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MUHAMMED ALI
Superman vs. Muhammad Ali: O maior combate da história
Allan Costa
Militante do Grupo de Negros Quilombo Vermelho - Luta negra anticapitalista

A improvável luta no espaço do maior boxeador de todos os tempos contra o Superman foi a tentativa de encobrir as lutas raciais nos EUA em troca da vitória na "Guerra Fria".

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O ano era 1978, a Guerra Fria estava num novo momento depois do Vietnã ter deixado uma marca dolorosa no orgulhoso poderio militar norte-americano, ao mesmo tempo em que dava algum fôlego para o há muito degenerado regime soviético. Pouco mais de uma década antes, a "crise dos mísseis" deixava o mundo à beira do apocalipse nuclear após uma disputa entre URSS e EUA para ver quem "trucava" mais o futuro do planeta. No seio do imperialismo americano, as lutas raciais estavam sempre na pauta do dia, mas não com a mesma força dos anos 60, o Partido dos Panteras Negras, perseguido pelo governo norte-americano,se reinventava e lutava para sobreviver enquanto seus membros eram assassinados pelo FBI. No esporte, o Boxe estava nos seus anos de grande prestígio, estavam em ação nomes que entrariam para o Hall da Fama do esporte como George Foreman, Joe Frazier, Sonny Liston e, é claro, o "Maior de todos" Muhammad Ali, que neste ano histórico perde o título de campeão mundial dos pesos pesados para Leon Spinks por decisão médica após um sério ferimento, e depois numa revanche inquestionável, recupera o título pela terceira e última vez em sua carreira.

Mas Ali não se resumia à sua genialidade na "nobre arte", foi um ativista político pela causa dos direitos dos negros e simpatizante de Malcom X (apesar de algumas discordâncias estratégicas em determinado momento), anos antes, estremeceu a opinião pública ao se negar a servir o exército americano no Vietnã, criticava duramente a falta de lógica em servir à causa imperialista e matar inocentes em outro país, foi preso, perdeu seus títulos e impedido de competir por quase 5 anos, decisão à qual recorreu obtendo vitória nos tribunais, mas nunca voltou atrás ou se arrependeu em sua decisão.

É nesse contexto que uma visita do famoso e polêmico empresário de boxe, Don King, aos estúdios da DC Comics abriu uma oportunidade de canalizar as críticas políticas e sociais de uma das maiores figuras do esporte mundial, Muhammad Ali. A proposta: um duelo entre "Os maiores lutadores de todos os tempos", uma luta entre Ali x Superman onde o que estaria em jogo era a destruição ou não do Planeta Terra. A Graphic Novel ficou sob incumbência do estilo revolucionário dos traços de Neal Adams, que também ajudou no roteiro de Denny O’neil.

A HQ lançada em 1978 se tornou uma das histórias mais ideológicas de Superman. Tudo começa quando o trio de repórteres do "Planeta Diário", Louis Lane, Jimmy Olsen e Clark Kent, encontram o campeão Muhammad Ali para uma entrevista e são surpreendidos pela aparição de um alienígena de uma raça chamada "Scrubb" do planeta Audace que circunda um "Sol Vermelho" em outro ponto da galáxia. O Alienígena propõe provar a superioridade dos Scrubbs frente aos humanos, à quem consideram uma raça perigosa e belicosa, uma verdadeira ameaça à ordem da galáxia, o maior campeão da Terra deveria lutar contra o maior campeão de Audace. Os Scrubbs são descritos como um povo orgulhoso de suas habilidades guerreiras e seus valores que prezam a coletividade frente aos interesses individuais. A ideia do combate seria para desmoralizar e humilhar os humanos e seu estilo de vida diante de toda a galáxia e assim destruir seu ímpeto antes que se aventurem pelo universo.

A analogia à propaganda americana sobre o regime soviético é muito pouco subliminar, segundo a imagem passada amplamente pela hegemonia cultural norte-americana, a união soviética acusava-os de serem belicosos enquanto eram apenas defensores das liberdades individuais e da democracia. Vários outros elementos da geopolítica e história da Guerra Fria estão contidos na obra, sempre sob a ótica da propaganda estadunidense: Os alienígenas governados por um líder ditador posicionam uma frota bem ao lado da terra e ameaçam a terra com mísseis capazes de destruir cidades e ilhas inteiras, e de fato chegam a fazê-lo como demonstração de força; os blefes de que um ataque final catastrófico poderia acontecer a qualquer momento e que poderia ser evitado com a rendição dos humanos que seriam escravizados

E é aí que entra a figura de Muhammad Ali, como um "herói da vida real" que poderia passar a mensagem de união entre negros e brancos pelo bem comum do planeta contra um inimigo maior. Na sequência da narrativa, Ali ensina Superman à lutar boxe, seus melhores movimentos são assimilados pelo homem de aço, mas um ataque de precipitado de uma nação da terra contra a frota dos Scrubbs faz o ditador alienígena se irritar e exigir que a luta entre o campeão da Terra e o dos Scrubbs acontecesse imediatamente no planeta Audace. Superman e Ali então bolam um plano, o Sol vermelho do planeta onde acontece a luta causa o efeito contrário ao Sol amarelo da terra em Superman, enfraquecendo-o, o campeão de boxe e o Kriptoniano lutariam de igual para igual. E numa luta transmitida para toda a galáxia Muhammad Ali aplica uma verdadeira surra em Superman, que mesmo nocauteado em pé se recusa à cair.

Ali então passa a ser o desafiante do lutador alienígena, vence uma luta duríssima mediada pela presença da Deusa Atena como juíza. Graças à ajuda de Superman, que se disfarçou de "Bundini Brown" (Negro), amigo de Ali, para despistar e destruir a frota alienígena que cercava a terra; evita a destruição do planeta e conquista a simpatia dos Scrubbs por sua vitória valorosa. O povo Scrubb revolta-se pela atitude de seu líder e depõe-no, aclamando os humanos e seu modo de vida.

Sob os traços de Neal Adams, Ali é retratado em imagem e personalidade com maestria, seu orgulho, auto-confiança e trejeitos, seus discursos provocantes de queixo levantado mirando fixamente nos olhos. As sequências de ação transbordam os quadros e inundam as páginas num ritmo que prende o leitor. Mais tarde, em 1985, o enredo seria uma inspiração para a trama de Rocky IV (Stallone já havia declarado que Muhammad Ali era o Apollo Creed da vida real).

A obra completa é um grande exemplo da ofensiva midiática e cultural que os americanos agitavam durante a Guerra Fria para legitimar suas políticas: a frieza calculista do inimigo e suas mentiras, a sugestão de que o povo russo não apoiava seu regime e desejavam o estilo de vida americano, a necessidade de união entre os povos de todas as raças para vencer esse inimigo em comum. Ali, como já dito, era uma voz dissidente à realidade social dos EUA com visibilidade mundial. A HQ viria a posicionar Ali ao lado do discurso oficial na justificativa da mesma lógica de guerra imperialista à qual Ali havia se recusado a apoiar e que já era muito impopular entre os americanos pós Vietnã, a popularidade do campeão e do maior ícone dos super-heróis, foi usada num discurso que visava diminuir as contradições raciais dentro dos EUA e dar ênfase para a necessidade de união entre negros e brancos na guerra contra os soviéticos.

Na contramão da mensagem que a HQ busca passar, sob o regime capitalista negros e brancos jamais foram nem serão socialmente iguais pois a posição inferior do negro diante do branco é estrutural no capitalismo. O exemplo de solidariedade e internacionalismo dado por Muhammad Ali na luta pelos direitos civis dos negros e dos povos oprimidos do mundo em nada se pode comparar à uma saída fantasiosa de que bastam os negros e os brancos pararem de brigar entre si e se unirem para que o racismo deixe de existir. Negros, indígenas e brancos devem se unir para lutarem juntos contra o capitalismo, uma vez que são as condições materiais que poderão modificar as condições subjetivas que causam o racismo, de maneira a erradicá-lo. Para citar Malcolm X "Não existe capitalismo sem racismo", o que mostra que a luta contra as opressões e contra o capitalismo andam lado a lado e deve ser travada por todos. O fim da Guerra Fria e a vitória do imperialismo americano não foi o fim das contradições de classe (nem o Fim da História), os negros continuam expostos ao racismo e em luta por todo o mundo, uma luta de grandes lutadores e heróis, muitos anônimos, outros gigantes, como Ali.

 
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