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ARTE E MARXISMO
O marxismo exige uma arte violenta:
Afonso Machado
Campinas

O filme de Luis Buñuel e Salvador Dali integrava-se a uma série de outras experiências poéticas promovidas pelo surrealismo. O acesso de caretice era geral porque tais manifestações corroíam de modo provocador o edifício aonde repousavam os valores, os costumes e a hipocrisia da sociedade burguesa.

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Este exemplo histórico que flagra uma arte disposta a espetar os dedos e os olhos da classe dominante, possui profundas relações com o marxismo: este é o tipo de arte que contribui com a descrença dos padrões culturais e morais da burguesia. Se para Marx a arte é uma esfera essencial da realização humana e o capitalismo nega/mutila pelo trabalho alienado o corpo do homem, os artistas não podem ficar indiferentes. A assimilação artística da realidade só pode provocar terríveis choques internos: o reduto da arte preserva a liberdade que a sociedade burguesa nega na vida concreta. A violência estética é um ato em defesa do homem livre.
O ser humano transformou a natureza de acordo com as suas necessidades e criou um mundo de objetos humanos. Ainda que alguém pinte uma árvore, não temos a árvore mas o olhar de um homem sobre este objeto. O fato do capitalismo reduzir todas as nossas necessidades em torno de uma única(o dinheiro) promove um processo de atrofiamento da imaginação. Neste contexto, a contribuição da arte para a emancipação humana está exatamente em fortalecer as formas de expressão. Enquanto que no trabalho alienado o homem não se reconhece na mercadoria, na criação artística ocorre pela exteriorização o reconhecimento daquilo que somos e sentimos. A partir daí fica difícil negar o potencial político revolucionário que a arte possui: sem maiores malabarismos formais, uma obra de arte pode transgredir a maneira como a burguesia nomeia a realidade e os sentimentos humanos.
Mas se a arte fortalece a capacidade expressiva do homem, podendo acarretar na criação de “ obras primas “, pra que arranjar briga com gente endinheirada? Pra que falar mal do capitalismo? Por que não nos entregamos à beleza petrificada da arte clássica e deixamos de ficar inventando moda com uma arte maldita, suja, esfarrapada e que desafia os tabus? Pois é, acontece que no caminho de um artista virtuoso ele acaba sempre tropeçando em algo desagradável: a miséria. O prazer estético estaria destinado a quem? Marx na obra Manuscritos Econômico-Filosóficos (1844) nos diz que: (...) "O desenvolvimento humano dos cinco sentidos é obra de toda a história anterior. O sentido subserviente às necessidades grosseiras possui apenas uma significação limitada. Para um homem faminto, a forma humana do alimento não existe; só existe o seu caráter abstrato de alimento. Ele poderia existir mesmo na mais tosca das formas; e, nesse caso, não se poderia dizer em que a atividade do homem ao se alimentar difere da do animal. O homem premido pelas necessidades grosseiras e esmagado pelas preocupações imediatas é incapaz de apreciar mesmo o mais belo dos espetáculos "(...). O que a obra de arte pode significar para um faminto? Diante da atrofia dos sentidos e da miséria temos um mundo desequilibrado em que a única beleza possível é a violência artística que anuncia a necessidade de uma outra realidade política.
Quem quiser a ilustração do que Marx escreveu acima, dentro da realidade brasileira, assista ao filme deus e o diabo na terra do sol (1964), de Glauber Rocha. Cangaceiros, enquanto frutos da opressão no nordeste, destroem e matam sem reconhecer o valor estético contido, por exemplo, num piano e num bolo de noiva. Não se trata de elogiar o banditismo ou de apelar para a violência rasteira. A questão é que pensar a arte de acordo com as ideias de Marx, vai de encontro com a necessidade de uma arte violenta, rebelada, que expressa a ausência de harmonia e simetria no mundo em que vivemos. Evidentemente que esta posição estética não despreza as grandes realizações da história da arte: o proletariado tem muito a ganhar ao conhecer, através da escola, o legado da Renascença e de outros momentos emblemáticos da arte; inclusive Marx e Engels eram profundos conhecedores dos principais marcos da história da arte e da literatura. Educar a sensibilidade com obras clássicas é importantíssimo. Mas ainda assim, é preciso refletir sobre o sentido da criação artística no modo de produção capitalista.
Despolitizar a atividade artística ainda é a rotina de muitos intelectuais. O nível de alienação hoje entre alguns artistas e teóricos, é tão barra pesada que para ambos o mercado surge como algo natural nas relações entre público e obras de arte: assim como o sol e o oxigênio, a mercantilização da arte seria algo inevitável em nossas vidas. Esta situação é agravada por teorias estéticas que isolam a arte das demais esferas da vida social. A história da arte é vista como uma mera sucessão de estilos, de escolas, uma espécie de constelação esteticista que paira distante da terra, apartada da produção material da sociedade. A consequência desta situação não é apenas o idealismo mas a vantagem política para aqueles que apostam na alienação. Felizmente ainda existem artistas politicamente corajosos capazes de desmentir as teorias que possuem pés de barro.
As imagens que contribuem para a libertação dos trabalhadores são as imagens que a classe dominante não suporta olhar(reacionários de plantão podem ridicularizar ou espumar de ódio, mas sempre ficam incomodados). No Brasil de hoje, os marxistas precisam estimular uma arte violenta, capaz de abrir os sentidos anestesiados e agir na consciência através do choque. Defender este tipo de arte é fundamental, porque as imagens que infelizmente ganham espaço envolvem fanatismo religioso, nostalgia fascista e as mais variadas formas de ocultamento da realidade. Portanto, reler obras de arte que na história contemporânea lançaram pedradas sensoriais, significa juntar munição simbólica para uma sensibilidade rebelada.

 
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