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CONFLITO ENTRE POTÊNCIAS
O nó de Tucídides, possibilidades de conflitos entre EUA e China
Santiago Marimbondo
São Paulo

Com a desestabilização da hegemonia estadunidense, novas figuras despontam em busca de maior influência global. A China ganha destaque.

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Durante décadas o discurso capitalista, por meio de seus ideólogos oficiais, de fim da história e de uma nova ordem mundial hegemonizada pela "pax americana" gozou de um predomínio inconteste nos meios intelectuais, mesmo na maioria daqueles que ainda ousavam se declarar de esquerda. Embriagados com sua vitória depois da queda do muro de Berlim os ébrios burgueses falaram em fim da história, fim do trabalho e do movimento operário, colocando o capitalismo como marco e forma insuperável das relações sociais.

A democracia burguesa aparecia como forma última e superior alcançada pelo desenvolvimento social da organização política e guerras entre os países centrais capitalistas (imperialistas) pareciam algo do passado, inconcebível nesse novo momento, sendo relegadas as guerras aos países periféricos.

Com toda sua hipocrisia e apesar das contestações da luta de classes que continuaram a existir esse discurso conseguiu se sustentar durante um longo período. No entanto, a crise capitalista que começou em 2008 e que continua, com fluxos e refluxos, retirou qualquer base material que pudesse justificar esse discurso ideológico.

Se num primeiro momento os capitalistas conseguiram estancar os primeiros fenômenos mais críticos consequentes à crise sua continuidade e extensão passam cada vez mais a colocar em xeque as instituições, as balanças de poder, as relações interestatais, entre as classes, as formas políticas, que foram as bases da acumulação capitalista, seu regime de acumulação específico, nas últimas décadas.

A primavera árabe foi um primeiro momento de contestação agudo a essas antigas relações que tinham se cristalizado no momento anterior, mas a burguesia imperialista conseguiu desviar esse processo por meio da política de contrarrevoluções democráticas primeiro e pelo caos que se instalou no oriente médio posteriormente.

No último período, contudo, essas contradições políticas e interestatais deixaram a periferia capitalista para impactar diretamente os países imperialistas centrais. Ao lermos os principais meios de comunicação imperialistas, seus "think tanks", etc, vemos claramente um discurso cada vez mais pessimista, onde a confiança na democracia burguesa e na "paz perpétua" é cada vez mais subsistidos por um ceticismo e pragmatismo que só podem ter consequências graves para nós trabalhadores e os oprimidos.

Com a vitória do Brexit na UE e o fortalecimento da candidatura de Trump nos EUA, por exemplo, a burguesia imperialista vê cada vez mais que essa forma particular de sua ditadura de classe que é a democracia pode entrar em contradição com seus interesses mais imediatos e passa a buscar formas de sem romper formalmente com essa ferramenta que lhe é tão funcional impor seus interesses sem as mediações e desvios que o sufrágio pode lhe obrigar (o impeachment no Brasil pode significar, talvez, um teste para essa nova política).

Também os debates sobre a possibilidade de conflitos interestatais entre as grandes potências deixa de ser algo distante e passa a ser algo cada vez mais discutido nos grandes meios imperialistas.O que a poucos anos parecia impossível, e que teria consequências catastróficas, passa a ser algo cada vez mais colocado no "horizonte dos eventos", como possibilidade a ser levada em consideração.

As relações entre os países imperialistas e potências emergentes passam cada vez mais a se assemelhar aquelas que existiram antes da primeira guerra mundial, onde uma série de acordos e pactos bilaterais entre os países e a existência de várias áreas de possíveis conflitos possibilitam que confrontos num primeiro momento menores possam levar a uma escalada de conflitos que gere uma possível guerra entre potências. O primeiro exemplo foi a rusga diplomática entre Turquia (pais membro da OTAN) e Rússia no contexto da guerra civil síria quando os turcos derrubaram um avião russo.

Existem, no entanto, outros pontos de atrito que envolvem países imperialistas, potências emergentes e seus aliados regionais que podem levar a conflitos de grandes proporções.Os analistas imperialistas veem pelo menos 4 pontos centrais de conflitos geoestratégicos que poderiam levar a grandes confrontos: a disputa no mar do sul da China entre EUA e o país asiático, também envolvendo os parceiros de ambos os países; os conflitos na Ucrânia entre Rússia e OTAN; na Síria, possíveis conflitos entre EUA e Rússia ou outro país pertencente a OTAN; a "guerra fria" entre Irã e Arábia Saudita no Oriente Médio, que apesar de envolver "potências regionais", pode levar a um grande conflito caso se aprofunde, dada a importância central da região e a necessidade para todas as potências imperialistas e aspirantes de que se mantenha uma balança de poder favorável a seus interesses.

Esse artigo, que será o primeiro de uma série, pretende fazer uma introdutória análise marxista de tais conflitos. Particularmente nesse artigo se tratará daquele que o autor vê como o principal e que será o definidor no próximo período, o conflito entre China e EUA.

A análise marxista é fundamental como ferramenta intelectual para superar as insuficiências dos analistas burgueses que apesar de ’’insights’’ importantes não conseguem entender os fatores estruturais que levam a esses conflitos. E essencial, também, pois esclarece para nós trabalhadores os desafios que se colocam e nossa responsabilidade cada vez maior de tomarmos os rumos da história em nossas mãos, frente a barbárie a que nos arrasta o capitalismo.

O nó de Tucídides

No final do ano passado a revista estadunidense The Atlantic publicou interessante artigo sobre as possibilidades de conflitos entre China e EUA com o titulo The Thucydides Trap (que traduzimos de forma livre aqui como O nó de Tucidides). No artigo o autor Graham Allison faz uma analogia entre a relação da China e EUA hoje e a relação entre as cidades-estado gregas Atenas e Esparta que levou a guerra do Peloponeso no século V a/c, para mostrar as possibilidades de conflito entre os dois países.

O ascenso de Atenas e as novo sistema de alianças que forjava a cidade-estado foram as causas centrais para a guerra que foi marco importante da história da Grécia clássica. Esse novo sistema de alianças rompia a antiga balança de poder estabelecida na península do Peloponeso, o que levou a guerra com Esparta.

O ascenso da China hoje e a tentativa desse país de forjar novas instituições e sistemas de alianças, uma nova balança de poder na Ásia, região central para a acumulação capitalista hoje, são fundamentos que tornam cada vez mais possível, e inclusive provável, um confronto entre o gigante asiático e os yankes.

O novo banco asiático de desenvolvimento, as incursões chinesas na América Latina (região que os EUA consideram como de sua exclusiva exploração) os movimentos da China por um maior controle sobre os mares do sudeste asiático, além claro do vertiginoso crescimento econômico chinês, são todos elementos que se chocam com as instituições, sistemas de alianças e balança de poder criados pelos EUA para garantir sua supremacia geopolítica global desde o fim da II Guerra Mundial.

O pivô asiático de Obama

Por isso foi necessária a construção de uma nova grande estratégia estadunidense em relação a China. Rompendo com a antiga estratégia de simbiose no qual o país asiático era o produtor em última instância e os EUA o consumidor em última instância (estratégia não mais possível com a crise estrutural do capitalismo) a elite estadunidense forja uma nova política em relação ao país asiático.

Sem ser ainda uma política de confronto direto passa a ter uma estratégia conscientemente mais conflituosa em relação as pretensões chinesas. O acordo transpacífico de livre comércio e a maior assertividade estadunidense nos mares do sudeste asiático são parte dessa nova grande estratégia em relação a China, que busca frear a projeção de poder chinesa, ao mesmo tempo em que ainda busca absorver esse país para as instituições e organismos que garantem a hegemonia estadunidense.

O papel particular da China nas relações internacionais e novo regime de acumulação

A China ocupa papel chave em qualquer estratégia capitalista de superação da crise estrutural do capitalismo que vivemos. Isso porque essa crise é crise do regime de acumulação específico que se formou desde a queda do muro de Berlim e que se aprofundou após a entrada dos asiáticos na OMC. Regime de acumulação baseado na desregulamentação das leis trabalhistas, retirada de direitos históricos, superexploração do trabalho, hiperfinanceirização da economia, liberdade desenfreada para a exportação de capitais, controle das fontes de matéria prima, no que pode ser entendida como uma verdadeira contrarrevolução do capital contra o trabalho, um processo de restauração burguesa, esse regime de acumulação teve como uma das bases de sua imposição a restauração capitalista na China.

A volta da China para a órbita da acumulação capitalista, num processo que podemos caracterizar como via prussiana restauracionista, permitiu ao capital imperialista contar com toda uma nova enorme reserva de mão de obra barata, o que permitiu um largo respiro em relação ao começo da crise estrutural que se desenhou durante o final dos anos 70 e a década de 80 e foi fator chave para a imposição da contrarrevolução neoliberal, pois a concorrência com a mão de obra chinesa foi fator importante para a possibilidade dos ataques capitalistas aos direitos trabalhistas no ocidente.

A entrada do gigante asiático na OMC no começo do século acentuou esse processo, tornando ainda mais fácil a exportação de capitais que não conseguiam espaços de acumulação rentáveis no ocidente. Esse regime de acumulação simbiótico entre EUA e China entra em crise no entanto em 2008. A hiperfinanceirização da economia e exportação de capitais não conseguem mais se expandir no antigo modelo. Tanto China quanto EUA não mais podem sustentar esse modelo simbiótico, e aparentemente benéfico para ambos, de crescimento, tendo que desenvolver uma relação cada vez mais conflituosa.

Isso porque o país asiático ocupa um papel particular (junto a Rússia, penso) nas relações interestatais. É um país que ocupa uma posição intermediária, não sendo nem exatamente imperialista nem exatamente semi-colonial, sendo antes uma formação híbrida.O peso da economia, o tamanho do país e de sua população, seu poderio militar e capacidade de projeção de poder fazem com que a China de forma alguma possa ser vista como uma semi-colônia. O peso das empresas imperialistas em sua economia, a gigantesca desigualdade social e regional, a incapacidade de construir todo um ramo de tecnologia de ponta e grandes marcas internacionais, porém, impedem uma análise do país como uma potência imperialista.

Essa posição ambígua chinesa nas relações internacionais, no entanto, se torna cada vez mais impossível. Isso porque para superar a crise estrutural em que se encontra o capitalismo tem que revolucionar seu regime de acumulação, criar uma configuração radicalmente nova de sua estruturação. Isso passa por reforçar e recolocar a hegemonia estadunidense – em crise – ou o surgimento de um novo hegemom, que só pode ter como candidato hoje a China.

Uma nova configuração estrutural da acumulação capitalista sob hegemonia estadunidense passaria necessariamente por uma efetiva semicolonização da China, fazendo com que esse país volte a posição que ocupou durante praticamente todo século XIX e começo do século XX (das guerras do ópio até a revolução chinesa). Um novo regime de acumulação sob hegemonia chinesa passaria pela contestação de todo sistema internacional construído desde os acordos de Yalta e Postdan, que garantiram a supremacia estadunidense. Fica claro que nenhuma das duas saídas seria possível sem uma guerra de grandes proporções.

Conclusão

Longe de qualquer visão catastrofista de uma guerra mundial iminente, visão que seria obviamente irrealista, esse artigo buscou debater tendências mais gerais da evolução dos conflitos interestatais que tem se desenvolvido, a luz tanto dos debates levantados pelos principais meios imperialistas quanto de uma análise marxista.

Evidente que existem uma série de contratendências a esse desenvolvimento, desde a não linearidade da evolução da crise econômica (que certamente pode ter momentos de recuperação parcial e conjuntural no marco de uma crise estrutural), passando pelos acordos intercapitalista que busquem frear os atritos para na medida das possibilidades garantir seus interesses comuns, sem que seja de forma alguma possível uma saída que se aproxime de algo como um "superimperialismo" a moda kautskyana.

No entanto, o grande limite ao desenvolvimento de conflitos que podem ter uma consequências catastróficas é a luta de classes. É o medo dos capitalistas de conjunto dos levantes operários que momentos de maior conflito entre eles podem gerar o que pode impedir a barbárie a que suas posições podem levar novamente a humanidade.

A crise estrutural capitalista reatualiza nossa época como de crises, guerras e revoluções. É na saída revolucionária que nossa classe deve apostar e não só, devemos assumir nossa responsabilidade histórica.

 
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