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BREXIT
Um terremoto chamado Brexit
Claudia Cinatti
Buenos Aires | @ClaudiaCinatti

O triunfo do Brexit talvez seja o ponto mais alto até o momento da onda “populista” e “antiestablishment” dos países centrais. Suas consequências foram mais sentidas além da União Europeia.

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Finalmente aconteceu o que muitos pesquisadores, editorialistas liberais e líderes ocidentais temiam mas não queriam assumir como uma possibilidade: o “Leave” hegemonizado por forças da direita e extrema direita se impôs sobre o “Remain” e assim a União Europeia perdeu o Reino Unido, nada mais nada menos que a segunda economia da UE e a principal potência militar e diplomática, além do aliado fundamental dos Estados Unidos.

No entanto é muito cedo para se ter a dimensão precisa das consequências políticas, econômicas e geopolíticas da separação do Reino Unido e da União Europeia. Muito provavelmente, o significado pleno deste fato de magnitude histórica se revelará por “etapas” e seus efeitos dominarão o cenário político britânico (inclusive a europeia) dos próximos anos.

De imediato, se abriu um período marcado pela incerteza e a instabilidade política e econômica. Para começar, os “mercados” entraram em colapso em todo o mundo. A Libra teve sua pior queda em um só dia (10% contra o dólar) desde 1985. O primeiro-ministro, David Cameron, que chamara um referendo em grande escala para resolver a crise interna de seu partido, renunciou ao governo. Jeremy Corbyn, que foi eleito para “renovar pela esquerda” o Partido Trabalhista, dificilmente conseguirá manter-se. Fortaleceram-se as variantes da extrema-direita nacionalista e xenófoba em ambos os lados do Atlântico. Reativaram-se as tendências separatistas da Escócia, colocando em questão a continuidade mesma no Reino Unido, fragmentado por linhas etárias, geográficas e de classe, no marco de uma profunda polarização política e social. O assassinato da deputada trabalhista Jo Cox pelas mãos de um lunático de extrema direita foi a expressão mais trágica e violenta desta polarização.

Do ponto de vista político, o duro golpe está em seu início. O grande ganhador do referendo foi o UKIP (Partido da Independência do Reino Unido) um partido de extrema-direita, racista e xenófobo. O Partido Conservador do primeiro-ministro David Cameron está profundamente dividido, com quase a metade a favor do Brexit, o que dificulta a substituição de Cameron como primeiro-ministro. Portanto não se pode descartar que seja preciso convocar novas eleições.

Mas estas reações de curto prazo, com toda a aparência catastrófica que possam ter, talvez não sejam mais que uma antecipação das profundas contradições que, à maneira da famosa “caixa de Pandora”, abriu-se com a saída do Reino Unido.

A maioria dos economistas admitem uma recessão na Grã-Bretanha que tem na UE seu principal mercado (é o destino de cerca de 47% de suas exportações) o que beneficia sua adesão à UE, apesar de não aderir a moeda comum. Além de uma notável diminuição do papel da cidade de Londres como centro financeiro para as transações denominadas em euro. A onda expansiva ameaça a economia mundial.

O processo de separação da UE

A Grã-Bretanha deve colocar em marcha o processo de separação da UE, previsto no artigo 50 do Tratado de Lisboa, que garante a remoção unilateral de qualquer estado membro, ainda que não haja precedentes históricos para sua aplicação. Tecnicamente, este processo poderia ser negociado “gentilmente” num prazo de dois anos, mas politicamente não está claro como responderá a direção da UE com sede em Bruxelas. Não é razoável que a Alemanha e a França tentem dissuadir outros a seguirem o caminho britânico. Além disso os representantes do Reino Unido já não terão direito de participar das reuniões com os outros 27 membros que discutirá seu destino. Isto aponta novas tensões entre os sócios europeus.

Diante disso já se fala de dois tipos de acordo possíveis. Um é a “via Noruega”, quer dizer, integrar-se com este país na Área Econômica Europeia que permitiria manter o acesso ao mercado comum fazendo uma contribuição financeira ao orçamento da UE, sujeito às regulações do mercado comum sem o direito de discuti-las e de aceitar a livre circulação de pessoas dentro da UE. O outro é estabelecer acordos de livre comércio ou regir-se a partir das normas da OMC, o que inevitavelmente restabelecerá tarifas sobre exportações e limitará o rol financeiro do Reino Unido. Ambas parecem más opções.

A crise da UE, incluindo sua possibilidade de fragmentação como bloco, coloca sérios problemas geopolíticos para Estados Unidos e para o “Ocidente” em geral. Em particular é uma derrota para Obama, que fez campanha abertamente pelo “Remain”. Com a saída do Reino Unido da UE, os Estados Unidos perde a capacidade de ter uma influência direta na política exterior europeia. Agora terá uma “relação privilegiada” como um país aliado o que diminui seu papel nos assuntos internacionais, apesar de ser uma das potências com cadeira permanente no Conselho de Segurança das Nações Unidas e ter armamento nuclear. Além disso, a UE tem sido um dos pilares da estabilidade e um sócio importante na guerra contra o terrorismo, em tentar alcançar algum grau de estabilidade nos conflitos do Oriente Médio e em manter na linha a Rússia por meio das sanções econômicas.

O Brexit é um golpe na linha de flutuação da União Europeia, considerado por vários analistas como o projeto burguês mais ambicioso pós-Guerra Fria.

Crise da unidade imperialista europeia

A crise capitalista de 2008 colocou em evidência as falhas de construção da UE e a tentativa da Alemanha de impor sua hegemonia sobre o conjunto do bloco em detrimento dos países endividados e potências menores que vem perdendo graus de soberania pelas mãos da burocracia de Bruxelas. O caso paradigmático foi a Grécia, obrigada a aplicar duríssimos planos de austeridade sob a supervisão da “Troika” em troca de manter-se dentro da União.

A crise do projeto europeu deu um salto com a chegada de ondas de refugiados provenientes da África e Oriente Médio, que fogem das guerras nas quais as várias potências da UE intervém.

Estas tendências centrífugas encontraram expressão política nos partidos eurocéticos, principalmente da extrema direita, com um forte discurso antiimigrante e xenófobo que em muitos países da UE estão no governo ou estão em condições de disputá-lo.

Existe também um “soberanismo de esquerda” (incluindo uma campanha de setores da esquerda pela saída do Reino Unido) que tomou mais forma a partir da crise grega e as imposições da troika, ainda que débil.

No grupo “soberanista” de direita concentra-se a Frente Nacional na França, o UKIP na Grã-Bretanha, o Partido da Liberdade na Áustria; Alternativa na Alemanha, os Verdadeiros Finlandeses, os Democratas da Suécia, a Liga Norte e o Movimento Cinco Estrelas na Itália, que acaba de ganhar as prefeituras de Roma e Turín, Jobbik na Hungria, Aurora Dourada na Grécia, e segua a lista.

A onda chegou ao Estados Unidos com a emergência do “fenômeno Trump” que tem a mesma base nas condições criadas pela Grande Recessão e na perda de hegemonia da globalização e o modelo “neoliberal” sobre amplos setores da população, principalmente em setores da velha classe trabalhadora industrial, que vê em perigo seus empregos e onde um discurso de “soluções simples” como o protecionismo econômico e o nacionalismo.

Sem dúvida o triunfo do Brexit fortalece estas variantes demagógicas de extrema direita. Mas os partidos tradicionais conservadores e socialdemocratas não podem fazer-se de distraídos. Eles têm ajudado a criar este monstro com políticas estatais brutalmente racistas, como temos visto nos últimos meses na crise dos refugiados. Campos de concentração, deportações massivas, e o Mediterrâneo convertido em um túmulo não são obra da extrema-direita, mas dos governos liberais conscientes que transformaram a UE numa fortaleza.

Se comparamos a situação nos Estados Unidos com a de vários países da UE, vemos que a crise ou o afundamento dos partidos tradicionais e a polarização social e política, a direita e a esquerda parecem ser novo “espírito do tempo”. Isto poderia ser uma mera coincidência ou poderia estar expressando um substrato comum, o que parece ser o mais provável.

Nas primeiras décadas do século XX o comunista A. Gramsci teorizava que um fracasso de uma grande empresa da classe dominante poderia abrir um período de “crise orgânica”, quer dizer, uma crise que diferente dos “movimentos de conjuntura” colocaria em evidência contradições fundamentais que não podem se resolver pela política habitual. Isso levaria a que amplos setores de massas se afastassem de suas representações políticas tradicionais e surgiriam novas formas de pensar. Gramsci pensou em um Estado nacional nas condições do entre guerras. Salvo as diferenças, se consideramos a União Europeia, ou melhor dizendo o neoliberalismo, como a “grande empresa” falida da burguesia das últimas décadas que entrou em crise com a Grande Recessão de 2008, podemos dizer que estes fenômenos tão perturbadores nos países são expressão de tendências da crise orgânica. Nem na época de Gramsci nem agora isso significa um giro à esquerda. No entanto, afirmar que o Brexit já anuncia um período sombrio dominado pela xenofobia, racismo e protecionismo seria pecar pelo unilateralismo. Há importantes contra tendências, como a imponente luta operária na França, os milhões de jovens que votaram em Sanders nas primárias norte-americanas e que se identificam com o “socialismo” que podem mudar drasticamente o panorama. Esta batalha ainda seguirá.

 
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