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BREXIT
Por trás do Brexit, a perda de influência britânica no mundo
Juan Chingo
Paris | @JuanChingoFT

Embora o verdadeiro impacto sobre a UE e a OTAN continue desconhecido, é certo que a perda de influência britânica, ainda em menor medida, se acentuará.

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A Grã-Bretanha de hoje, tanto econômica como militar e diplomaticamente, não é uma grande potência como foi no passado. É certo que figura entre as maiores economias, mas é cada vez menos competitiva e declinante, com fortes déficits comerciais e ultra dependente de sua bolha imobiliária e dos mecanismos obscuros e corruptos da cidade de Londres para manter-se à tona.

Assim, enquanto era quase uma certeza a decisão das agências de qualificação de retirar o status AAA do Reino Unido depois do triunfo do “Leave”, mais preocupante é o que a Standard & Poor’s afirma: a dívida que vence nos próximos 12 meses corresponde aos 755% de seus investimentos externos e grandes somas deverão renovar-se continuamente. Este índice é o mais alto dos 131 Estados agenciados, consequência do papel de Londres como centro financeiro mundial e a hiperdistorção que isto gera sobre o corpo enfermo do conjunto de sua economia.

Sua força militar está anos luz do poderio de que alguma vez gozou durante a Segunda Guerra Mundial, sendo contemplado com desdém por seu aliado norte-americano, mostrando-se incapaz de defender, inclusive, pequenas cidades contra insurgentes debilmente armadas em lugares como Afeganistão ou Iraque. Sem ir tão longe no tempo, o Reino Unido não estaria em condições de levar adiante uma guerra como fez a quase 34 anos contra a Argentina pelas Ilhas Malvinas. Na Síria, apesar do pomposo debate no parlamento britânico no ano passado sobre sua intervenção militar, nada de significativo se tem escutado desde seu envolvimento.

Diplomaticamente a completa marginalização da Grã-Bretanha é patética. Até pouco tempo, na década de 80, Margaret Thatcher costumava ser uma figura-chave, repetida anos depois, porém em forma de farsa, por Tony Blair. Na Ucrânia – o mais importante conflito na Europa desde a Segunda Guerra Mundial – a Rússia não abriu diálogo com os britânicos, mas sim com EUA, Alemanha e França. Quando as negociações foram levadas a cabo sobre o futuro da Síria são os russos e os EUA que conversam, enquanto a China e a UE (quer dizer, Alemanha) os seguem por trás dos panos. Quando a Europa necessita dialogar com o presidente Erdogan da Turquia é a Chanceler Merkel da Alemanha que o chama. Nesse marco, a Grã-Bretanha também está ausente na crescente disputa entre EUA e China sobre o Mar do Sul da China.

É certo que a Grã-Bretanha conserva certa influência cultural e seu setor de serviços financeiros segue sendo sofisticado, ainda que com a existência de avanços em outros lugares e regiões é um ativo de rápido decréscimo.

Para os EUA, a Grã-Bretanha também segue sendo útil como uma plataforma de inteligência e propaganda, assim também como caixa de ressonância confiável para suas posições – especialmente com o Conselho de Segurança da ONU -, desde onde os EUA sempre pode contar com um voto favorável.

Alguns analistas, inclusive antes do resultado do referendo, sustentavam que havia fortes razões para afirmar que a Itália é hoje um país muito mais importante que a Grã-Bretanha. Não somente porque a Itália ainda conserva uma base de produção manufatureira importante, senão também porque, a diferença da Grã-Bretanha é que se compromete ativamente na diplomacia. Assim como fez, por exemplo, ano passado durante a crise grega. Também como acaba de fazer nas negociações sobre a questão das sanções europeias a Rússia no recente foro de São Petersburgo.

Que o presidente do BCE (Banco Central Europeu) e da diplomacia comunitária seja italiano/as não é uma casualidade depois do intranscendente período da britânica Catherine Ashton no segundo posto. Mais ainda, como membro chave da zona do euro, a Itália guarda uma quota importante de poder no futuro do bloco em sua mão de uma maneira que a Grã-Bretanha, que não é membro da zona do euro, enfaticamente não faz. O bloco, assinalemos, é a base do poder alemão.

Grã-Bretanha entra em territórios desconhecidos: a difícil adaptação de sua classe dominante

Se essa perda de influência não era óbvia é porque estava ocultada por sua permanência nas instituições imperialistas: a UE e a OTAN. Dessas duas, é a UE a que, em muitos e importantes terrenos, tem uma forte influência em assuntos mundiais, como pode se ver de forma qualitativa no plano econômico ou no terreno diplomático e, seguindo a pressão dos EUA, com a aplicação de sanções econômicas ao Iran e mais recentemente a Rússia. Sanções que tiveram fortes impactos nesses países e são um instrumento de pressão para os planos da Aliança Atlântica.

A OTAN, pelo contrário, dividida em seus procederes não é um ator confiável no terreno militar desde onde os EUA atuam de forma cada vez mais unilateral ou usando coalizões de voluntários como cobertura, ao contrário da guerra do Afeganistão, a última operação sob seu comando.

Enquanto a Grã-Bretanha foi membro da UE, em termos de suas políticas econômicas ao menos em teoria, tem participado plenamente, já a algum tempo, nas tomadas de decisões e da implementação dos processos de política externa da UE através de sua condição de membro de plenos direitos. Assim, por exemplo, no Conselho Europeu, os britânicos tem sido porta-vozes de uma linha dura em relação a Rússia, ainda que a decisão das sanções foi negociada, de fato, entre os EUA e a Alemanha. Mas, sendo parte do processo de tomada de decisões, David Cameron também podia vangloriar-se da autoria desta política. De agora em diante, o fato de a Grã-Bretanha deixar de pertencer a UE faz com que perda essa aparente importância.

No mesmo sentido, a ausência da Grã-Bretanha na UE significará que sua importância para os EUA também diminuirá. Hoje em dia, a relação chave dentro da Aliança Ocidental não é a que existe entre EUA e Grã-Bretanha – como foi nos anos 1950 e 1960 e foi, brevemente novamente, na década de 1980 durante o período de Margaret Thatcher – senão a que existe entre EUA e Alemanha, inclusive em muitas decisões que dizem respeito a política interna da UE. Com a Grã-Bretanha não sendo parte da UE, a razão por qual os EUA se sentia obrigado a consultar a Grã-Bretanha quando se discutem coisas com a Alemanha deixa de perder seu caráter óbvio.

A Grã-Bretanha não terá nenhum poder de veto no Conselho Europeu, portanto não poderá, inclusive, atuar como um espoliador como fazem a França e a Itália. Estes países poderiam ser de imediato mais importantes para os EUA do que a Grã-Bretanha é. E se essa ameaçadora perspectiva para a classe dominante britânica avança – quer dizer a perda de toda sua aparente influência na Aliança Ocidental – os não membros desta, como a Rússia ou a China também poderiam deixa-la crescentemente de lado. O declínio poderia ser ainda maior caso concretize-se a separação da Escócia, o que aumentaria as possibilidades de perda de seu assento no Conselho de Segurança da ONU. Se for o caso, restaria apenas o poder nuclear à Grã-Bretanha dos seus caprichos de superpotência.

Mas quer chegue ou não nessa situação extrema, o que é seguro dizer é que a perda de influência britânica no mundo – já forte antes do referendo -, vai se acelerar convertendo-se em uma situação desconhecida para o establishment político e econômico britânico. Em um futuro próximo, isto poderia leva-lo a abraçar mais e mais os EUA frente ao horror que lhe aflige, ainda que em um prazo mais longo poderiam abrir outras opções estratégicas menos dependentes dos EUA, como era o caso antes da Segunda Guerra Mundial cujo desenlace acelerou sua dependência total frente a potência norte-americana.

O certo é que para a classe dominante britânica esta situação inédita depois de ciclos de influência no mundo só pode gerar fortes cataclismos sobre as bases de seu domínio histórico.

 
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