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TEORIA
Voloshinov, a palavra como arena de luta de classes
Ulices Candia

Quem foi Voloshinov e quais foram suas contribuições, são perguntas não muitas vezes feitas e poucas vezes respondidas. Alguns elementos básicos da obra deste intelectual quase negado pela história.

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O contexto

Valentín Nikoláievich Voloshinov nasceu em 1895 na cidade de São Petersburgo, posteriormente conhecida como Leningrado, e foi parte do chamado Círculo de Bajtín. Este círculo, como outros da época, foi um grupo de linguistas e críticos literários criado no início da década de 1920 e era integrado por personalidades como o próprio Mijaíl Bajtín e Pável Medvédev, entre outros. Seus trabalhos giraram em torno dos enunciados, dos gêneros discursivos, da estilística, tradução e principalmente das relações sócio ideológicas entre o discurso (fala, texto, etc.) e o contexto histórico do sujeito discursivo.

Temos que destacar que o Círculo de Bajtín manteve sérias discussões com outras correntes linguísticas e principalmente com os Formalistas Russos, agrupados anteriormente nos Círculos de Moscou e no OPOYAZ (“Obshchestvo izucheniya POeticheskogo YAZyka”, ou em português “Sociedade para Estudos da Língua e Poética”) que mais tarde se uniriam. O formalismo, como sugere seu nome, propõe um estudo científico da forma das obras literárias, desvinculando a linguagem literária da linguagem cotidiana, inclusive chegando a rechaçar, iniciamente, os elementos extras verbais como a biografia do autor ou seu contexto para a análise. Isto lhes custaria duras críticas por parte dos bajtinianos.

Na Rússia Soviética numerosas vanguardas artísticas e intelectuais floresceram ao calor da Revolução, que logo murchariam com o regime stalinista, sua imposição do realismo socialista como estilo artístico oficial, único e obrigatório, e por sua perseguição aos intelectuais e revolucionários que não se subordinavam ao regime. A exemplo do próprio Bajtín, que seria preso e deportado em 1929. Voloshinov escapou dos processos de 1936 devido a sua trágica morte às mãos da tuberculose, Medvédev não.

O signo ideológico, a palavra e a sociedade

A obra principal de Voloshinov foi O Marxismo e a Filosofia da Linguagem publicado em 1929. Até o dia de hoje muitos atribuem a autoria deste trabalho a Mijaíl Bajtín, assim como outros consideram Bajtín um impostor. [1]

Parte de uma tese básica: Todo produto ideológico, seja uma teoria, uma obra de arte, uma lei, etc, está composta por signos. Estes signos são materiais e objetivos, pois qualquer teoria está composta por palavras qualquer pintura de imagens, e assim por diante. Para Voloshinov o signo ideológico por excelência é a palavra, pois esta em todo o produto e criação ideológica em geral, e constitui a base do “discurso interno” e a comunicação entre as pessoas.

Há aqui os esboços de uma teoria materialista da ideologia que lhe dá uma base material a ideologia, a qual é o signo. No entanto, Voloshinov não fica no mecanicismo vulgar da “base-determina-superestrutura” no momento de entender as relações entre a sociedade e as ideologias. Diz o seguinte:

“As relações de produção e a formação político-social condicionada diretamente por aquelas determinam todos os possíveis contatos dos homens, todas as formas e modos de sua comunicação verbal: no trabalho, na política, na criação ideológica. Por sua vez, tanto as formas como os temas das manifestações discursivas estão determinados pelas formas e os tipo de comunicação discursiva.” [2]

Temos agora que compreender o porquê de um discurso específico, por um lado, a organização social da qual é parte e a mesma que dá os marcos comunicativos (formas de comunicação discursiva como o que são o discurso científico, militar, etc.) E, por sua vez, estes “marcos” tem seu próprio repertório de formas e temas que viriam a ser as manifestações discursivas particulares. Uma mudança na organização social, suas relações de produção, sua formação político-social, geraria mudanças e/ou novas formas discursivas porque há novas instituições e espaços desde onde as pessoas se relacionam e se comunicam, dão-se novos “temas” discursivos, novos horizontes sociais diria Voloshinov. Por isso: “A palavra é capaz de registrar todas as fases transitórias imperceptíveis e fugazes das transformações sociais”.

E o conteúdo? Voloshinov chama de “tema” o objeto de discurso, o que se entende. Os temas formam parte do horizonte social de um grupo determinado e estão ligados a seus interesses ideológicos próprios. Sempre um tema ideológico tem uma acentuação carregada de valor, valoração (que lhe caracteriza como bom, mal, justo, agradável, etc.) Pode haver acentuação individual, mas como a linguagem não é criada individualmente, todos os acentos são interindividuais. Um exemplo simples: Macri falou de “pobreza zero” em sua campanha por que sabia muito bem que terminar com a pobreza é um problema para muitos setores da sociedade e agrega-lo ao discurso responderia a essa sensibilidade. Agora, próximo das eleições, a “pobreza zero” já não está dentre de seus interesses nem de seu horizonte social.

Recapitulando, o “dizer” tem um caráter cruzado entre os interesses sociais que o impulsionam e os acentos valorizativos que cada grupo do coletivo linguístico lhe dá. Assim Valoroshinov afirma que a palavra, o dizer, é a arena da luta de classes. As diferentes classes utilizam a mesma língua, mas os acentos valorizativos de cada palavra, cada signo ideológico não são os mesmos tão pouco a capacidade de sustentar ou impor esses acentos.

“O caráter multiacentuado do signo ideológico é seu aspecto mais importante. Na realidade, é tão somente graças a este cruzamento de acentos que o signo permanece vivo, móvel e capaz de evoluir. [...] Qualquer injuria pode chegar a ser elogio, qualquer verdade viva inevitavelmente pode chegar a ser, para muitos, a mentira mais deplorável. Nas condições normais de vida social esta contradição implícita em cada signo ideológico não pode manifesta-se plenamente, porque um signo ideológico é, dentro da ideologia dominante, algo reacionário e trata de estabilizar o momento diretamente anterior na dialética do processo gerador social, pretendendo acentuar a verdade de ontem como se fosse à de hoje”.

“Negro” pode ser um apelido carinhoso para alguns e algumas ou, para outros e outras, um insulto que supostamente nada tem a ver com a pele, mas sim com a “alma”. O feminismo é para muitas e muitos uma ideologia que luta contra a sociedade patriarcal sustentada pelo capitalismo em busca da igualdade de gênero, mas é outra coisa para aqueles que usam o termo “feminazi” sem parar para pensar muito nas diferenças entre o fascismo e as reivindicações por direitos das mulheres. Poderíamos seguir dando muitos exemplos.

Necessitaríamos de muitas outras páginas para comentar sobre os diversos aspectos da obra de Valentín Voloshinov e do Círculo de Bajtín. Quiçá se não fora pela censura stalinista e a reticência dos acadêmicos a todos aqueles que levavam a palavra “marxismo” adiante, a tradição dos bajtinianos teria influenciado a linguística moderna com um novo paradigma teórico. Mais ainda, entender que o linguístico-ideológico também é parte de um devir da história e sua consolidação e transformação é um produto de cegas disputas entre as classes, oferece um enfoque alternativo ao enfoque estruturalista embasado no neo-positivismo de Saussure, o “objetivismo abstrato” como o chamaria Voloshinov.

 
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