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REPORTAGEM A PATRÍCIA JIMÉNEZ
Ocupação dos meios de comunicação em Oaxaca: “As mulheres passamos a ser visíveis com a ocupação do Canal 9”
Martin Espinoza

Se passaram dez anos da ocupação dos meios de comunicação em Oaxaca, México. Patricia Jiménez, ativista, docente, socialista e lutadora feminista, recorda aquele processo e a ocupação do Canal 9, que teve as mulheres como protagonistas centrais.

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Em 1 de agosto de 2006, como parte do que se conheceu como a Comuna de Oaxaca, no México, eram ocupados os principais meios de comunicação. À cabeça estiveram as mulheres, que logo poriam de pé a Coordenação de Mulheres Oaxacanas (COMO). Nesse dia, uma gigantesca mobilização de mulheres chegou até as portas do edifício onde funcionam as rádios FM 96.9 e AM 680 e o Canal 9, todos meios de comunicação estatais. Não imaginaram que seriam protagonistas de uma experiência que teria repercussões internacionais. Ao cair da noite desse dia, um grupo de mulheres havia pedido um espaço para expressar as demandas de sua luta ante as mentiras difundidas pelos meios de comunicação de massas. Ao negarem-lhes o espaço, terminaram tomando as instalações e ali ficaram.

Nenhuma delas conhecia nem a teoria nem a prática dos meios de comunicação. Mas isso não foi impedimento para começar a encaminhar as transmissões e contar ao mundo a verdade do que ocorria em Oaxaca.

Patricia Jiménez é docente universitária e foi protagonista daquela ocupação do Canal 9. “Paty”, como é conhecida, foi também direção da Coordenação de Mulheres Oaxacanas 1 de agosto e conselheira da Assembleia Popular dos Povos de Oaxaca (APPO), que foi o organismo que aglutinou trabalhadores, camponeses e o povo de Oaxaca, estabelecendo um duplo poder territorial.

ED: Em que contexto de seu a ocupação do Canal 9 em 2006?

Oaxaca é um dos estados com maior pobreza do México. Ocupa o terceiro lugar no país, é uma das cinco entidades com mais miséria no país e é uma das que exporta força de trabalho mal remunerada para os Estados Unidos. Oaxaca é considerado um dos estados pluriculturais do país, por possuir uma grande diversidade étnica e linguística. As línguas que predominam são zapotecos, mixtecos, mazatecos, chinantecos e mixes, entre outras.

Esta situação, longe de ser assistida pela riqueza que o estado tem, é um elemento que leva a população a ficar marginalizada. Além disso, pela constituição geográfica de difícil acesso para algumas comunidades campesinas ou indígenas, fazem falta caminhos, água potável, serviços de saúde, escolas e sobretudo emprego. Por isso que muitos camponeses ou comunidades originárias vivem do pouco que produzem para autoconsumo.

Toda essa situação faz com que as comunidades se organizem para obter melhores condições de vida diante da incapacidade dos governos para poder atendê-los, o que têm gerado um grande descontentamento popular que se fez mais patente em 2006.
Um dos setores organizados são os professores e professoras, reunidos na Seção 22 do sindicato de professores que conforma parte da Coordenação Nacional dos Trabalhadores da Educação.

Em 2006, governava Oaxaca, Ulises Ruiz Ortiz (URO), que chegara ao poder por meio de fraudes eleitorais, impondo-se naquele tempo sobre Gabino Cue, candidato impulsionado pelo Partido Convergência, pelo PRD e por outros. URO instala os escritórios do governo fora da cidade, ao assinalar que não iria permitir marchas e acampamentos. Em fevereiro desse ano reprime várias mobilizações, entre elas a do Sindicato de Trabalhadores e Empregados da Universidade Autônoma Benito Juárez de Oaxaca (UABJO), que havia começado uma greve. Havia atacado o periódico Noticias.

Como todo ano, em 2006 os professores levantaram suas demandas sindicais. Mesmo assim, em 14 de junho o acampamento que os professores haviam instalado é reprimido com gases e helicópteros, mulheres agredidas, vários detidos, entre eles os que transmitiam na Radio Plantón, porque a rádio do sindicato foi ocupada pela polícia nesse momento. Este ato repressivo não obteve êxito porque a população da cidade, os cidadãos fomos em defesa dos professores que se enfrentavam contra a polícia, até que aproximadamente às oito horas o zócalo já estava recuperado.

Pela tarde várias mulheres nos incorporamos à esse movimento, já que haviam convocado uma mobilização. Isso deu oportunidade para que várias organizações também manifestassem seu repúdio à ação de desocupação da praça. Outras organizações se incorporaram ao acampamento, algumas já estavam dando apoio antes.

Quatro dias depois se conforma a APPO, com uma infinidade de organizações de trabalhadores.

A partir de 14 de junho se exige a saída de URO e de Jorge Franco, “O Chucky”, que era o Secretário de Governo. Cresce o descontentamento popular, se realizam mais mobilizações e se fortalece o acampamento na Cidade do México. O descontentamento popular era muito grande porque o governo, além de proibir as mobilizações, estava acabando com as áreas verdes do zócalo e outras obras que atentavam contra o meio ambiente.

Os meios de comunicação apoiavam o governo, exceto o periódico Noticias, que havia sido atacado pelo governo de URO. A corporação de rádio e televisão do estado começou a veicular uma série de spots, como fazem agora contra a greve dos professores, chamando os professores para as aulas e terminar a greve. Essas imagens que publicavam eram com crianças dizendo que “as crianças queriam aulas”, manipulando a informação, acusando os professores de selvagens, vândalos, tratando de confundir e deslegitimar. No entanto, as demandas do povo eram por uma nova constituinte e a instauração de um governo popular.

A APPO rejeita o governo e se cria a polícia magisterial de Oaxaca (POMO).
O zócalo da capital e os lugares ocupados eram apoiados pelos cidadãos, que levavam alimentos aos manifestantes. Em julho de 2016 os professores consideram o regresso às salas de aula para terminar os cursos, gerando descontentamento entre vários setores, porque se via que a direção de Rueda Pacheco, então Secretário Geral da Seção 22 do Sindicato de professores, estava tendo acordos no escuro. Leva-se a consulta às bases para decidir e se resolve que continuariam o acampamento representativo apoiado pelos sindicatos e demais organizações sociais.

Enquanto isso os meios de comunicação seguem atacando o movimento, o que faz aparecer a proposta nos acampamentos de que se ocupe o Canal 9, a corporação de rádio e televisão estatal. Inclusive já se havia comentado na assembleia estadual e na APPO sem se concretizar. Se organiza a marcha de mulheres, uma iniciativa das companheiras que resguardavam o acampamento nas finanças e convocam em 1 de agosto de 2006, a qual agrupa milhares de mulheres oaxacanas.

Essa marcha sai da Fonte das Oito Regiões para chegar ao zócalo da cidade, ali se propõe ir ao Canal 9 para exigir o fim da desinformação e para protestar contra o governo de URO.

Nos deslocamos para os estúdios, se pede um espaço, conversa-se com a diretoria, esse espaço é negado e e diretoria se vai, então se decide tomar a corporação. Mais tarde chega a direção da APPO, indicando que não havia acordo em ocupar. Até então as mulheres nos organizávamos no interior da APPO. Foi uma comissão encabeçada pela companheira Nancy Mota, também ex-conselheira da APPO, na assembleia estadual pedir o apoio. Horas depois regressam com a informação que a Seção 22 do Sindicato dos Professores apoiaria a ocupação desse espaço. Enquanto chegava a comissão pedíamos para os trabalhadores do Canal 9 nos permitirem realizar um programa para dar conhecimento das demandas do movimento. Eles se negaram, assim como também não quiseram se retirar do lugar. Mais tarde, aproximadamente 19h ou 20h, chega o delegado do sindicato da TV, que pede que venha a Cruz Vermelha para que deixem os trabalhadores do canal, e que se constate que não foram espancados nem agredidos, nem nada. Se acorda com o dirigente do sindicato que os trabalhadores fariam a mensagem das mulheres ao vivo e logo se retirariam.

As mulheres discutem para ver quem falaria e saem as companheiras que aparecem nesse programa. Mais tarde os trabalhadores saem e são revisados pela Cruz Vermelha.

Na madrugada termina a sessão da assembleia e os professores se dirigem às instalações levando serenata, cantando, gritando consignas. Ali se trata de formar comissões para poder começar a produzir os programas. A rádio começa a funcionar e a TV no dia seguinte.

ED: Como fizeram funcionar os meios tomados?

Pela manhã de 2 de agosto, faz-se uma reunião com mulheres das organizações que tiveram a iniciativa de ocupar. Se nomeia comissões, higiene, segurança, alimentação, comunicação e propaganda, dividida em rádio e televisão. Dessa maneira se confiam tarefas a cada comissão. Pede-se o apoio de alguns trabalhadores do magistério que conheciam o manejo do equipamento. Apoiam e dessa maneira se poe a funcionar a televisão. Na rádio, já estavam operando as cabines saindo ao ar e o povo se inteirando de que estava tomado o canal, chega a gente com muito apoio de mantimentos, isso era impressionante.

As mulheres decidem que esse espaço será vigiado pelas mulheres e não poderão entrar companheiros, para evitar qualquer infiltrado ou provocador que queira danificar o equipamento, como já havia acontecido na rádio universidade.
Coloca-se para funcionar e saem muitas mulheres denunciando a situação que vivia o estado, se transmitem vídeos, como o da repressão em Atenco, o ocorrido em 14 de junho, que falavam das lutas sociais de Oaxaca e outros estados.

Discute-se que não se podia seguir empregando a televisão como se fosse uma rádio porque aqui era diferente, então se começa a elaborar a programação da televisão. Veicula-se materiais realizados pela Ojo de Agua Comunicación, se inicia o desenvolvimento da grade programática. Pelas manhãs o noticiário, alguns programas entrevistando personalidades e dirigentes sociais, se cobre as conferências de imprensa da APPO e se difundem as atividades que realizarão. Às 15h novamente um noticiário da APPO, programas culturais pelo espaço urbano, vários cidadãos realizavam algumas denúncias, participavam integrantes de comunidades nos programas e também havia um espaço sobre os direitos das mulheres e outro acerca da saúde, onde participavam integrantes do sindicato da saúde.

Pela noite se transmitiam debates sobre educação, sobre a situação política do estado, onde participavam vários especialistas e dirigentes de movimentos. Quando se atentava contra o movimento, levavam os detidos e expunham eles nas telas para mostrar ao povo quem eram os provocadores.

Os companheiros, que em princípio haviam apoiado, queriam condicionar a programação e as mulheres. Sobre isto já havíamos aprendido um pouco e uma companheira que sabia disso (Nancy) nos orienta e então eles se retiraram e as mulheres manejaram tudo. Alguns companheiros apoiavam na elaboração de cortinas, enquanto se iniciava outro programa. Alguns dos números de telefone eram divulgados para que enviassem mensagens e saber se os cidadãos tinham alguma opinião. Também levavam materiais ou películas para transmitir. Esse aspecto não se conhecia, mas se aprendeu, aprendemos o que era o switcher, o master e como manejar as câmeras. Uma companheira embaixo fazia o sinal e já sabíamos que era para mover a alavanca para a câmera um, câmera dois. Quando entravam participantes, tínhamos panos descartáveis para que os rostos não brilhassem tanto quando estavam frente às câmeras. Ao pegar o microfone, ao falar, ao vencer o medo.

Muitas vezes a programação era interrompida pelas ameaças de reintegração, nos reuníamos, comentávamos e entre todas nós ganhávamos ânimo, muitas de nós tinham ali nossos filhos e filhas, nos preocupava que pudessem passar por algo, porque constantemente nos ameaçavam mandando mensagens nos celulares que púnhamos na tela para receber opinião do público.

Essa ocupação pôde ser vitoriosa graças às professoras da Seção 22 que sempre estiveram resguardando o espaço. Durante 21 dias tivemos a TV no ar. Na madrugada de 21 de agosto de 2006 destruíram à balas o sinal, que se encontrava no fim do Fortin. Diante disso, a população, na madrugada, tomou todas as radiodifusoras por essa agressão ao espaço ocupado pelas mulheres.

Posteriormente, na assembleia da APPO se decidiu devolvê-las, exceto a Radio La Ley e a Radio Oro, porque eram duas empresas radiofônicas que atacavam constantemente o movimento. Estas foram devolvidas finalmente com a entrada da Polícia Federal Preventiva em 29 de outubro desse ano.

ED: Quais foram as lições mais importantes que deixou a experiência da ocupação dos meios de comunicação em Oaxaca?

Uma das contribuições ao movimento foi que se rompeu o cerco midiático, já que quando se inteiraram que as mulheres haviam tomado o Canal 9, as pessoas chegaram de várias partes do país e do mundo. Uma das organizações que se solidarizou de imediato foi o Pan y Rosas da Argentina, que mandou uma saudação. Chegaram da Espanha, França, etc. para conhecer o processo. Isso mostrou que o movimento transcendera e se rompera o cerco.

Aprendemos a conviver entre nós, a compartilhar experiências de nossas vidas, muitas já se conheciam e ali voltaram a se encontrar. Houveram muitas diferenças, mas nos mantivemos pelo desejo de mudar esta sociedade por um mundo melhor, por colocar os meios de comunicação a serviço do povo.

Aprendi que é necessária a organização, que as mulheres passamos de invisíveis à visíveis com a ocupação do Canal 9, da importância das mulheres nas lutas sociais e de serem reconhecidas como cidadãs. Que as mulheres avançamos, que sim podemos.

Que é necessária a democratização dos meios, que se devem socializar os meios de comunicação e não servir apenas para o governo da vez. Que deve-se abrir espaços para escutar as diversas propostas que existem. Isso só se poderá alcançar com uma verdadeira transformação profunda de classe.

ED: A ocupação dos meios de comunicação em 2006 deixou no presente algum tipo de legado ou continuidade para o movimento de luta? Qual é a situação deles hoje?

A tomada de consciência de que é necessário que as organizações tenham seus próprios meios de difusão, de propaganda, seus próprios meios de comunicação à serviço do povo. Surgiram projetos para incrementar as rádios alternativas e criaram-se meios livres por diversos atores sociais. Se tomou consciência da necessidade de romper com a manipulação da mídia.

Por outro lado, os partidos começaram a incorporar as mulheres nos movimentos. Surgiram diversas organizações de mulheres.

Algumas organizações como as ONGs têm espaços na corporação de rádio e televisão do estado. Outros estados já não têm medo de ocupar as radiodifusoras. O movimento magisterial de maneira organizada pode exigir às rádios comerciais espaços.

E por último, esta experiência gerou uma tomada de consciência por parte das mulheres no sentido de suas demandas.

 
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