantes da esquerda, em parte por carências de formulação e falta de política organizativa que os permitissem captar novos elementos da luta de classes e dialogar com os novos sujeitos sociais, marcados por identidades e inserções variadas no sistema em cada estado nacional. Coloca-se como atual, até por ter sido uma tarefa não cumprida pelo conjunto da esquerda, inclusive nós, a necessidade de os “revolucionários e democratas radicais de todos os povos a tarefa de um balanço programático. Um redelineamento de seus projetos de uma nova sociedade. É candente a necessidade de construção de uma nova síntese, que capacite os movimentos populares a um enfrentamento contra-hegemônico eficaz contra o mito burguês de que a história alcançou seu final” (Força Socialista, 99, p. 10).
    É certo que o capitalismo precisa ser substituído e a teoria marxiana nos aponta caminhos gerais. As contradições intrínsecas ao modo de produção capitalista geraram não apenas a classe social capaz de derrubar a ditadura do capital, como apontam o socialismo como o modo de produção para substituir o capitalismo. Mais de um século e meio depois de formulada, os fundamentos da teoria socialista ainda estão atuais, a despeito do que afirmam muitas teorias e ideologias burguesas e pequeno-burguesas. Mas, apesar das permanências, o desenvolvimento do capitalismo trouxe diversas inovações que precisam ser analisadas à luz mesmo do marxismo. A nova composição do operariado e do mundo do trabalho, a derrocada dos chamados regimes burocráticos, o processo de recomposição do capitalismo nestes países, a nova geopolítica mundial, a crise estrutural do capitalismo, a cooptação de segmentos importantes de revolucionários aos quadros da burguesia e do aparato estatal, o papel mundial desempenhado pelo “consentimento” (para usar uma definição gramsciana), o declínio do internacionalismo proletário e a fragmentação da luta revolucionária - assim como a retomada da resistência que agora assistimos - são apenas alguns desses novos elementos que ainda precisam ser melhor analisados. E nós estamos presentes neste esforço.

    A atualidade do resgate histórico da Resistência Indígena, Negra, Feminista e Popular Nenhuma revolução socialista terá êxito se não assentar-se nas tradições de luta e nas características culturais do seu povo. A discussão sobre o sujeito histórico da revolução não se restringe às dimensões políticas e econômicas strictu senso, até porque ambas fazem parte de uma totalidade complexa, envolta na cultura dos diversos segmentos sociais que forjaram o povo brasileiro. As desigualdades raciais e de gênero fizeram, e ainda fazem, parte dos mecanismos de dominação, gerando também 512 anos de resistência. Partindo desta constatação, afirmamos em nossas resoluções de 1999, reafirmadas em 2004, que “é preciso que os socialistas tenham claro e pratiquem, desde já, o combate às desigualdades e discriminações gênero, etnia, raça, religião e orientação sexual, bem como se pautem pela defesa dos direitos humanos. Combate este que exige aprofundamento na transição socialista com a aplicação de políticas de ação afirmativa em todos os níveis. No Brasil, a opressão de gênero e etnia, especialmente dos indígenas e afro-descendentes, tem sido reproduzida, adaptada e ideologicamente disseminada no meio do povo, em cada etapa do desenvolvimento do país, desde a invasão dos portugueses. Cabe, portanto, conferir centralidade, hoje, a estas temáticas para que o socialismo, de fato, abra caminho para uma fase da história que elimine estas manifestações” (FS, 99, p. 19). Interessante observarmos que, mesmo que a adoção de políticas de ações afirmativas tenha se ampliado no Brasil no início do século XXI, as desigualdades de raça ainda são fortes, sendo os negros, chamados de “pardos” e indígenas as principais vítimas da pobreza, da violência estatal e das milícias privadas, seja ela por a) motivações puramente racistas (ataque ao “tipo suspeito”); b) em decorrência da criminalidade; c) despossessão de comunidades tradicionais (indígenas e quilombolas); d) ou criminalização de movimentos sociais rurais e urbanos (como mostra o recente caso de Pinheirinho). No Brasil, onde dados recentes mostram que negros e “pardos” já constituem oficialmente a maioria da população brasileira, a questão racial não pode ser totalmente resolvida nos marcos do capitalismo, onde as ações circunscritas às cotas, mesmo sendo importantes e defendidas por nós, só atingem uma parcela destes segmentos. A necessidade de articular ações afirmativas e políticas públicas universais coloca-se na ordem do dia, sendo importante mecanismo de luta contra um estado que, mesmo aceitando fazer pequenas concessões no período recente, continua a serviço das minorias políticas e econômicas nacionais negando estes direitos no geral e a demarcação dos territórios quilombolas. Quanto às mulheres, as desigualdades de gênero ainda persistem e os tímidos mecanismos de combate a este quadro são fortemente combatidos pela elite nacional ou por setores religiosos. O recente ataque às medidas punitivas contra empresas que pagam salários diferentes para homens e mulheres no exercício da mesma função e com mesma formação, mostra que a desigualdade econômica de gênero é funcional à exploração da classe trabalhadora. As restrições aos direitos da mulher sobre seu próprio corpo continuam fortes. Porém, a modificação deste cenário depende da intensificação das lutas sociais e do intenso combate ideológico à naturalização das diferenças entre homens e mulheres. Estas lutas devem estar vinculadas a objetivos estratégicos mais amplos, significando um resgate das mais diversas e variadas tradições de luta de nosso povo. Continua sendo muito importante resgatar as experiências e símbolos que demonstrem que o povo brasileiro lutou, resistiu e até mesmo desenvolveu experiências em contradição com a ordem desigual e injusta a que sempre foi submetido (como os quilombos e outras). Infelizmente, sempre fizemos isso de forma muito parcial e raras vezes articulada nacionalmente. A exceção à regra foram as mobilizações críticas às comemorações dos 500 anos de conquista portuguesa e as iniciativas regionais, especificamente em Belém e em Salvador, que buscaram de modo mais sistemático realizar disputas eleitorais e nos movimentos sociais amparadas simbolicamente na trajetória de resistência indígena, negra, feminista e popular.

    Nossa estratégia socialista para o Brasil Nas partes anteriores do presente texto, problematizamos sobre alguns elementos que orientam as nossas concepções estratégicas sobre o socialismo no Brasil. Nas resoluções de 99 e 2004 dizíamos que “uma estratégia é um caminho geral, provável e possível para chegar a um objetivo. O nosso objetivo é o socialismo: uma sociedade democrática, multi-cultural e pluri-étnica, onde o povo governe superando todas as formas de exploração, dominação, opressão e discriminação entre homens e mulheres e preservando a natureza Desde o ponto de vista histórico, a análise da gênese dos diversos modos de produção conhecidos indicam que as transformações ocorridas tem um importante elemento em comum: tanto o modo de produção asiático, quanto o escravismo, o feudalismo e/ou o capitalismo, surgiram como germes dentro do modo de produção imediatamente precedente. As relações de produção burguesas foram se estabelecendo paulatinamente dentro do feudalismo até que se tornaram dominantes. Isso se explica porque todos esses sistemas estavam assentados na propriedade privada dos meios de produção e na exploração do homem pelo homem. Essa dinâmica é impossível na revolução socialista. Só a partir da conquista do poder estatal poderemos modificar as bases da economia, e não o inverso. Isso porque a revolução socialista tem como um dos princípios fundantes a expropriação da burguesia, o fim da propriedade privada dos meios de produção e o fim da exploração. Mas, a construção de um “caminho geral, provável e possível” deve partir, segundo nossas resolução de 1999 e 2004, das particularidades nacionais e de como estas se relacionam com o mundo capitalista contemporâneo. Portanto, nosso caminho para o socialismo no Brasil deve partir da “realidade de um país onde o capitalismo se afirmou sem passar pela realização de uma reforma agrária; onde a ascensão burguesa se deu de uma forma passiva; e onde o processo de industrialização permitiu, em determinado momento, o surgimento de um proletariado industrial numeroso e concentrado em grandes unidades produtivas, empresas e centros urbanos, mas não rompeu a dependência econômica do Brasil em relação ao imperialismo, que ora vem se aprofundando. Mesmo não sendo uma sociedade do centro capitalista, em nosso país gestou-se a possibilidade de construção do socialismo em condições estruturais menos difíceis do que em vários países onde já ocorreram processos revolucionários. Um país onde ainda não se constituiu uma força política revolucionária capaz de derrotar as classes dominantes, mas cujo povo tem uma tradição de luta desde a ocupação de nosso território pelos portugueses. Um país onde, nos anos mais recentes, o povo trabalhador obteve importantes acúmulos políticos nos movimentos sociais e na institucionalidade estatal, os quais, mesmo com importantes ambigüidades estratégicas, vacilações táticas e mesmo retrocessos, são resultado da luta popular e expressão de sua vontade de transformações (APS, 2004, p. 06). Entretanto, como veremos adiante, a nova situação instalada com a estabilização da hegemonia política burguesa a partir do governo Lula da Silva, piorou a correlação de forças para a luta socialista. No geral, podemos observar que o país não passou por alterações estruturais fundamentais das questões postas em nossas resoluções de 1999 e reafirmadas em 2004, mas não podemos ignorar que houve mudanças econômicas e políticas importantes nas relações capitalistas internacionais e que isto teve um impacto direto na forma como o país relacionou-se com o imperialismo no período recente e na sua própria correlação de forças interna. Continuamos sendo um país com infraestrutura razoavelmente desenvolvida, principalmente se a compararmos com alguns países da América Latina no período atual e até mesmo com aqueles que passaram por experiências revolucionárias no século XX (Rússia, China e Cuba, por exemplo).Porém, o desenvolvimento desta infraestrutura continua subordinado a uma dependência estrutural da economia brasileira, mesmo que esta tenha mudado, parcialmente, de eixo, deslocando-se do ocidente (particularmente dos EUA) e ido para o oriente (particularmente para China). No Brasil, grande parte dela está voltada a uma dinâmica de especialização regressiva, onde a produção de commodities agrárias e minerais tem sido o centro do nosso desenvolvimento econômico recente (ver Resolução de Conjuntura Internacional).

    A questão do sujeito histórico revolucionário
    Os limites da esquerda frente a esta situação nos leva a avaliar a questão do sujeito histórico,apontando quais elementos se mantém atuais em nossa formulação e o que precisa ser compreendido e quais ações políticas podemos e devemos desenvolver. As recentes mudanças nas relações sociais de produção geradas pela revolução tecnocientífica e a mundialização dos mercados mudou bastante o perfil das classes sociais, conforme citação feita anteriormente. O Brasil é um país plenamente capitalista com grande concentração de cerca de 80% de sua população vivendo nas cidades, principalmente grandes e médias. O povo brasileiro, são dezenas de milhões de mulheres e homens que vivem do trabalho. Estão espalhados por todo o país, produzindo sob diversas relações de trabalho. Desde o assalariamento formal (carteira assinada) ou informal (sem carteira) a diversas e múltiplas formas supostamente não assalariadas, ainda mais precarizadas, sob a forma de autônomos, cooperativizados de fachada, “empresários” individuais, etc. Formas diversas encontradas pelo capital para melhor explorar o trabalho. Estão na indústria, no comércio, no setor de serviços, no setor financeiro, na agropecuária, na mineração e em atividades domésticas. São trabalhadores do setor privado e servidores públicos e do chamado terceiro setor. Vendem sua força de trabalho diretamente ao patrão, ou sendo terceirizados e quarteirizados. Há uma massa de milhões de precarizados, sub-empregados, desempregados sazonais ou crônicos. Há os que desistiram de procurar emprego. São operários e camponeses. Sem terra, sem teto e moradores em bairros e localidades rurais precárias. São dezenas de milhões que vivem, em sua grande maioria, com um salário menor do que deveria ser o salário mínimo. São trabalhadores “manuais” e “intelectuais”. Mas são também alguns milhões que são pequenos produtores individuais ou coletivos. Que trabalham e produzem coletivamente em formas tradicionais como os indígenas, quilombolas, posseiros, extrativistas. Ou organizações novas de produção coletiva no campo, na economia solidária, em fábricas ocupadas, cooperativizados autênticos. Ou pequenos produtores individuais, camponeses com pouca terra, artesãos, pequenos comerciantes e pequenos empresários. E não podemos esquecer as donas de casa, cujo trabalho não tem visibilidade e é desconsiderado. Enfim, é um imenso mundo de proletários e pequenos produtores que, sob diversas formas, vendem sua força de trabalho para a realização da mais valia e são desprovidos dos meios de produção. Ou seja, mesmo os que não têm patrão, também estão inseridos no ciclo de reprodução do capital. São todos trabalhadoras e trabalhadores. São o mundo do trabalho. São os que vivem do trabalho. Esta é a classe dos que vivem do trabalho e não da exploração. várias outras identidades e diferenças. São iguais, porque vivem do trabalho e estão do outro lado do capital. Tem as diferenças impostas pelo capital, que fragmenta a classe objetivamente com suas múltiplas formas de relações de exploração, opressão e dominação. Mas tem também as diferenças de nossas identidades valorizadas positivamente. São mulheres e homens; negros, brancos, indígenas, orientais, mestiços de vários tipos; de muitas origens étnicas brasileiras e imigrantes de todos os recantos do mundo, voluntários ou forçados por diásporas. São LGBTs, jovens, adultos, idosas e idosos, portadores de deficiência. Com tradições regionais, religiosas, culturas diferenciadas e tradições impostas pelos dominantes ou de resistência e luta. Que valorizam estas identidades e diferenças positivas, mas lutam pela igualdade substantiva, como trabalhadoras e trabalhadoras – que só pode ser real com o fim da exploração do capital. E o capital que nos separa é o capital que nos une na luta contra ele. Este é o povo. São a base social onde repousa a possibilidade de se construir uma vanguarda social, política e cultural. Desta base social, todo dia nascem lideranças espontâneas, uma vanguarda social. Esta é a base da sociedade de onde nasce a força social revolucionária, os intelectuais do povo que dirigem as grandes organizações e frentes de mobilização e luta das massas populares de nosso país. De onde nasce o sujeito de vanguarda política, ideológica e cultural: as organizações político-partidárias socialistas, comunistas, revolucionárias reformistas radicais, libertárias, emancipadoras. Estes são os que vivem do trabalho. Estes são o povo explorado, oprimido e discriminado. Estes são os únicos capazes de se emancipar, emancipando o Brasil e a humanidade. Por isso, nós da APS cantamos: “eu sou do povo, sou comunista, sou da Ação Popular Socialista”.

    Desafios estratégicos Compreendemos que o socialismo no Brasil não deve restringir-se à “luta de pequenos grupos sectários ou mesmo militarizados, nem apenas sustentada em articulações de cúpulas governamentais, parlamentares, sindicais ou partidárias” e que “a revolução social só poderá nascer como fruto de uma imensa luta de massas, como tarefa de milhões de brasileiros”. Porém, sermos “amplos” e combater a “estreiteza” de determinadas formas de luta e organização da esquerda brasileira não deve ser confundido com adaptação a cenários políticos e eleitorais dominantes, muito menos utilizarmos dos mesmos expedientes que as elites usaram historicamente (e o PT e PCdoB mais recentemente), em nome de um “projeto de poder” fluido e sem objetivos táticos e estratégicos bem definidos. Nosso acúmulo de forças deve se dá na perspectiva da ruptura revolucionária ao socialismo. É por isso que é imprescindível uma organização política para operarmos essa transformação, e o partido revolucionário é uma necessidade objetiva. Que forma terá esse partido depende de cada contexto histórico e de cada país. A dialética das transformações estruturais do capitalismo, principalmente no campo das relações no mundo do trabalho e no enfrentamento com a burguesia, coloca novas formatações do partido, mas este ainda continua indispensável. Enquanto instituição, não é partido que deve conquistar o poder. Quem deve fazer isto são as organizações de massa dos trabalhadores e do povo, mas o partido é necessário para dirigir politicamente este processo. A efetivação do socialismo como luta de massas só será possível se milhões de brasileirosemergirem à luta política, desenvolvendo diversas formas de experiências políticas, sociais, econômicas, culturais e até mesmo administrativas na sociedade civil e no estado, dentro da perspectiva do acúmulo prolongado de forças para o socialismo. A luta de massas e nossa intervenção na institucionalidade burguesa devem ser orientadas por ações de combate aos monopólios, latifúndios, imperialismo e ser sempre radicalmente democrática e transparente com as instituições públicas. Trata-se, portanto, da luta de massas orientada por um projeto emancipador, tendo os diversossetores sociais explorados e oprimidos como sujeitos e o partido como elemento de direção e unificação de contradições no seio do povo oprimido – que são perspectivas distinta, porém um mesmo projeto político estratégico.

    Objetivos Estratégicos no acúmulo de forças O “objetivo maior de nossa atuação militante é contribuir para que milhões de brasileiros participem da luta e dos movimentos políticos de caráter popular”. Dentro deste objetivo maior, elencamos como objetivos estratégicos: “a) a construção de um movimento de massas classista, democrático e socialista; b) um movimento que resgate e recupere nossa história de luta e a diversidade étnica, cultural e regional do nosso povo, ao mesmo tempo em que desenvolve a solidariedade internacionalista; c) a construção de organizações de massa, dos mais diversos setores, enraizadas nas bases e em crescente superação do corporativismo e do burocratismo; d) um partido socialista, revolucionário, democrático e de massas; que organize os trabalhadores e o povo, contribuindo decisivamente nas suas vitórias, desde a realidade cotidiana até os grandes conflitos da luta de classes. Tendo também uma competente ação institucional; e) a formação de uma corrente de pensamento socialista na sociedade; f) e uma frente política com amplitude, radicalidade e unidade capazes de defender e realizar um programa democrático e popular em direção ao socialismo”. Ressaltamos também aqui, até pelo peso que a questão vem tendo entre nós, que nossas alianças, dentro e fora dos momentos eleitorais, subordinam-se à execução de um programa democrático e popular que acumule para o socialismo. Isto é, amplitude e radicalidade devem estar associados. Do contrário, caímos no taticismo eleitoralista e institucionalista que desconecta as lutas do hoje com nosso projeto do amanhã. Destacamos que os objetivos estratégicos gerais sempre se expressam concretamente em cada período. Uns de modo mais imediato e outros exigindo alguns objetivos intermediários. Porém, todos se colocam como essenciais se quisermos viabilizar nosso projeto histórico. Cabe à nossa corrente organizada traçar prioridades entre estes objetivos e até mesmo identificar as fases de transição para que possamos alcançá-los (casos do movimento sindical e popular e do partido). Hoje, eles se expressam nos 10 pontos que vão ao final desta resolução. Assim, o acúmulo prolongado de forças “se desenvolverá com a utilização das mais diversas formas e instrumentos de luta, dentro e fora da institucionalidade, na sociedade e por dentro do estado [ ... ] Portanto, quando falamos em acúmulo de forças prolongado, estamos falando principalmente numa ação estratégica que requer o exercício e o cumprimento de tarefas e vivências políticas, organizativas, culturais, administrativas, militares e econômicas. Tarefas e vivências a serem cumpridas, não somente pelos setores de vanguarda política, mas pelos próprios trabalhadores e o povo. Portanto, o sentido do acúmulo de forças prolongado é menos o de uma ação prolongada no tempo e mais o da necessidade de serem cumpridas certas tarefas para que se possa viabilizar vitoriosamente uma ruptura revolucionária”.

    Movimentos sociais, luta institucional e revolução A relação entre os movimentos sociais, a luta institucional e a revolução tem se constituído como uma das maiores polêmicas no período recente da história da esquerda. Em 2004, afirmávamos que “os mais diversos movimentos populares têm um papel estratégico a cumprir na luta pelo socialismo no Brasil e para a sua construção após a conquista do poder. Não têm somente motivações imediatas e muito menos podem ser vistos com objetivos exclusivamente eleitorais”. Nesta mesma resolução, afirmamos também que “a auto-organização popular é um dos objetivos centrais. Sem isso, não haverá revolução socialista. Mas num país e num período como o que vivemos, a luta revolucionária exige também a intervenção nos espaços institucionais do estado” (APS, 2004, p. 15). Como se pode ver, nesta como em outras passagens, o destaque sempre é dado para nossa ação direta nas lutas populares visando sua auto-organização. Na nossa intervenção na institucionalidade estatal burguesa “podemos mostrar o que somos e contribuir para melhorar as condições de vida do povo. Mas esta não é uma tarefa puramente administrativa e feita "para o povo". Trata-se centralmente de fazer isto ampliando a disputa de hegemonia na sociedade, o que exige uma profunda e crescente participação popular nas decisões de governo”. Sabemos que a ruptura com esta ordem social, política e econômica não está posta na ordem do dia, mas a necessidade do acúmulo prolongado de forças continua sendo questão central em nossas formulações. Este acúmulo de forças pressupõe ações visando organizar um amplo movimento de massas autônomo organizativamente e ideologicamente em relação à burguesia, sendo que faz parte desse processo a nossa intervenção na institucionalidade estatal burguesa, nos poderes legislativos e executivos. Porém, esta atuação não visa o “melhorismo” e muito menos aposta principalmente na possibilidade de conquistas materiais efetivas a partir da luta institucional, sem combiná-la com a luta popular. Portanto, por mais que atuemos também por dentro do Estado, nossa arena principal de combate à hegemonia burguesa é a sociedade civil, especialmente a de caráter popular. Nosso objetivo é a ruptura com esta institucionalidade e não a sua legitimação junto ao povo. Nosso objetivo é a revolução socialista. As conquistas parciais, quando estas ocorrem, devem servir de incentivo para a organização do povo, mas devem também ser utilizadas para mostrar os limites que esta ordem impõe para a superação das condições de vida da maioria. A estabilização da hegemonia política burguesa no Brasil (a partir do governo Lula da Silva) manteve grande parte do povo sem grande participação na vida política do país e grande parte da antiga “esquerda” circunscrita ao jogo político burguês, tanto no conteúdo quando na forma de conduzir os governos nas mais diversas esferas. A perspectiva colocada por setores da esquerda combativa, de priorizar a via institucional, tende a nos manter reféns de uma institucionalidade que é feita para reproduzir interesses de classe antagônicos aos nossos e que, diga-se de passagem, também disputa as vanguardas sociais populares. Os mecanismos de burocratização; o pragmatismo eleitoral; o rebaixamento programático; o descolamento estratégico da ação institucional são só alguns dos sintomas deste processo. E este descolamento já está se dando hoje na prática da dissidência.

    A atualidade e a compreensão coerente do Programa Democrático e Popular
    O PDP, conforme discussões postas até aqui, sustenta-se nos eixos anti-latifundiário, anti monopolista, anti-imperialista e democrático radical. Continua válida a compreensão que cabe aos trabalhadores/as e oprimidos a resolução da questão nacional, amparada na afirmação da soberania em relação ao imperialismo e voltada para atender as grandes demandas nacionais da classe-que-vive-do-trabalho, gerando as condições objetivas e subjetivas para a revolução socialista. Sabemos, entretanto, que a conquista do Governo Democrático e Popular pela via eleitoral e como reflexo do acúmulo de forças dos segmentos democráticos, populares e socialistas na sociedade civil e em parcelas do Estado, não está posta no horizonte imediato da esquerda. Porém, as análises e diretrizes que orientaram a elaboração do PDP continuam atuais, mesmo com a carência de atualizações já diagnosticadas em nossas resoluções de estratégia de 2004 e mesmo nesta contribuição.A renúncia da burguesia nacional e seus novos sócios a um projeto nacional autônomo, ao contrário das teses “etapistas” ainda existentes na esquerda e que de alguma forma parece ter ganhado força, ainda faz parte da nossa realidade. Continua válida a constatação que “nenhum segmento do grande capital interno tem interesses antagônicos ao imperialismo e que: 1) A acumulação capitalista brasileira e internacional ainda mantém-se circunscrita aos limites impostos pelo capital financeiro, mesmo que este, para adquirir estabilidade e se retroalimentar, possa aceitar pequenas inflexões direcionadas aos setores produtivos. Isso não significa mudanças estruturais no Brasil, muito pelo contrário. O fato de termos nos tornado o 6° PIB do mundo não mudou a realidade de que nossa “ascensão” continua sendo a partir de atividades intensivas em recursos naturais sem alavancar nossas capacidades internas de uma via particular de desenvolvimento voltada aos interesses da maioria. Mas isto só será possível com um rompimento da dependência. E este rompimento só virá com a ruptura revolucionária socialista. Continuamos, mesmo com nuances pontuais, sendo uma economia dependente e controlada a partir dos grandes centros capitalistas, sejam eles antigos ou novos. A própria “perspectiva nacional” adotada pelo PT, como já colocamos anteriormente, continua mantendo a estrutura social nos limites impostos pela integração subordinada de “nossas” elites ao capitalismo internacional.

    Desenvolvimentismo burguês não é Programa Democrático e Popular O discurso “desenvolvimentista” – e até de “Brasil Grande Potência – parece muito mais uma retórica ufanista do que uma ação governamental soberana. Mesmo quando analisamos ações “desenvolvimentistas”, observamos que estas, além de mitigadas, priorizam o fortalecimento da infraestrutura necessária para a manutenção de um papel subordinado do Brasil no cenário capitalista contemporâneo.Afirmamos, portanto, “três conclusões se impõem quanto à questão nacional, no quadro do capitalismo dependente, hoje: 1) a dominação burguesa não resolve o problema nacional; 2) a burguesia nativa tem certas contradições com o capital estrangeiro, mas não ao ponto de assumir as demandas nacionais; 3) a ordem do capital desencadeia movimentos que operam para a desconstrução da Nação”. Analisando estas questões, observamos que elas colocam-se como atuais, embora, quanto à terceira, o governo tenha feito algumas iniciativas para reforçar parte das empresas nacionais, ampliar o mercado interno e criar um clima ideológico de melhora da autoestima nacional. Isto é, o PT e seus aliados, nas próprias palavras de Delfim Neto, salvaram o capitalismo no Brasil ao retomar certo papel do Estado nacional na economia, mesmo que este tenha perdido importantes núcleos estratégicos com as privatizações na era FHC e com a continuidade das privatizações na era Lula/Dilma. Por isso, não foram poucos os elogios e financiamentos de campanha da burguesia brasileira ao projeto do PT no governo. Entretanto, somos categóricos ao afirmar que o abandono do PDP pelo PT e PCdoB ou a sua substituição por uma proposta desenvolvimentista burguesa só servem para desarmar os ativistas sociais e reduzir a necessária polarização entre os trabalhadoras/es e demais oprimidos e a burguesia nacional, estrangeira e associada. Além disso, mesmo com a ampliação do emprego formal e certas mudanças conjunturais na capacidade de consumo popular – o que contribuiu para os altos índices de popularidade dos governos petistas – não devemos confundir isso com um regime social-democrata, tipo Estado do Bem Estar Social. No máximo, podemos constatar que o segundo mandato de Lula aproximou-se, pelas razões já elencadas aqui, de um social-liberalismo periférico, sustentado e abalado ao mesmo tempo por um cenário internacional que em grande parte dos seus mandatos foi favorável. Sendo que esta situação só mudou de 2008 para cá, com o agravamento da crise estrutural do capitalismo. Já no PSOL, atualmente existem duas pressões sobre o PDP. Uma já bem conhecida, que tem perdido peso e influência no partido. Outra, mais recente, que tenta moderar o programa tentando caracterizá-lo como não classista, e que não visa uma transição ao socialismo. Ou reduzi-lo a um papel eleitoral ou a uma estratégia eleitoral de conquista do socialismo. Ou valorizando seus elementos supostamente mais democráticos em detrimentos dos mais “populares”, como o anti-imperialismo e anti-monopolismo e seu caráter antilatifundiário. É preciso, assim, reafirmar o legado do seu caráter. Assim, continua atual o fato de que continua cabendo “aos trabalhadores e às forças populares retomarem com vigor a elaboração e a defesa de um Projeto Nacional na sociedade brasileira [...]. Um projeto que se proponha a inspirar um amplo e vigoroso movimento de massas, por reformas profundas no país. Reformas estas traduzidas em objetivos, metas e propostas facilmente compreensíveis e capazes de ganhar o imaginário e de empolgar as maiorias nacionais para as idéias de democratização da propriedade, da renda, da comunicação e do poder” e que esse projeto (o PDP) “se volta, prioritariamente, para o enfrentamento dos grandes problemas do nosso país. Dentre eles: a perda da soberania nacional; o desemprego; a concentração da riqueza, da propriedade (especialmente da terra) e da renda; a fome; a pobreza; o mito da “democracia racial” brasileira que relega a população negra e seus descendentes à condição de ‘desclassificados’; a discriminação que pesa sobre as mulheres e à livre orientação sexual; as diversas formas de agressão e desrespeito aos direitos dos povos indígenas; o desmonte dos serviços públicos; a crise urbana; o esgotamento da infraestrutura básica; o controle que os oligopólios privados exercem sobre a vida nacional; a educação; a saúde; o monopólio privado dos meios de comunicação; o elitismo, o autoritarismo e a ineficácia do Poder Judiciário; a marca antidemocrática do sistema político e partidário; a tutela militar incrustada na Constituição; a militarização da polícia e seu sentido de força de extermínio contra os ‘deserdados da terra’ etc.” (APS, 2004, p. 19).

    O PDP não foi realizado no Brasil e continua atual Apesar das variações conjunturais destes problemas, nenhum deles foi de fato resolvido pelos mandatos do PT e - fora do atual verdadeiro campo de esquerda - não há outra alternativa disposta a enfrentá-los com a radicalidade necessária. Portanto, continuam servindo de orientação para nossa ação nos movimentos sociais e na institucionalidade estatal burguesa as medidas centrais que o PDP coloca como a suspensão do pagamento da dívida externa, acompanhada de auditoria; reestatização de um núcleo de empresas estratégicas; estatização do sistema financeiro; efetiva distribuição de renda; elevação significativa do valor real dos salários; reforma agrária; reforma tributária que sobretaxe a especulação financeira, penalize os ricos, elimine os impostos indiretos e favoreça o combate à sonegação e à corrupção; mecanismos de controle social da economia; a construção de uma verdadeira federação; a desprivatização do estado; o controle dos oligopólios; a reforma do sistema eleitoral para garantir o princípio de a cada cidadão um voto e de eliminar a escandalosa distorção da representação parlamentar dos estados; a democratização da propriedade e do acesso aos meios de comunicação de massas; democratização e controle externo do judiciário; fim da tutela militar sobre as instituições políticas; democratização das Forças Armadas combatendo a doutrina da "Segurança Nacional"; desmilitarização das polícias; regulamentação dos dispositivos constitucionais que viabilizam a prática do plebiscito, do referendo e da iniciativa popular na proposição das leis; fim do Senado enquanto câmara revisora; garantia dos direitos sindicais e da livre organização dos trabalhadores no interior das empresas. Devemos realizar uma intervenção política amparada no PDP e dialogando com os elementos conjunturais onde ele se apresenta como alternativa, isto é, devemos ter uma leitura da nossa referência programática contextualizada com a situação atual dos sujeitos que queremos conquistar para sua efetivação. Mas não rebaixar seus fundamentos e eixos. 131- Assim, o PDP ainda é a nossa referência programática básica e se configura como um programa de enfrentamento do imperialismo e da burguesia brasileira, não cabendo para nós a associação com segmentos das elites nacionais ou regionais em torno de um suposto “desenvolvimentismo” – como vem acontecendo com o PSOL no Amapá. A defesa do PDP também não deve se confundir com discursos e ações meramente eleitorais. A sua defesa, e até mesmo implementação a partir de experiências executivas, deve sempre representar um processo de politização e intensa luta ideológica, visando sempre a construção, fortalecimento e ampliação de um movimento de massas disposto a superar os obstáculos econômicos, políticos e ideológicos postos para a melhoria das suas condições de vida, somente universalmente possível em outra forma de organização societária, que será resultado da revolução socialista. O PDP deve adquirir formato concreto que nos permita dialogar com o povo a partir de propostas e metas plenamente compreensíveis, mas isto não deve se confundir com o pragmatismo e o esvaziamento do seu conteúdo radical em nome do “realismo”, do “diálogo com o povo” e da “vida real”, como se a “vida real” não fosse uma construção humana, capaz de reproduzir ou superar relações de dominação e exploração. Assim, “a contrapartida para que o processo de ruptura e transição se viabilize é a construção de um novo poder. Da nova democracia que se constrói por dentro da velha sociedade e contra o velho estado. A efetivação do poder dos trabalhadores e do povo só será possível numa conjuntura de avanço generalizado de consciência e organização, quando houver uma crescente compreensão por parte das classes populares de que este velho poder burguês não tem mais condições de atender às suas expectativas imediatas e futuras; e quando uma força política se apresentar aos olhos do povo como capaz de resolver esta contradição”. Sabemos que a incorporação do PT à hegemonia burguesa no Brasil gerou um ciclo de crença do povo (e até mesmo dos seus setores mais ativos politicamente) na sociedade capitalista e suas instituições. Além disso, conseguiu colocar em relativo isolamento os segmentos da esquerda. Porém, as questões centrais postas para a construção de uma sociedade igualitária, democrática e soberana não foram resolvidas por este governo e nem se encontra em seu horizonte tal objetivo. Existe, portanto, a necessidade e possibilidade histórica de forjarmos uma nova alternativa de massas que coloque a perspectiva do socialismo para o povo brasileiro.

    Nossos objetivos estratégicos hoje
    Por outro lado, como já vimos, precisamos incorporar nos eixos definidores do PDP o ecossocialismo e o resgate da tradição dos 500 anos de resistência. Assim sendo, nossos objetivos estratégicos se contextualizam da seguinte maneira:
    I. Desenvolver e afirmar junto aos movimentos sociais, em nossa ação parlamentar e em todos os espaços estatais (como prefeituras) e da sociedade civil onde estejamos presentes, uma plataforma de reivindicações e programas de governo pelos direitos do povo e em defesa da nação, com base no Programa Democrático e Popular, que tem os seguintes eixos: anti-imperialista, anti-monopolista, anti-latifundiário, ecossocialista, radicalmente democrático e que resgate os 500 anos de resistência e luta contra todas as opressões.
    II. Aprofundar a construção da Oposição Programática de Esquerda aos Governos federal, estaduais e municipais.
    III. Realizar Frentes de Mobilização Popular com todos os que lutam contra as políticas neoliberais e todas as suas conseqüências nefastas para as condições materiais, culturais, políticas e ambientais, de vida e trabalho, do povo e da soberania nacional.
    IV. Lutar por sindicatos únicos e por um sindicalismo anti-capitalista, classista, combativo e democrático. Defender a unidade de todos os setores combativos numa única central sindical e popular.
    V. Colocar as demandas da juventude, das idosas/os, dos negros/as, dos povos indígenas, do movimento LGBT e das mulheres como questões centrais da agenda nacional.
    VI. Travar a luta ambiental com um caráter anti-capitalista e com uma perspectiva ecossocialista.
    VII. Lutar pela garantia dos direitos democráticos de expressão, manifestação, organização e luta, contra a criminalização dos movimentos sociais combativos e as iniciativas em curso de reforço do caráter autoritário e coercitivo do estado que visam garantir os interesses da classe dominante e realizar faxinas étnicas.
    VIII. Avançar na solidariedade ativa e nas lutas comuns com os trabalhadores/as e os povos da América Latina e do mundo. Participar ativamente das lutas internacionais e buscar articulações internacionais mais condizentes com a necessidade de desenvolver uma plataforma mínima de ações práticas nesta luta.
    IX. Avançar na construção do PSOL como partido socialista, democrático e de massas e alternativa de esquerda para o Brasil, e da APS como corrente comunista revolucionária orgânica, com capacidade de dar direção coletiva ao PSOL; dirigir a ação direta de nossos militantes nos movimentos sociais e na sociedade civil em geral; e manter uma relação orgânica com nossas lideranças públicas, tanto nos espaços sociais como nos parlamentares e outras esferas das instituições estatais.
    X. Fazer a propaganda ampla do socialismo e lutar pela reconstrução do ideário socialista, combatendo a social-democracia, o social-liberalismo e as concepções e práticas liberais, burocráticas, autoritárias, sectárias e stalinistas presentes na esquerda.

  •  Contribuição de Socialismo ou Barbárie

    TEMER PREPARA ATAQUES PROFUNDOS

    Chegamos nesse começo de semestre com uma importante mudança no cenário nacional: o pacto lulista foi desalojado do poder (de forma quase que inapelável) e substituído por um governo das oligarquias políticas e da banca financeira. Esse processo constitui uma importante mudança na conjuntura política, pois agora o conjunto da classe dominante está realinhada e apoiando um arranjo político abertamente reacionário e tem mais poder de fogo para atacar os trabalhadores. No primeiro mês de mandato interino, Temer teve que ceder à pressão popular e voltar atrás na decisão de acabar com o Ministério da Cultura, exonerou do cargo três ministros por envolvimento direto nos esquemas de corrupção da Petrobrás após vazamento de áudios e teve que recuar no corte de investimentos em moradia após pressão do movimento. Além desses primeiros lances de recuo de Temer, para ter margem de manobra político-orçamentária, a proposta de déficit no orçamento foi aprovada em um patamar de R$ 170 bilhões esse ano, o governo concedeu reajuste aos servidores federais que já haviam sido negociados com o governo anterior, ajustou em 12,5% o Bolsa Família e renegociou as dívidas dos Estados. Do ponto de vista da popularidade e aprovação, o governo interino se equipara com Dilma. Fruto de uma evidente percepção popular de que o impeachment é parte de uma ofensiva reacionária para impor medidas regressivas estruturais, Temer amarga baixíssima popularidade. Pesquisa recente da CNI/IPOBE dá conta que 53%da população desaprova a maneira de governar e que 66% não confia no presidente. No entanto, se enganam aqueles que pensam que esse é um governo “pé de barro” e que basta um empurrão para que caia. É possível derrotá-lo, mas para isso uma luta ao estilo da que fazem os trabalhadores franceses, com greves gerais, ocupações e enfrentamentos de rua contra a imposição da reforma trabalhista pelo governo Holland, terá que ser realizada por aqui. No que pese que esse é um governo ilegítimo, envolto nos escândalos de corrupção e com baixíssima popularidade, em seu primeiro teste político realmente importante - a aprovação do déficit orçamentário para 2016 - no congresso nacional Temer sai vitorioso e acumula melhores condições para aprovar o que realmente importa: o teto de gastos da união nunca superior a inflação do ano anterior, a contrarreforma da previdência e a contrarreforma trabalhista que significara a asfixia total para a saúde e educação. Além da unidade da classe dominante em torno de Temer, também pesa contra os trabalhadores o papel da burocracia sindical e política (lulista e não lulista). A burocracia não-lulista (Força Sindical, e cia) participa das negociações com o governo e coloca como única condição para a contrarreforma da previdência que não seja incluída a idade mínima para se aposentar. Já a burocracia lulista (CUT, PT e cia) em vez de dar o sinal de alerta e começar efetivamente a luta contra o conjunto do governo e suas políticas, faz o chamado morno ao “volta Dilma” e aguarda passivamente o calendário eleitoral e as “negociações” com o governo. Na verdade, cada uma das burocracias a seu modo faz o jogo do governo ao adiar a inevitável luta contra Temer. De outra parte, o governo, vai aos poucos criando melhores condições políticas para impor as contrarreformas. Para isso concede no varejo e prepara terríveis ataques no atacado. Mas, o primeiro grande teste político da nova conjuntura e da correlação de forças entre as classes ocorrerá no final de agosto a partir da aprovação - ou não - do teto das despesas da união, o que taticamente deve ocorrer provavelmente após o desfecho do impeachment de Dilma no Senado - processo que tende a ser favorável a Temer. Se nessa votação o governo for bem-sucedido, o próximo passo será a aprovação da contrarreforma da previdência após as eleições de outubro e a contrarreforma trabalhista em 2017 (em hipótese).
    ROMPER COM SECTARISMO E UNIFICAR A ESQUERDA SOCIALISTA
    O roteiro político da burguesia com Temer é resolver a crise política afastando Dilma através do impeachment sem realizar nenhuma consulta popular e criar as condições políticas para realizar contrarreformas estruturais. No entanto, a burocracia lulista não tem um esquema oposto ao da burguesia, pois prefere uma saída política que não passe por fora do calendário eleitoral. Diante da crise política não irá defender a antecipação das eleições, prefere voltar ao governo para aplicar uma política neoliberal com menos impacto, negociar as contrarreformas e, assim, conter os enfrentamentos com os capitalistas. O que está em questão é como a esquerda socialista vai atuar no cenário que se descortina, pois temos desafios tremendos a encarar diante dos profundos ataques que vêm a seguir. A classe trabalhadora e a juventude não sofreram nenhuma importante derrota no último período, mas a classe trabalhadora diante da profunda recessão e desemprego vistos hoje provavelmente só irá se mobilizar de conjunto no momento em que o cenário de ataques burgueses ficar mais evidente. Já a juventude e o movimento social de forma geral podem desde o início do semestre se enfrentar com o governo. Esse cenário de duros enfrentamentos que se aproxima nos obriga a dar respostas políticas à altura dos para contribuir efetivamente com a organização da luta. Estamos, apesar da conjuntura de ofensiva burguesas, em um momento impar para apresentarmo-nos como alternativa histórica ao lulismo, mas para isso temos que romper com inércias políticas e organizativas. Em primeiro lugar, pensamos que as principais organizações da esquerda socialista – o PSOL e o PSTU – devem convocar um Encontro Nacional de Ativistas com o objetivo de criar uma Frente Política e Sindical de esquerda. Além de tirar um Plano Imediato de Lutas para armar o conjunto do ativismo para o próximo período, essa Frente deve construir uma resposta política para a ofensiva burguesa. A questão é que não podemos cair na armadilha economicista de pensar que basta lutar contra as políticas neoliberais para que avancemos automaticamente contra o governo e contra o regime. É necessário para sair da orbita do lulismo lutar para que a crise seja resolvida efetivamente pelos próprios trabalhadores através da antecipação das Eleições Gerais, da luta contra a retirada de direitos e de uma Assembleia Constituinte Democrática e Soberana. Também é necessário desenvolver ações comuns visando um futuro processo de unificação entre Conlutas, Intersindical e MTST. Por ora é fundamental que essas organizações atuem em comum para romper a barreira da burocracia a setores mais amplos dos trabalhadores e da juventude de maneira que possam contribuir com a luta contra as "reformas" neoliberais que estão em curso, a começar contra o teto dos gastos públicos que provavelmente entrem na pauta no início do segundo semestre. Por outro, lado, não podemos cair no cretinismo antiparlamentar e desconsiderar que nos próximos meses as eleições municipais irão pautar a realidade. Por isso, é decisivo que em todos os locais sejam construídas Frentes Eleitorais da Esquerda entre PSOL, PSTU e demais partidos operários para que o programa de ruptura com o capitalismo acesse setores mais amplos, elejamos parlamentares socialistas e façamos campanhas que sejam ferramentas efetivas para a organização das lutas no próximo período.

  •  Contribuição da Conspiração Socialista

    A AÇÃO IMPERIALISTA MUDA DE PATAMAR

    Existem ótimas pesquisas demonstrando a guinada burguesa do Partido dos Trabalhadores (PT) para chegar ao governo federal. Portanto nos limitaremos a analisar os governos Lula e Dilma. Lula foi eleito em 2002 à presidência da república, período marcado por um relativo crescimento econômico nos países chamados “emergentes” – o que possibilitou a economia entrar em um período de “ciclo virtuoso” de crescimento. Seu primeiro governo contou com altas taxas de crescimento da economia mundial, em especial da economia chinesa, o crescimento das exportações, contando com a forte elevação dos preços commodities nesse período, foram fatores essenciais para a alavancagem da economia brasileira. Para chegar à presidência Lula e o PT fizeram acordos com a burguesia interna, fato marcado pela constituição da chapa Lula (presidente) e José de Alencar (vice-presidente), grande capitalista do setor têxtil. Em seu primeiro mandato (2003-2006) Lula manteve, basicamente, a política neoliberal implementada por Fernando Henrique Cardoso (FHC), com algumas pequenas mudanças, principalmente reorganizando a política assistencial com a criação da Bolsa Família. No segundo mandato (2007-2010), Lula e o PT ampliaram a aliança com a burguesia interna, conseguindo apoio de grandes capitalistas brasileiros e internacionais com negócios no Brasil (indústria, agronegócio, serviços), a partir daí o governo redirecionou os investimentos do Estado Brasileiro, principalmente via bancos estatais, para os setores citados. Mas esse quadro não pode esconder, que assim como o governo Fernando Henrique Cardoso (PSDB), o grande Capital financeiro, brasileiro e imperialista, mantiveram a hegemonia no bloco no poder. O redirecionamento de parte do orçamento público para a indústria, o agronegócio e serviços, permitiu um substantivo crescimento econômico, com geração de empregos com carteira assinada, aumento real do salário mínimo, diminuição da pobreza via bolsa família, que retirou, temporariamente, milhões de brasileiros da miséria, aumento do número de alunos no ensino superior, etc. O incentivo ao consumo, via crédito facilitado, foi outro fator que impulsionou o crescimento econômico, na tentativa de constituir um verdadeiro mercado consumidor no Brasil. Toda essa política levou muitos, precipitadamente, a avaliar o governo Lula como neodesenvolvimentista, ou seja, o Brasil a partir de Lula e o PT no governo, havia superado a fase neoliberal. Esses não perceberam que esse crescimento era efêmero, pois estava alavancado no crescimento internacional, e mais, não perceberam que assim que a crise capitalista – queda da taxa de lucro – se abatesse sobre a economia brasileira, o Capital financeiro internacional e brasileiro, utilizariam todos os meios necessários para quebrar a aliança do PT com a burguesia interna, para arrancar, ainda mais, recursos do Estado para repor a perda de lucro nos setores produtivos, via pagamento das dívidas interna e externa. A primeira oportunidade para a quebra dessa aliança surgiu com as denúncias do “mensalão” do PT. Porém naquele momento, mesmo com a prisão de vários petistas históricos, o governo Lula não foi abalado, a economia estava crescendo, os setores populares estavam tendo ganhos com o bolsa família e o aumento do salário mínimo, e o PT ainda controlava movimentos sociais como O MST e boa parte do sindicalismo via CUT. A conjuntura favorável à política de conciliação de classes de Lula e do PT mudou a partir do final do primeiro mandato de Dilma Rousseff. Mais uma vez o a oportunidade de quebra da aliança PT-burguesia interna surgiu. A operação Lava Jato deu ao Capital financeiro a deixa necessária para, não só quebrar essa aliança, como também acuar o governo de Dilma e o PT. O Capital financeiro, que controla boa parte da mídia brasileira, não teve dificuldades para montar um espetáculo midiático que colocasse o governo e o PT na retaguarda. Aqueles encontraram um juiz, que ao que tudo indica tem fortes ligações com o PSDB, para colocar o espetáculo em andamento. Com seletividade das investigações e do vazamento de depoimentos, Sergio Moro, deu início à execração pública do PT e do governo Dilma Rousseff. Mas uma vez políticos, e agora também empresários, ligados ao PT tornaram-se réus, com muitos deles já condenados por crimes de corrupção. A seletividade das denúncias e condenações está evidente, pois todos os dias aparecem denúncias contra políticos ligados ao PSDB, entretanto nenhuma investigação é posta em prática pelo juiz que virou a coqueluche da classe média brasileira. Mas uma questão salta aos olhos do leitor arguto. Grandes capitalistas brasileiros estão sendo investigados e, alguns até já foram condenados à prisão por crimes de corrupção. No país da impunidade não é comum ver capitalistas sendo julgados, nem muito menos sendo condenados. Isso está acontecendo porque a intenção do Capital financeiro internacional e brasileiro de quebrar a aliança PT-burguesia interna, não tem como motivação apenas arrancar mais recursos do Estado para repor as perdas de lucro no setor produtivo. Essa quebra está ligada, também, a investida do Capital financeiro internacional sobre as empresas brasileiras, sejam elas públicas ou privadas. Com a seletividade das denúncias e condenações realizadas pelo justiceiro Moro, o Capital financeiro conseguiu, ao mesmo tempo, desmoralizar a maior empresa brasileira (PETROBRÁS), e com apoio da mídia, facilitar a aceitação popular da necessidade de sua privatização. Assim como facilitar sua entrada nos setores dominados pelas grandes empreiteiras brasileiras (metrô, rodovias, ferrovias, bancos, etc). Ou seja, o que estamos afirmando, é que o Capital financeiro internacional quer avançar sua dominação econômico e, portanto, política, sobre o Brasil. A partir desse quadro uma pergunta deve ser feita: por que os políticos do PSDB não são investigados? Essa é uma pergunta que demanda muita análise e não se esgota com apenas uma resposta. A primeira resposta, e a mais contundente, é que o PSDB é o verdadeiro partido do Capital financeiro internacional e brasileiro. Mesmo o PT tendo privilegiado esse setor, este só tolerou o PT no governo enquanto este partido foi conveniente, principalmente segurando as massas pela via do sindicalismo colaborativo e de alguns movimentos sociais, que deram sustentação aos governos petistas. Em seu primeiro mandato, Dilma Rousseff seguiu a política de Lula, mantendo a hegemonia do Capital financeiro, mas atendendo, também, aos interesses da burguesia interna. O ataque contra a aliança PT e esse setor da burguesia foi intensificado pelo Capital financeiro, quando em janeiro de 2013 a taxa de juros (SELIC) chegou a menor patamar da história recente do país, 7,12%. A operação Lava Jato foi utilizada pelo Capital financeiro e serviu aos propósitos destruindo a aliança PT/burguesia interna, acuando o governo, que nas eleições de 2014 prometeu dar continuidade às políticas sociais, mas assim que assumiu o segundo mandato (janeiro/2015) implantou a agenda neoliberal nomeando para o Ministério da Fazenda, Joaquim Levy, um alto funcionário do Bradesco. Mesmo atendendo aos reclamos do Capital financeiro, Dilma e o PT foram descartados por esse setor da burguesia, que conseguiu arrastar consigo a burguesia interna, que de aliada passou a inimiga mortal da presidenta e de seu partido. Isso se deve ao fato de que o governo petista teria dificuldades para implantar a agenda neoliberal radical exigida pelo Capital financeiro, pois Dilma e o PT teriam que enfrentar os movimentos sociais e sindical, que mesmo aderindo ao governo, não aceitam algumas políticas exigidas pelo Capital financeiro: privatização do Pré-Sal, nova reforma da previdência, terceirização, etc. Esse conjunto de fatos levou ao afastamento de Dilma Rousseff da presidência da república via um golpe parlamentar/jurídico/midiático, que colocou Michel Temer em seu lugar. Mais uma vez na história brasileira o mote utilizado para o golpe contra um presidente eleito foi a corrupção. Setores da classe média saíram as ruas exigindo o impeachment de Dilma Rousseff com base nas denúncias de corrupção seletivamente apresentadas pelo juiz Sérgio Moro e amplamente divulgadas pela grande mídia. Esse movimento de rua foi aproveitado pelo Capital financeiro e seus legítimos representantes brasileiros para desestabilizar um governo, já fragilizado pela crise econômica mundial e brasileira, abrindo as portas para o processo de impeachment no Congresso Nacional. Michel Temer foi alçado a presidência da república para implantar de maneira mais acelerada as políticas exigidas pelo Capital financeiro, com amplo apoio no Congresso Nacional. O Governo golpista, já anunciou algumas das medidas que fazem parte da sua política de ajuste fiscal. Entre elas apontamos algumas que caracterizamos como ataques estruturais aos nossos direitos: Reforma da Previdência; Reforma Trabalhista; desvinculação das verbas (constitucionais) para investimento na área da saúde e educação; congelamento nas verbas destinadas aos serviços e investimentos públicos; terceirização e apoio ao projeto que desobriga a Petrobras a participar da exploração do Pré-Sal. Nesse sentindo para derrotar o Governo Golpista de Temer é necessário apontar a mais ampla unidade das organizações de esquerda que atuam nos movimentos sindical, popular e partidário.

    REORGANIZAÇÃO DO MOVIMENTO E AS TAREFAS COLOCADAS PARA A ESQUERDA SOCIALISTA REVOLUCIONÁRIA.

    CONSTRUIR DE FATO UMA ESTRATÉGIA DE ESQUERDA SOCIALISTA E REVOLUCIONÁRIA.

    Os treze anos dos governos dos Partidos dos Trabalhadores deixou nítido que a política de colaboração de classe e o caminho por dentro da democracia burguesa são um desastre e por conseguinte uma traição para a construção independente e autônoma da emancipação dos trabalhadores. Apoiado nas organizações dos movimentos em especial CUT, UNE, MST o petismo tentou fazer crer que as negociações, acordões e a coexistência pacifica com a burguesia e os patrões - ao invés do enfrentamento - eram as únicas saídas para solucionar os problemas que assolam as condições de vida dos trabalhadores. No entanto, essa estratégia se confirmou falaciosa, não só do ponto de vista dos resultados econômicos mas também ideológico, o que podem ser verificado no próprio desenrolar do processo de impeachment de Dilma; na ampliação dos contratos de trabalhos precarizados; no crescimento da concentração de renda para os setores da classe dominante; no aumento da violência contra o negros, índios, etc., no relativo crescimento de sentimentos e posturas reacionários por parte da população e no recrudescimento do machismo e da LGBTfobia, do racismo e da xenofobia. Todas essas situações descritas são sintomas claros do avanço ideológico do autoritarismo e do conservadorismo, que se assenta na falência da estratégia adotada pelo petismo que tentou camuflar os conflitos ideológicos e de classes, privilegiando em última instância o “Status Quo” das classes dominantes do país. As lutas não se arrefeceram. E não fomos capazes de apontar uma estratégia revolucionária para classe. As jornadas de junho de 2013, foram um marco importante para demonstrar a insatisfação e a disposição de luta de uma parcela significativa da população, também podemos somar nesse cenário de lutas em 2013 o aumento das greves (segundo o DIEESSE em 2013 ocorreram 2.050 greves, maior índice nos últimos trinta anos, para título de comparação, o maior índice de paralisação até então registrou-se no ano de 1989, quando ocorreram 1.962 greves.), outras manifestações e mobilizações também marcaram a conjuntura no país. Aumentaram as manifestações e lutas por direitos sociais (da mulher, do negro, do índio, da questão de gênero, etc.) e por melhores condições de vida, como exemplo: por moradia, educação pública de qualidade etc. Ganhando destaque os métodos de luta deflagrado pelos estudantes secundaristas ocupando as escolas e o “cadeiraços” em vias públicas e que obtiveram vitorias parciais nas suas reinvindicações. Essa conjuntura de luta, aponta positivamente um forte sentimento de resistência pelo lado da classe e da população em geral. Foram lutas importantes, que colocaram em xeque a tentativa de “aplastamento” da luta de classes e a política de conciliação desenvolvidas pelas organizações governistas. Porém temos que reconhecer, que essas resistências ocorreram de formas atomizadas, faltando de forma mais consistente e contundente a organização e a construção de uma alternativa política, sindical etc, que apontasse de forma resoluta para uma estratégia de EMANCIPAÇÃO E INDEPENDÊNCIA DA CLASSE TRABALHADORA, não somente do ponto de vista político eleitoral, mas principalmente econômico, o que significa dizer a necessidade de uma revolução socialista, ou seja A TOMADA DO PODER PELA CLASSE TRABALHADORA. A esquerda socialista sem dúvida se fez presente e atuante nessa conjuntura, porém o signo dessa atuação foi ora da fragmentação, e em outros momentos a atuação visando quase que exclusivamente a auto construção das próprias correntes, grupos ou partidos políticos. Frente a conciliação total e descarada da CUT, CTB, UNE ao sistema capitalistas e as instituições do regime democrático burguês, não conseguimos sequer construir de forma unificada uma organização sindical, estudantil e popular ( hoje temos a CSP Conlutas, duas InterSindical e etc.) que pudesse se apresentar com uma estratégia socialista e revolucionária para a classe trabalhadora. Esse é um balanço necessário para que possamos entender e construir taticamente nossos próximos passos. No próximo período entendemos como tarefas prioritárias: A derrota do Governo Temer e desse congresso reacionário e corrupto; A Construção de uma frente de combate e de luta permanente contra o capital junto com a necessidade de lutar contra os ataques do governo golpista de Temer; Essa construção deve passar pela unificação das lutas sindicais, do movimento popular do campo e da cidade, do movimento estudantil, dos partidos de esquerda; Essa Frente de Combate deve ser vanguarda na organização e na unificação das lutas e deve denunciar permanentemente a falência do capitalismo e também a falácia da democracia burguesa e todas as suas variações que servem para controlar e dominar a classe trabalhadora. Ainda como parte do programa, da tática e estratégia, A Conspiração Socialista, apresenta as seguintes propostas: O Enfrentamento que temos que fazer contra esse governo requer que façamos o maior esforço para unificar todos que não se renderam as saídas burguesas. É imprescindível atuações conjuntas nas lutas, nas ocupações, nas greves e nas várias manifestações que ocorrem no país.

    Fora Temer!
    Rechaçamos as ações golpistas, tanto do parlamento burguês, quanto do judiciário, que vem se transformando num verdadeiro tribunal de exceção.
    Lutar contra todas as medidas antidemocráticas e as manifestações fascistas da burguesia.
    Que TODAS as denúncias sejam investigadas, não importa quem são os envolvidos e muito menos seus respectivos partidos. Que todos sejam punidos (cadeia e confisco dos bens), quando da comprovação dos crimes cometidos, empresários, políticos etc;
    Em defesa da democracia, mesmo sabendo que ela é burguesa, portanto limitada, porque temos a consciência que esse regime político ainda é relativamente superior a uma ditadura, seja ela civil ou militar.
    Construir uma alternativa classista de luta permanente contra o Capital. Pela Organização autônoma da classe trabalhadora! Não à saída burguesa de eleições gerais. Por independência e autonomia dos trabalhadores e suas organizações.
    Intensificar as lutas contra os ajustes neoliberais: entrega da Petrobrás, Reforma da Previdência, Reforma Trabalhista, criminalização dos movimentos, demissões, corte de verbas públicas, Projeto de Lei Escola Sem Partido, etc. Organizar a Greve Geral.
    Construção de uma frente de combate que unifique os sindicatos; movimentos populares do campo e da cidade; movimento estudantil, partidos de esquerda, para resistir aos ataques do Governo do PT, PSDB, PMDB e da burguesia.
    Exigir da CUT, MST ações reais contra o ajuste fiscal, contra os ataques às liberdades democráticas,
    Contra a repressão aos trabalhadores e o genocídio da juventude negra e pobre;
    Contra a lei “anti-terror”
    Contra a LGBTfobia, o racismo, o machismo...
    Contra o governismo de colaboração de classe de Dilma/ PT.
    Nas campanhas eleitorais de 2016 indicamos o Voto Nulo, ou apoio aos partidos do campo da Esquerda: PCB, PSTU e PSOL.

  •  Análise de Conjuntura do Espaço Cultural Mané Garrincha

    “Só a rota dos traidores é que conduz à direita.
    À esquerda, à esquerda, à esquerda!”
    Vladimir Maiakovski
    “O povo perdeu a confiança do governo
    E só à custa de esforços redobrados
    Poderá recuperá-la. Mas não seria
    Mais simples para o governo
    Dissolver o povo
    E eleger outro?”
    Bertolt Brecht
    “Tá legal, seu Feola..., mas o senhor já combinou tudo isso com os russos?” – Mané Garrincha ao ouvir a preleção do técnico Vicente Feola antes da partida contra a ex- URSS na Copa de 58.
    Introdução:
    Nossa análise conjuntural parte das jornadas de junho de 2013 por vermos nestas uma simbologia que a esquerda brasileira deve tirar lições se não quiser morrer de inanição e, com isso, voltar a vislumbrar a perspectiva revolucionária para além das ilusões constitucionais[1]a que ela tem se apegado por décadas.
    Primeiramente, a passividade atribuída ao brasileiro foi desmistificada naqueles dias pelo trabalho desenvolvido pelo Movimento Passe Livre no combate a apropriação do dinheiro vindo do transporte público por parte dos empresários, bem como a defesa do direito de ir e vir da população negado por uma tarifa já exorbitante. Assim, bastou um aumento de vinte centavos na passagem para ocorrer uma adesão de grande parcela da população à bandeira do movimento[2]. Movimento este que cresceu a ponto de converter-se num estopim capaz de incendiar a massa e fazer da mobilização permanente e coordenada um instrumento inibidor à repressão policial.
    Mas Junho de 2013 serviu também para a esquerda tradicional ver o quão distante ela se encontrava da maioria da população. Fundamentalmente, a mobilização foi impulsionada por um movimento constituído horizontalmente e sem a costumeira burocracia que pulula nas instâncias sindicais, estudantis, esferas parlamentares etc.[3]
    Por outro lado, o desfecho daquelas movimentações mostrou a capacidade da direita valer-se dos mecanismos de convocação pela internet e inflar com um conteúdo reacionário[4] a pauta e o método na ação, construídos horizontalmente no seio daquele movimento.
    Seja como for, desde 2013 os ares da política já não eram os mesmos no país. Passada aquela fase o MPL se recolheu[5], já que a conjuntura exigia reivindicações para além do ir e vir assegurado pela Constituição, mas negado no dia a dia para enormes parcelas da sociedade.
    Alijada pelo petismo da administração do Estado por mais de uma década, a direita tradicional das famílias brasileiras aprendeu a fazer pressão política com o poder das ruas mobilizadas a partir da internet em conluio com os grandes meios de comunicação. Em contrapartida, o Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto fortaleceu sua atuação com ocupações massivas por vários pontos da capital paulista e em outros estados federativos também. Tal expressividade se deu por ele ter se mantido mobilizado a partir de sua pauta por moradia para todos num país ao sabor da especulação imobiliária[6], seja sob FHC seja sob Lula ou Dilma.
    Parte – I:
    Os atribulados anos noventa, pós-URSS e Leste Europeu, fizeram com que muitos militantes que se diziam de esquerda revelassem o que realmente eram: simples democratas quando fora do gerenciamento do Estado. Gângsteres neoliberais de fato quando assumem tal gerenciamento. O PT atualmente expressa muito dessa degeneração.
    Afirmar isso não é simplesmente dizer que PT e PSDB são iguaizinhos por tinta e papel. A origem histórica de cada um os diferencia e a depender da necessidade conjuntural, um e outro (assim como seus similares) poderá ocupar a administração do Estado burguês.
    Ilude-se quem exige autocrítica por parte do PT. A degeneração petista expressa a degeneração da mesma sociedade que ele defende. E isso não é de agora. Pelo contrário, desde sua experiência ao assumir a prefeitura da cidade de São Paulo em 1988, propondo uma administração baseada em Conselhos Populares Deliberativos[7], mas que se encaminharia para um natimorto conselho consultivo de fato, depois nem esse se materializando, o petismo já dava sinais para o que viria a fazer: um hercúleo esforço de conciliar capital e trabalho. Sua decadência hoje é apenas extensão do que ele havia sinalizado no passado.
    Por sua vez os ianques com seus tanques têm bem mais o que fazer. E fizeram. Não com os tanques, pois esses não se mostraram necessários como no passado ainda recente de América Latina dessangrada por esses mesmos ianques e seus cupinchas encastelados nos quartéis por todo o continente e que um dia, obedientes às ordens de Washington, saíram às ruas para matar, torturar e mostrar sua subserviência inconteste a Tio Sam. Não, agora, em nome da democracia e modernidade tudo deveria ser privatizado. O intercâmbio não se daria entre os povos como exigia o antigo canto[8] de bocas proletárias, mas com a simples circulação de mercadoria a ostentar um mundo novo e globalizado. Privatização era seu nome, mas concessão seria o eufemismo cunhado por Fernando Henrique Cardoso para entregar a preço de banana[9] o capital contido nas estatais e as possibilidades de ampliá-lo inúmeras vezes ao particularizar aquilo que era da ordem pública[10].
    Quanto à circulação de mercadorias, como se tratasse de economias em pé de igualdade entre países de economias débeis e o centro capitalista estadunidense, criou-se o Acordo para Livre Comércio das Américas (ALCA). Seu intuito era fazer com que as barreiras alfandegárias fossem suprimidas, o que na prática implicaria na liquidação das frágeis economias latinas por não terem competitividade frente ao poder de produção ianque[11]. Encerrar as portas das indústrias nativas era o que se apresentava no horizonte dos países da América Latina. Como resposta, muitas foram as manifestações por todo o continente americano contra a agressão imperialista. Delas, duas merecem destaques.
    Ao mexer no artigo 29 da constituição mexicana, que como fruto da revolução de 1910 fazia do solo um direito inalienável, o governo mexicano pretendeu entregar a terra aos particulares, o que desencadeou o levante dos indígenas zapatistas do sul do México em 1994 com o grito de ¡Ya Basta! Hoje ainda esse movimento com seus milhares de insurgentes segue adiante com uma política de baixo para cima e autônoma. Por sua parte, um seguimento militar oriundo das camadas pobres e juntamente com a maioria da população de Venezuela faria do Coronel Hugo Chávez Frias seu presidente e com ele a disposição de barrar a ALCA. Movimento expressivo que respingou em áreas além do solo venezuelano. Como resposta, os Estados Unidos apostaram no país arqui-rival de Hugo Chávez, a Colômbia, e retomou sua experiência nos anos oitenta com Israel, implantando o TLC, Tratado de Livre Comércio[12]. Na prática era fatiar o Plano ALCA. Ou seja, não sendo possível passar no pacote, passava-se o projeto pouco a pouco, país a país. Isso funcionou e fragilizou o Chavismo que foi perdendo força ao ter que se ancorar em governos “progressistas’ surgidos na região. Isso, por um lado. Por outro, à medida que o Chavismo passou a administrar o Estado apontando para um Socialismo do Século XXI, mas mantendo e abrigando mendigos e banqueiros no seio social, ele próprio foi se corroendo por dentro. As famílias bolivarianas passaram a negociar diretamente com o capitalismo nas esferas nacional e principalmente internacional a partir do comércio do petróleo[13]. Com isso surgiu aquilo que alguns passariam a chamar de boli-burguesia, uma casta oriunda do movimento bolivariano Chavista que se enriquecera pelas transações comerciais.
    Ao mesmo tempo, movimentos massivos e protagonistas nos embates de classes dos anos noventa e anos 2000 trocaram seus esforços pelo apoio quase às cegas aos governos de linha progressista que surgiram naquele processo[14]. Hoje, com muito desses governos vivendo seu ocaso, esses movimentos poderão ressurgir. Resta saber se para empunhar a bandeira pelas legítimas reivindicações expressadas por eles ou para mero estardalhaço visando girar a roda da história para traz para reviver tais governos.
    Parte - II
    O astrônomo Carl Sagan, um entusiasta da ciência, nos diz que um dos maiores erros da ciência dos últimos tempos foi ter decretado o fim da produção de petróleo[15].
    Quem acompanhava os noticiários nos anos oitenta sabe bem do que estamos falando. A reserva de petróleo seria no máximo para trinta anos, dizia-se. Muitos de nós, irmanados com a causa árabe-palestina, ficávamos imaginando o que seria daquela região com o fim do petróleo[16]. Pouco a pouco a afirmativa científica deixaria de sê-la para se tornar mera especulação[17]. Com a descoberta de novas jazidas a especulação escafedeu-se de vez. Seria mais fácil acabar a humanidade em meio a tanta poluição do que o petróleo findar-se. Hoje, com a exploração do xisto betuminoso convertido em petróleo de xisto tal especulação carece de sentido.
    Mas por que estamos falando em petróleo em nossa análise de conjuntura nesse mundo tão marcadamente virtual? Petróleo não seria coisa do século passado?
    Simples, grande parte da crise experienciada sob os tais governos progressistas em América do Sul e no mundo tem a ver com o petróleo, pois se há pouco tempo um barril de petróleo era vendido no mercado mundial a 100 dólares, hoje ele está em torno dos trinta.
    Para termos uma ideia da gravidade, um país como Venezuela, cuja economia tem no petróleo sua maior receita se tornou refém do seu próprio ouro preto, ou melhor, tornou-se incapaz de escoá-lo[18].
    Claro que não estamos afirmando que a crise capitalista refere-se apenas ao problema do petróleo, mas ele tem contribuído para desestabilizar especialmente economias de países exportadores de matérias-primas.
    Assim, por possuir grandes reservas de xisto, os Estados Unidos anunciaram pela boca de seu presidente, Barack Obama, que o país passaria a produzir petróleo de xisto em grande escala, com isso, tornando-se auto-suficiente. Essa possibilidade alarmou a classe dominante saudita, pois, em que pese sua submissão por décadas, ainda assim, a Arábia Saudita, que tem a maior reserva de petróleo do planeta, corria o risco de não ser mais tão paparicada pelo amo ianque. Como resposta, aumentou excessivamente a produção dos seus campos de petróleo, o que fez o preço do barril despencar no mercado internacional.
    Essa atitude saudita poderia ter sido acompanhada de uma resposta enérgica dos Estados Unidos, mas tal não foi o caso. Em vez disso (e aqui está mais uma vez a esperteza do imperialismo ianque!), os preços baixos do petróleo atingiram em cheio três países que desde muito questionam a hegemonia estadunidense no mundo. São eles, Rússia, Irã e Venezuela.
    Em que pese às dificuldades financeiras surgidas pela queda do preço do petróleo na arena internacional, a Rússia mantém sua força exatamente por contar com produções que vão para além de suas matérias-primas. Por exemplo, sua exportação de armas bélicas a mantém em segundo lugar no ranking mundial, somente atrás dos Estados Unidos. Já o Irã não desfruta da mesma sorte, sendo que o radicalismo antiimperialista de seu presidente anterior Mahmoud Ahmadinejad foi substituído pelo moderado Hassan Rohani em 2013, indicando um olhar submisso às potências ocidentais, em especial, aos Estados Unidos. A queda do preço do petróleo em meados de 2014 só faria aumentar essa tendência de submissão. Por sua vez, Venezuela está à beira de uma guerra civil.
    Por uma parte, o investimento do Chavismo em saúde, moradia e educação despertou o povo para seus direitos básicos. Ao mesmo tempo, a crise detonada com a queda do preço do petróleo abriu caminho para a direita tradicional venezuelana ir às ruas. Sem dúvida que temos ali um boicote orquestrado pelo setor empresarial que faz com que os produtos de primeira necessidade desapareçam das prateleiras venezuelanas. Mas isso é um reflexo da impotência Chavista de não conseguir nesses anos todos diversificar a economia do país. Cercado, o presidente Nicolas Maduro não radicaliza na expropriação porque o corpo Chavista é heterogêneo, com uma base popular mobilizada, mas sem acesso às armas, enquanto a Guarda Nacional, com muita gente corrupta em seu topo, não almeja revolução alguma. A disputa segue em aberto.
    No caso brasileiro, a exploração do pré-Sal, que segundo as perspectivas lulo-petista ficaria a cargo da Petrobrás e de concessões às empresas estrangeiras, estaria condicionada aos royalties pagos ao Estado brasileiro por essas empresas e do montante adquirido uma porcentagem iria para a saúde e educação[19]. Porém, essa perspectiva foi abortada pela crise que desembocou no impeachment de Dilma Rousseff. Fundamentalmente, as empresas estrangeiras viram a agonia do governo petista e esperaram para ver seu colapso, por isso nada investiram no país, ávidos para que a proposta do ministro interino das relações exteriores, golpista e privatizador, José Serra, que nada exige do capital estrangeiro para explorar o pré-Sal, entrasse em vigor.
    Para completar o quadro, a China reduziu sua capacidade de crescimento. Efeito sentido de imediato por um país agro-exportador como o Brasil que viu os preços das commodities caírem, assim como caíram as ações da Petrobrás.
    Sem nada a oferecer, salvo a falácia costumeira, o governo Dilma Rousseff apostou no mesmo de sempre, mantendo os juros altos para atrair investidores. Como consequência, o empresariado nada investiu na produção[20] e tem se mantido de juros a custa do endividamento do país cuja dívida interna já chega a quase 50% do seu PIB. De resto é o que tem feito o governo golpista de Michel Temer.
    Por falar no quadrilheiro, Michel Temer, sua função é atacar os direitos dos trabalhadores que dona Dilma tentava, mas não conseguia ser consequente na sua aplicação em função da própria estrutura de seu partido, encastelado na burocracia espalhada por sindicatos, universidades, parlamentos, entre outras esferas. Por isso Temer e o banditismo incrustado no parlamento vêm para fazer a reforma trabalhista, a reforma da previdência e fiscal como parte do horizonte golpista no curto prazo.
    Retomando a perspectiva daquilo que falamos na abertura de nossa análise, afirmamos que da parte dos revolucionários caberá lutar em pontos comuns com aqueles que orbitam ao redor do petismo, porém, desde já, sabendo marchar em separado na história. Isso implica não trocar os esforços que vamos construindo no dia a dia da luta de classes por meras fantasias institucionais.
    Para terminar, evitamos falar da corrupção que entopem os jornais porque entendemos que esta é apenas um indicativo de que aquilo que a gesta é muito mais profundo.
    Da mesma maneira, não falamos da política de crédito que sob os governos Lula chegou a esferas astronômicas para a realidade do país. Passada a euforia, as famílias endividadas pouco poderão consumir. Isso explica muito da impossibilidade de retomada do crescimento econômico brasileiro no curto prazo. Ao encontro de nossa tese temos a manutenção da taxa selic no mês de julho em 14,25%, o que inviabiliza a suposta retomada do crescimento como alguns economistas têm procurado argumentar para justificar o governo golpista de Michel Temer.
    Como podemos ver, muita luta está se delineando no horizonte dos trabalhadores brasileiros. Forças revolucionárias e progressistas deverão se unir em torno de um programa mínimo comum. O contrário disso é contribuir para saciar a fome do inimigo. Vamos à luta!
    · Fora Temer!
    · Pelo não pagamento da dívida pública!
    · Que os ricos paguem pela crise!
    · Nenhum direito a menos!
    · Pela reorganização do trabalho de base!
    · Reforma Agrária com expropriação do latifúndio e do agronegócio!
    · Radicalizar nas ruas!
    São Paulo de Piratininga em seu inverno de 2016.
    Espaço Cultural Mané Garrincha
    [1] Lênin
    [2] Ainda que simbólica, a redução dos tais vinte centavos nas passagens de ônibus, trens e metrôs expressou a força da política do povo na rua.
    [3] Não se trata aqui de mera apologia a luta horizontal (que também apresenta seus limites), mas de chamar a atenção para algo que pôs as massas em marcha, o que por si só vale mais que uma dúzia de programas.
    [4] Incapaz de jogar a massa contra o MPL naquele momento, a direita soube trabalhar o psicológico das massas com o patriotismo do brasileiro com muito orgulho, acusando a esquerda de querer substituir a bandeira nacional pela bandeira vermelha. Ação coordenada em escala nacional e que na Avenida Paulista (SP) teria desfecho sinistro com a militância de esquerda encurralada pela massa inflamada por direitistas infiltrados em seu meio.
    [5] Em verdade esse movimento já fazia um pequeno, mas, importante trabalho no seio da educação secundarista na periferia da grande São Paulo. Trabalho que se ampliaria para se refletir, no caso de São Paulo, nas muitas ocupações de unidades escolares pelo não fechamento das escolas públicas por parte do governo tucano.
    [6] O mesmo não foi visto pelo Movimento Sem-Terra que no afã de defender o governo petista a qualquer custo, ficou vendo a banda passar, com ela, a oportunidade de consolidar a união campo e cidade de fato. Oportunidade perdida, atualmente o movimento sem- terra passou da defesa da manutenção escancarada do governo petista para a vergonhosa palavra de ordem Volta Dilma no atual processo de impeachment.
    [7] Trata-se da compreensão de que a administração na esfera burguesa (prefeitura, estado e Estado nação) deveria se submeter aos conselhos populares, forma de organização que decidiria diretamente aquilo que era prioridade da população. Na época, essa foi a proposta vitoriosa na convenção do partido que impulsionaria a candidatura de base petista contra a da direção que se limitava a um conselho consultivo onde o prefeito consultaria o povo e depois acataria ou não a proposta popular. Para dizer num jargão popular, na época os setores de esquerda compraram gato por lebre, elegendo uma candidatura tendo por referência o conselho deliberativo, mas cuja proposta de um conselho consultivo foi a que vingaria na prática. Depois nem se falou mais isso, pois é assim que o reformismo faz a história.
    [8] Hino À Internacional.
    [9] Segundo a falácia de FHC, as privatizações das estatais trouxeram um lucro de 85,2 bilhões de reais aos cofres do país, o que por si só já seria uma miséria. Entretanto, em A Privataria Tucana, Amaury Ribeiro Junior recorda que o trabalho “O Brasil Privatizado” do economista Aloyzio Biondi, hoje falecido, indica que pagamos para vender nossas estatais, sendo que os gastos remontariam a cifra de 87,6 bilhões.
    [10] Como sua variante, o PT manteve a risca a política de concessões inaugurada por FHC.
    [11] No interior do próprio imperialismo, o pequeno capital (e principalmente seus trabalhadores) também sofre as mazelas advindas desses grandes acordos político-econômicos criados para benefício dos grandes magnatas.
    [12] Junto a essa medida jurídico-econômica do TLC, uma tentativa frustrada de um golpe político-militar seria orquestrada pelos Estados Unidos contra o presidente Hugo Chávez em 2002.
    [13] Apesar da retórica antiimperialista Chavista, nunca a Venezuela deixou de ter nos Estados Unidos seu maior comprador de petróleo.
    [14] Entre eles, sem-terras no Brasil, piqueteiros na Argentina, cocaleros em Bolívia, etc.
    [15] Carl Sagan, in. Bilhões e Bilhões – reflexões sobre vida e morte na virada do milênio.
    [16]Ainda que esse não fosse, nem é, o problema palestino
    [17] Eis aqui uma diferença essencial entre o pensamento científico e o religioso. Enquanto o último opera pelo dogma de verdades incontestáveis, valendo-se na história da violência pela espada, pólvora e do homem-bomba para agir aonde o verbo já não convence, a ciência abandona uma afirmação assim que uma outra demonstre a insustentabilidade da primeira.
    [18]A coisa se tornou tão gritante que recentemente (santa ironia!) a Venezuela que exportava petróleo para os EUA, passou a importar petróleo refinado ianque por essa medida ser mais econômica que refinar o seu próprio, pois, o petróleo cru venezuelano exige maior tecnologia para ser refinado.
    [19] Parodiando a antiga anedota: teria Lula e seus petistas combinado com os russos?
    [20] É fato que há grande descompasso entre o tempo de vida útil da maquinaria brasileira e maquinarias de países centrais como Estados Unidos e Alemanha. Não obstante, muitos empresários preferem fazer da política de juros seu modus operandi. Tomando emprestado do governo a juros baixos, via BNDES, e emprestando para esse mesmo governo com juros altos a preço de mercado. Por sua vez, a política de juros altos inibe a produção industrial e faz crescer a dívida pública.

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