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OS REVOLUCIONÁRIOS NAS ELEIÇÕES
Democracia burguesa: sistema de trincheiras e fortificações contra os levantes operários, o Estado Integral
Santiago Marimbondo
São Paulo

A etapa da restauração burguesa, que teve como marco inicial a queda do muro de Berlin, legou à esquerda socialista a ideia da democracia burguesa como limite insuperável da ação política. Mesmo os poucos teóricos que ainda se reivindicavam socialistas e buscavam fazer um debate estratégico sobre as formas de sua realização, como Daniel Bensaid ou Ernest Laclau, viam a radicalização e aprofundamento da democracia burguesa como formas únicas de luta por uma sociedade socialista.

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Um dos elementos chave para retomarmos os debates estratégicos necessários nesse momento de agudização da luta de classe no Brasil, que ainda esta num marco preparatório para os grandes confrontos que se anunciam, é resgatarmos os debates clássicos no marxismo sobre a democracia burguesa para entendermos esse regime não como forma política neutra que expressa através do voto a vontade popular, como tentam nos apresentar os ideólogos capitalistas, mas como forma particular de configuração da ditadura de classe patronal em uma determinada correlação de forças da luta de classes.

Entendermos as formas particulares através das quais se expressa o exercício da dominação capitalista é fundamental para termos claro qual nosso objetivo estratégico na luta de classes e podermos apontar que a ação política do proletariado e demais setores oprimidos não tem como norte o aprofundamento ou radicalização da democracia burguesa, democracia essa que é verdadeira apenas para os ricos, mas sua superação visando a realização de uma verdadeira democracia operária e dos oprimidos como passo necessário rumo a realização de uma sociedade comunista.

OS DEBATES NA II E III INTERNACIONAL,FRONT ORIENTAL E FRONT OCIDENTAL

Os debates sobre a democracia burguesa como forma particular de configuração da dominação política capitalista e a especificidade da luta nos países "democráticos" tem grande peso nas discussões que se inauguram na segunda internacional principalmente a partir dos balanços da primeira revolução russa em 1905 e seus impactos sobre a social-democracia alemã.Os ásperos debates envolvendo Karl Kautsky e Rosa Luxemburgo sobre o papel da greve geral e da tática eleitoral na revolução alemã, os debates sobre estratégia de desgaste ou de aniquilação, são seu marco inicial.

Esse debate também atravessará as discussões estratégicas no seio da terceira internacional, fundada após a vitória da revolução russa. Primeiro nas polêmicas entre Lenin e o próprio Kautsky sobre a democracia soviética e a democracia burguesa e depois nos debates feitos por Trotsky sobre as possibilidades e dificuldades diferentes para a tomada do poder e construção do socialismo na Rússia e na Europa ocidental (para o revolucionário russo a tomada do poder na Rússia, com uma sociedade civil menos desenvolvida e conflitos de classe mais marcados, com menores mediações entre a classe dominante e o proletariado, seria mais fácil que na Europa ocidental, com uma sociedade civil mais desenvolvida e maiores mediações entre as classes dominantes e oprimidas, mas seria mais difícil a construção do socialismo, posto o atraso no desenvolvimento das forças produtivas).

0utra figura chave no marxismo clássico que irá debater as diferenças que assume as formas da luta de classes no oriente e ocidente será o revolucionário italiano Antonio Gramisc. É desse arcabouço teórico que devemos partir para entendermos a especificidade da ditadura de classe burguesa quando essa assume formas "democráticas".

DEMOCRACIA BURGUESA FORMA POLÍTICA NEUTRA OU DITADURA DE CLASSE?

Quando começa seu rumo a uma cada vez maior adaptação e capitulação à democracia burguesa Karl Kautsky (que até aquele momento era o grande expoente teórico da II internacional) passa cada vez mais a defender a forma democrática que assume a ditadura de classe capitalista não mais como forma de ditadura de classe, mas como forma política neutra, sem conteúdo de classe específico, e que pode portanto ser preenchida com qualquer política, de qualquer classe, desde que essa política consiga maioria através do sufrágio universal.

Essa defesa da democracia burguesa como forma política neutra, sem conteúdo de classe, por parte de Kautsky se dá num primeiro momento de forma parcial e envergonhada (como bom centrista que era o alemão) nos debates sobre a estratégia para a revolução alemã que faz com Rosa Luxemburgo para depois da revolução russa assumir uma forma mais clara e descarada, nos debates entre ele e Lenin sobre as diferenças entre a democracia burguesa e a democracia soviética.

Será, portanto, Lenin que irá resgatar o debate clássico do marxismo sobre a democracia burguesa não como forma política neutra, onde pode se expressar qualquer conteúdo político de qualquer classe, desde que essa conquiste maioria parlamentar, mas forma particular da ditadura de classe patronal, forma extremamente funcional dessa ditadura, inclusive.

Primeiramente Lenin irá demonstrar como nenhuma forma de estado, mesmo a mais democrática república burguesa, é neutra, mas forma política que assume o exercício do poder que tem como finalidade a manutenção e reprodução de determinada forma de propriedade. Por exemplo, a democracia ateniense na Grécia clássica era forma política que garantia a manutenção da escravidão da maioria da população na qual essa forma política se apoiava.Na democracia burguesa, apesar da garantia formal de direitos políticos para as classes subalternas, algo único na história e fruto da lutas operárias, através de uma série de relações e instituições é garantido aos capitalistas o monopólio de fato do poder político.

São eles que detém os meios de comunicação de massas, que defendem seus interesses, eles controlam as instituições educacionais e de ensino, que transmitem os saberes e formas de pensar essenciais ao exercício do poder político, controlam os aparelhos repressivos que combatem qualquer contestação à sua dominação, a partir de seu poder econômico estabelecem toda uma rede de contatos e relações que lhes permite o exercício e manutenção de seu poder, se educam para a dominação, produzindo os hábitos e saberes necessários a realização e manutenção do poder, e a partir do poder que dispõe educam nossa classe a se manter numa posição subalterna.

Assim, longe de uma forma neutra pronta a ser preenchida com qualquer conteúdo a democracia burguesa é forma funcional do poder capitalista, pois mascara sua realidade como ditadura de classe.

O ESTADO INTEGRAL CAPITALISTA, CONSTRUÇÃO DE APARATOS HEGEMÔNICOS, COOPTAÇÃO E TRANSFORMISMO

Um dos debates centrais que fará o revolucionário italiano Antonio Gramisc sobre a maior dificuldade para a tomada do poder no front ocidental será sobre como diferente do oriente, com uma sociedade civil menos desenvolvida e choques mais diretos entre dominantes e dominados, onde o poder político se exerce de forma mais direta e coercitiva, nas democracias burguesas ocidentais se constroem uma serie de trincheiras e fortificações que são limites e barreiras para os movimentos rápidos e decisivos do proletariado em sua luta pelo poder.

Essas trincheiras e fortificações são os aparatos hegemônicos que constroem os capitalistas dentro da sociedade civil, muitas vezes inclusive no seio do movimento operário e dos oprimidos, e que são parte fundamental do exercício do poder político capitalista.Assim, nas sociedades "ocidentais" o poder político patronal não esta localizado apenas no aparato estatal, mas uma série de instituições e organizações da sociedade civil são parte integrante e fundamental de seu poder. Jornais, escolas, igreja, família, associações, ONGs, partidos políticos, sindicatos burocratizados, todos esses organismos se constituem como verdadeiras fortalezas da dominação capitalista dentro da sociedade civil, e fortalezas tão mais eficientes e poderosas quanto mais aparecem como expressão espontânea da organização da sociedade.

Elas podem cumprir esse papel de contenção e válvula de escape para as contradições sociais pois desviam e absorvem a insatisfação dos setores oprimidos para dentro de instituições e mecanismos que tem como marco insuperável de sua atuação a propriedade privada e as relações políticas que dela derivam. São ferramentas essenciais, portanto, para o poder patronal pois permitem a expressão da insatisfação, sua sublimação, por assim dizer, dentro de parâmetros aceitáveis e que não questionam as relações capitalistas.

Esses aparatos hegemônicos são tão mais funcionais na medida em que são expressão da organização "autóctone", ’’própria’’, "democrática", dos setores oprimidos. A partir da cooptação ou corrupção direta das organizações que surgem como expressão legítima da luta dos oprimidos é possível à burguesia operar aquilo que Gramisc chamou de transformismo, ou seja, fazer dessas organizações legítimas dos oprimidos formas de exercício do poder dos opressores.

Dessa forma, dentro do estado "democrático" burguês a dominação patronal se exerce não apenas a partir do aparato estatal mas também a partir desses organismos da sociedade civil.A síntese desses dois poderosíssimos instrumentos de dominação Gramisc chamou de estado integral, forma de exercício e realização de poder muito mais complexa e efetiva que temos que combater nas sociedades "ocidentais".

SUFRÁGIO UNIVERSAL COMO FORMA DE LEGITIMAÇÃO DA DOMINAÇÃO BURGUESA

Elemento fundamental para o poder de atração e cooptação que tem o domínio burguês sob formas "democráticas" é o sufrágio universal. Através do voto constroem os capitalistas a ilusão de uma efetiva participação das classes subalternas nos rumos políticos da comunidade. Através da escolha de um candidato a cada 4 anos poderiam os trabalhadores, pelo seu peso numérico, por exemplo, definir efetivamente quais caminhos deve a sociedade seguir.

Isso se torna uma ilusão pois toda estruturação política da sociedade burguesa, capitalista, se constrói de tal forma que o voto não altera no essencial sua configuração, sendo antes forma de legitimar e construir consenso em torno de determinada superestrutura política.O voto a cada quatro anos se torna dessa forma expressão do consentimento das classes subalternas em relação ao "contrato social", a forma institucional construída pelos capitalistas para que se possa expressar esse consentimento.

A existência de um aparato burocrático inelegível e com interesses conservadores, de um aparato militar e repressivo igualmente inelegível e conservador, um judiciário que se constitui como casta apartada da sociedade (igualmente não eleita), o monopólio dos meios de difusão da informação nas mãos dos capitalistas, a influência gigantesca do poderio econômico nas disputas políticas institucionais, o controle por parte dos capitalistas de uma infinidade de aparelhos ideológicos como as igrejas, a escola, a família, a indústria cultural, todos esse fatores e muitos outros ainda fazem com que as disputas eleitorais baseadas no sufrágio universal dentro da república burguesa longe de serem efetivamente democráticas sejam antes formas ilusórias de participação e altamente funcionais para a legitimação da dominação.

Construindo a ilusão de uma efetiva participação o voto consegue desviar toda a efervescência da mobilização política que acontece em determinados momentos para dentro das urnas e da escolha "democrática" de representantes, desviando o protagonismo popular e operário das lutas para dentro das instituições próprias aos exercício da hegemonia burguesa.Construindo diferentes partidos como ferramentas para o exercício de sua hegemonia sobre os diferentes grupos e classes da sociedade a burguesia infla a ilusão da participação e escolha, pois poderia se escolher entre as diferentes opções que na verdade são diferentes manifestações da mesma política, os diferentes partidos burgueses sendo expressão de diferentes necessidade e correlações de força para a patronal em sua luta contra o proletariado. Apesar de diferenças que possam haver entre esses partidos em questões secundárias, táticas, todos se unem no essencial, a defesa da propriedade privada e dos interesses últimos dos patrões.

Através da representação que parece conferir o voto a patronal desvia a efervescência e participação direta dos oprimidos na política, construindo mediações que fazem com que essa participação política possa ser absorvida para dentro de suas instituições. Assim, longe de ser o principal ou único direito democrático de nossa classe o sufrágio é forma altamente funcional do exercício da hegemonia burguesa.

INDÚSTRIA CULTURAL E REPRODUÇÃO DE FORMAS DE SOCIALIZAÇÃO

Outro elemento chave para a reprodução da hegemonia burguesa nas sociedades "democráticas" é o monopólio dos meios de difusão da cultura e do saber, a indústria cultural.

Com sua pasteurização e mecanização da formas de produção e reprodução da arte e da cultura, que são formas de educar e criar os sentimentos e visões de mundo sociais, a indústria cultural infantiliza e embrutece os setores oprimidos, os faz menos sensíveis as formas de opressão que sofrem, os tornam reprodutores, inclusive, dessas formas de opressão.Embrutecendo e e infantilizando as formas de sentir e pensar dos oprimidos a indústria da cultura os educa a serem menos capazes de reconhecerem e lutarem contra a opressão.

Os meios de difusão de massa, industriais, de reprodução da cultura, passíveis de serem monopolizados pelos capitalistas e suas grandes corporações, como televisão e rádio, foram assim instrumentos essenciais para a possibilidade da estruturação da dominação burguesa sob bases "democráticas".

FORMAS DE LUTA NA DEMOCRACIA BURGUESA

Do exposto acima de forma alguma deve-se concluir que a democracia burguesa é fortaleza inexpugnável e portanto a impossibilidade da luta nesse front específico. Ao contrário, a compreensão das formas particulares da dominação na democracia burguesa é essencial para que possamos articular a estratégia e a tática da forma correta aproveitando os flancos e fissuras que se abrem nessa configuração específica da dominação patronal.

A primeira grande vantagem que se abre para os revolucionários na democracia capitalista é a possibilidade de se organizarem de forma legal e relativamente livre. Para legitimar seus aparatos hegemônicos e absorver o descontentamento popular é necessário aos capitalistas ceder, após muitas lutas operárias, esse direito.Essa possibilidade de organizar de forma legal seus próprios aparatos hegemônicos, possibilidade única na história das classes subalternas, deve ser aproveitada profundamente pelos revolucionários.

Que tenhamos possibilidade de organizar partidos operários, jornais, associações, sindicatos, e todos os demais instrumentos da luta dos oprimidos são trincheiras essenciais que se bem aproveitadas podem ser casamatas e fortificações nos quais nos apoiarmos para uma ofensiva revolucionária em momentos de crise orgânica da dominação burguesa.

A utilização das eleições como momento importante da propaganda e agitação de ideias revolucionárias

A possibilidade também de utilizarmos as campanhas eleitorais como momento de agitação e propaganda de ideias revolucionárias é momento tático importante dentro de uma estratégia revolucionária nas democracias capitalistas.

Para legitimar o quão "democrático" é seu sistema eleitoral muitas vezes a patronal permite, sempre com uma série de restrições, a participação de candidatos e/ou partidos revolucionários. As eleições são momentos de particular politização da sociedade, por fora de ascensos de massas, momentos em que o conjunto da população está debatendo política.

Aproveitar essa contradição da dominação burguesa sob bases democráticas, que ela tenha que politizar a sociedade a cada período e ainda permitir a participação dos revolucionários é central, desde que reconheçamos que a luta aqui se dá no campo inimigo e que são diversas as pressões a adaptar a participação dos revolucionários no debate eleitoral para marcos aceitáveis e palatáveis dentro da democracia burguesa.

Frente única como forma de desmascarar os aparatos hegemônicos burgueses dentro movimento operário

Para se legitimar os aparatos hegemônicos que constroem os capitalistas dentro do movimento operário, burocracia sindical, partidos reformistas, por exemplo, tem, por meio desses seus agentes no M.O., que muitas vezes levar lutas parciais em defesa de interesses imediatos dos trabalhadores, como demandas salariais elementares contra o avanço da inflação, contra os ataques mais vorazes dos capitalistas associados contra direitos conquistados dos trabalhadores, etc.

Uma hábil direção revolucionária, com uma correta política de frente única, que combine exigência e denúncia às burocracias, pode usar esses momentos de manobras burocráticas para se legitimar como forma de desmascarar as burocracias frente as massas trabalhadoras.

Exigindo que as burocracias se mobilizem em defesa das bases que elas dizem representar e as denunciando quando não o fazem ou fazem apenas para legitimar seus privilégios e posições os revolucionários cumprem um papel central para acelerar a experiência do proletariado com suas direções burocráticas.

EPÍLOGO: O QUE TEMOS A DEFENDER NA DEMOCRACIA BURGUESA?

O entendimento da democracia burguesa como configuração específica da ditadura de classe patronal em determinadas correlações de força da luta de classes não deve nos levar a concluir que nada temos a defender nessa democracia e que entre esse regime e um regime ditatorial aberto não existem diferenças qualitativas, como poderiam pensar setores ultraesquerdistas.

Como já expresso anteriormente para legitimar essa sua forma de dominação e aproveitar toda sua funcionalidade os capitalistas tem que abrir flancos que permitem aos revolucionários formas de atuação muito importantes quando utilizadas por uma hábil e consequente direção revolucionária.

A possibilidade de organização e difusão de ideias legalmente, de forma relativamente livre, apesar da evidentes pressões à adaptação e cooptação, com que contam os capitalistas, inclusive, são direitos e possibilidades de atuação que devem defender com unhas e dentes os revolucionários.

Assim, frente a avanços autoritários e ditatoriais os revolucionários são linha de frente na defesa das demandas democráticas, mesmo as mais formais, para defender não a democracia dos ricos mas sim os germes de democracia operária que conquistamos e construímos em seu interior.

 
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