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IDEIAS E DEBATES
O que vem depois do Pós-Modernismo?
Terry Eagleton

O crítico literário britânico Terry Eagleton discute teoria literária em conexão com tendências políticas e históricas mais amplas e a persistência do marxismo. O que cultura, arte e teoria expressam no atual contexto de crise, de retomada da luta de classes e recuo do pós-modernismo – e qual seu papel potencial?

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Entrevista de Alejandra Ríos com Terry Eagleton publicada originalmente no Left Voice.

No seu The Event od Literature (2012), você argumentou que a teoria literária estava em declínio nos últimos vinte anos e que, historicamente, há uma forte relação entre mudanças teóricas e os conflitos sociais. Em períodos de turbulência a teoria se desenvolve de forma mais aguda?

A teoria literária alcançou seu ponto mais alto quando a política à esquerda estava ascendendo. Houve o maior surto teórico no período que foi entre 1965 e meados de 1970, que coincide mais ou menos com o período em que a esquerda foi mais interessante enquanto militância e mais autoconfiante do que é hoje. Dos anos 80 em diante, com o endurecimento do avanço do capitalismo pós industrial, essas excrescências teóricas começaram a ceder ao pós-modernismo que, como remarcou Fredric Jameson, é, entre outras coisas, a ideologia do capitalismo tardio.

A teoria radical certamente não sumiu, mas foi colocada à margem, e gradualmente se tornou menos popular entre os estudantes. As grandes exceções a isso foram o feminismo, que continua a gerar um grande interesse, e o pós-colonialismo, que se tornou algo de uma indústria em crescimento e segue sendo assim.

Uma conclusão que não cabe é que a teoria é inerentemente radical. Há muitas formas não radicais de teorias culturais e literárias. Mas a teoria ainda assim coloca algumas questões fundamentais – mais fundamentais que a crítica literária rotineira. Considerando que essa crítica pode questionar “O que o romance significa?”, a teoria vai perguntar “O que é um romance?”

“A teoria radical certamente não sumiu, mas foi colocada à margem, e gradualmente se tornou menos popular entre os estudantes.”

Teoria é, também, uma reflexão sistemática de pressupostos, procedimentos e convenções que regem uma prática social ou intelectual. Isso é, por assim dizer, o ponto em que essa prática é forçada a uma nova forma de auto-reflexão, se colocando como um objeto do seu próprio estudo. Isso não tem, necessariamente, efeitos subversivos; mas pode significar que a prática é forçada a se transformar, depois de inspecionar seus pressupostos subjacentes numa nova forma crítica.

Em A Ideologia da Estética (1990), você argumenta que o conceito de literatura é um fenômeno recente, que emerge como um abrigo para valores estáveis em tempos incertos. Mas você também aponta como a estética tem sido uma forma de internalizar valores sociais assim como leva a visualizar utopias e questiona a sociedade capitalista. A arte ainda pode cumprir esse papel contraditório atualmente?

Ambos os conceitos, de literatura e da ideia de estética, são de fato politicamente dúbios. Há sentidos em que estão em conformidade com a ideologia dominante e há outros em que a desafiam – uma ambiguidade que também é real em diversas manifestações artísticas. O conceito de literatura data de um período em que se sentia a necessidade de proteger certos valores criativos e imaginativos de uma sociedade crescentemente filistina e mecanicista. Mais ou menos junto com o advento do capitalismo industrial. Isso permitiu que esses valores atuassem como uma poderosa crítica à ordem social. Mas por isso mesmo esse conceito se distanciou da vida social cotidiana e às vezes oferecia uma compensação imaginária pra ela. O que quer dizer que foi ideologicamente “bem comportado”.

“Nas sociedades capitalistas avançadas, onde a própria ideia das humanidades está ameaçada, o conceito de literatura é vital para promover atividades como o estudo da arte e da cultura precisamente porque elas não têm qualquer finalidade pragmática imediata.”

A estética encontrou um destino similar. Por um lado, a chamada autonomia do objeto estético fornecia uma imagem de auto-determinação e liberdade em uma sociedade autocrática, bem como de contestação à sua racionalidade abstrata por sua natureza sensorial. Nesse sentido, poderia ser utópico. Ao mesmo tempo, no entanto, essa auto-determinação era, entre outras coisas, uma imagem do sujeito da classe média, obediente a nenhuma lei além da sua própria.

Claro que essas ambiguidades se mantêm até hoje. Nas sociedades capitalistas avançadas, onde a própria ideia das humanidades está ameaçada, o conceito de literatura é vital para promover atividades como o estudo da arte e da cultura precisamente porque elas não têm qualquer finalidade pragmática imediata. Nessa medida, elas questionam o utilitarismo, o instrumentalismo racional desses regimes. Por isso que o capitalismo realmente não tem tempo pra elas e o motivo pelo qual as universidades agora querem bani-las.

Por outro lado, o pensamento socialista não colocaria a arte e a cultura, no final, como os espaços mais fundamentais da luta. Cultura, no sentido mais comum da palavra, é onde o poder se sedimenta, se baseia. Sem isso, é muito duro e abstrato conquistar o engajamento popular. No entanto, o culturalismo pós-moderno se equivoca ao colocar que a cultura é o elemento fundamental nas questões humanas. Os seres humanos são, em primeiro lugar, animais naturais, materiais. São o tipo de animal que precisa de cultura (no sentido amplo do termo) pra sobreviver; mas isso se dá por conta da sua natureza material, como espécie, o que Marx chama de “ente-espécie”.

No The Event of Literature, você desenvolve a ideia do trabalho literário como uma “estratégia” - uma estrutura determinada pela sua função como um tipo especial de “resposta” às questões colocadas pela realidade social. Como essa definição do trabalho literário pode se reconciliar com a “autonomia” do trabalho, como um fenômeno autônomo?

Eu não acho que há necessariamente alguma contradição entre estratégia e autonomia. Uma estratégia pode ser em si autônoma, no sentido de que é um tipo de atividade distinto cujas regras e procedimentos são peculiares e internos. O paradoxo do trabalho artístico em respeito a isso é que ele, de fato, trabalha algo externo a si mesmo, ou seja, problemas da realidade social, mas fazendo isso “autonomamente”, por meio de reprocessar ou retraduzir esses problemas em seus próprios termos peculiares. Nesse sentido, o que começa como externo ou heterônomo para o trabalho, acaba como algo intrínseco a ele. Uma obra realista deve respeitar a lógica externa do seu material (não pode decidir que Nova Iorque fica no Ártico, como um modernista ou o pós-modernista podem), mas ao fazer isso ele insere esse fato simultaneamente na sua própria estrutura de auto-regulação.

Você salienta que as teorias pós-modernas e pós-estruturalistas acabaram em um “fundamentalismo anti-essencialista”, espelhando os “fundamentalismos” que procuravam minar. As definições pós-modernas permanecem dominantes no discurso cultural e ideológico ou essa nova situação de crise capitalista e uma retomada, ainda que limitada, da luta de classes teriam dado origem a novas teorias que não são teórica ou socialmente céticas?

O Pós-Modernismo se supõe anti-fundacional. Mas pode-se dizer que ele simplesmente substituiu certas bases tradicionais por uma nova: a cultura. Para o pós-modernismo, a cultura é aquilo que não se pode cavar por baixo, porque você precisaria recorrer à cultura (conceitos, métodos e assim por diante) pra fazê-lo.

“Desde o 11 de setembro nós testemunhamos o desenrolar de uma nova e bastante alarmante grande narrativa, exatamente no momento em que as grandes narrativas tinham se dado por encerradas.”

Nessa medida, pode-se afirmar que o seu “anti-fundacionalismo” é bastante falso. Em todo caso, tudo depende do que você entende por uma fundação, uma base. Nem todas precisam ser metafísicas. Há, por exemplo, a possibilidade de uma base pragmática, que se pode encontrar em Wittgenstein.

Quanto a saber se o discurso pós-moderno ainda é dominante nos dias de hoje, eu diria que é muito menos. Desde o 11 de setembro nós testemunhamos o desenrolar de uma nova e bastante alarmante grande narrativa, exatamente no momento em que as grandes narrativas tinham se dado por encerradas. Uma grande narrativa, a Guerra Fria, realmente tinha acabado, mas, por motivos relacionados à vitória do Ocidente nessa luta, ela nem bem terminou e outra já entrou em cena. O pós-modernismo, que havia julgado que a História agora seria pós-metafísica, pós-ideológica, mesmo pós-histórica, foi pego de surpresa, então. E eu não acredito que tenha se recuperado.

Você discute as contribuições e deficiências das diferentes teorias revolucionárias desenvolvidas no século XX. A perspectiva marxista parece ter um importante peso na sua análise. Essa tradição ainda é assim tão produtiva no campo da teoria literária assim como é em outras áreas?

A resposta curta para a questão de se existem quaisquer novas contribuições críticas marxistas pra teoria literária é não. O contexto histórico não é propício pra esse desenvolvimento. A obra de Fredric Jameson, um indivíduo que na minha mente é o crítico mais eminente do mundo, continua. Ele vem com um livro brilhante após o outro em uma época em que muitos outros críticos conhecidos se silenciaram.

“O marxismo é muito mais do que um método crítico. É uma prática política, e se você tiver uma grande crise do capitalismo, é inevitável que ele ainda estará pairando no ar em algum lugar.”

Mas não há nenhum novo corpus da crítica marxista. E dadas as circunstâncias históricas desfavoráveis, seria de se esperar que fosse assim. Ao mesmo tempo, o marxismo definitivamente não desapareceu, assim como o pós-estruturalismo (misteriosamente) e até, talvez, o pós-modernismo.

Isso porque o marxismo é muito mais do que um método crítico. É uma prática política, e se você tiver uma grande crise do capitalismo, é inevitável que ele ainda estará pairando no ar em algum lugar. O mesmo é verdade sobre o feminismo, cujo ponto alto crítico é de décadas antes de nós, mas que sobreviveu de forma modificada porque as questões políticas que aborda são muito vitais. Teorias vêm e vão. O que persiste é a injustiça, e enquanto esse for o caso, sempre existirá alguma resposta intelectual e artística para ele.

 
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