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ELEIÇÕES GERAIS NO PERU
Uma paisagem eleitoral sem brilho para o regime peruano
Eduardo Molina

A menos de uma semana das eleições nacionais, o cenário não é o que a alta burguesia peruana queria. O processo está repleto de acusações e exigências cruzadas, com as arbitrariedades de um Júri Nacional de Eleições que manipula suas decisões a favor das forças do regime, apoiadas pela ação aberta da hierarquia católica e os meios de comunicação, sem isso, eles podem superar a fragmentação política e a falta de entusiasmo que desperta a maioria dos candidatos (continuam como candidatos 10 dos 19 inscritos, vários desistiram ou foram vetados pela justiça eleitoral).

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No próximo domingo, 10 de abril, serão realizadas as eleições gerais, com voto obrigatório, onde estão aptos a votar 22 milhões de pessoas, além dos quase 900 mil cidadãos peruanos que estão no exterior. Serão eleitos presidente e vice-presidente, 130 deputados e mais 5 representantes para o Parlamento Andino. Se nenhum candidato obtiver mais de 50% dos votos válidos, as eleições irão para segundo turno no dia 5 de junho.

Neste contexto, Keiko Fujimori (Fuerza Popular - FP) populista de direita que desperta forte suspeita como filha e herdeira política de Alberto Fujimori, aparece em primeiro lugar em todas as pesquisas, com ampla vantagem em relação aos candidatos mais próximos. Sem dúvida, não alcançaria os 50% dos votos, por isso é muito provável que haja segundo turno. Este lugar é disputado por Veronika Mendoza, que dirige o partido de centro-esquerda Frente Amplio (FA); e por Pablo P. Kuczcynski (PPK), o ex-ministro e homem da banca do petróleo, que é a opção favorita do neoliberalismo e da grande mídia. Segundo algumas pesquisas, entre os dois haveria uma leve vantagem para PPK ou um “empate técnico”.

Apesar do apoio das elites e dos meios de comunicação, Kuczcynski nem sequer se remeteu quando o Júri Nacional Eleitoral (JNE) vetou a candidatura de Julio Guzmán “por não cumprir os estatutos” de seu próprio partido. Guzmán havia sido membro do PN desde 2012 e se presentava como uma nova “moderno centro direita”, ocupando o segundo lugar nas pesquisas.

Os outros candidatos à presidência tem baixíssima popularidade: Alan García (AP, aprismo), teria apenas de 5 a 6% das intenções de voto e Alejandro Toledo menos de 1%. Enquanto o candidato do Partido Nacionalista, o ex-militar Urresti (acusado de assassinatos e violações dos Direitos Humanos durante a guerra suja nos anos 90), decidiu retirar-se da corrida pela presidência, com o risco de perder a personalidade como partido político: nunca pode superar as últimas posições na tabela das pesquisas, o que reflete a impopularidade e o desgaste do governo de Ollanta Humala.

Segundo uma simulação de votos recente (IPSOS, 30/03 – 01/04), que deve ser considerada com cautela, dada a manipulação habitual das pesquisas e da tendência de “inflar” alguns candidatos, como PPK, a tendência seria:

Keiko Fujimori (Fuerza Popular) 34,4 %
Pablo P. Kuczcynski (Peruanos por o Kambio) 16,8 %
Verónica Mendoza (Frente Amplio) 15,5 %
Alfredo Barnechea (Acción Popular) 8,0 %
Alan García (Alianza Popular) 5,3 %
Gregorio Santos (Democracia Directa) 1,9 %
Outros 2,6 %
Brancos o viciados 15,5 %
.

No geral, o cenário mostra fraqueza e desconfiança no sistema de partidos políticos – na verdade, uma constelação de coalizões eleitorais instáveis –, falta de prestígio das figuras que passaram pelo governo nos últimos anos e o desgaste geral desse regime de “democracia para ricos” depois de anos de “milagre econômico” que beneficiou às transnacionais mineradoras e petroleiras com o roubo dos recursos naturais, enquanto a maior parte do povo trabalhador do campo e da cidade mal recebeu as migalhas da festa, sofreu a agressão das suas condições de vida e de trabalho sob o avanço da mega mineração e outras transnacionais, a precarização generalizada, os salários baixos, etc., e agora está começando a pagar com o aumento do desemprego, o alto custo de vida e novas dificuldades do “esfriamento” da economia, gerando um amplo descontentamento social e lutas de resistência contra a mega-mineração, por demandas regionais, etc.

Keiko Fujimori

A filha e herdeira política do ex-presidente Alberto Fujimori parece acariciar a possibilidade de alcançar a presidência, apesar das objeções das elites peruanas e a oposição social que desperta. É que esse sobrenome simboliza para muitos uma etapa sinistra da história recente peruana. Fujimori pai, cuja tentativa de se reeleger para um terceiro mandato foi derrotada em meio às grandes manifestações de junho e julho de 2022, cumpre pena por planejar os massacres realizados por grupos de tarefas militares em 1991 e 1992, além de atos de corrupção. Cabe recordar que sob seu governo acabou a “guerra suja”, marcada por massacres e violações brutais aos Direitos Humanos com os quais esmagou os guerrilheiros do Sendero Luminoso e derrotou o movimento dos trabalhadores e popular para impor a agenda neoliberal de privatizações, precariedade e entrega ao capital estrangeiro. Depois do “autogolpe” apoiado pelos militares que dissolveu o Congresso em 5 de Abril de 1992, Ele impôs um “governo de emergência”. Em seguida, negociou o processo que levou à Constituição de 1993, ainda em vigor, apesar de algumas reformas parciais.

Assim, toda ordem econômica, social e política do atual Peru deve muito ao trabalho de Fujimori. Mas, com a mudança na situação peruana e latino-americana no início deste século, seus métodos bonapartistas se tornaram pouco apresentáveis demais. Fujimori, seu ex-parceiro, o sinistro Montesinos (chefe dos serviços) e algumas figuras menores foram julgados e condenados, enquanto os militares mantiveram-se impunes e à classe dominante foi preservada a essência do seu legado: o neoliberalismo econômico e uma Constituição reacionária.

Keiko levanta um programa econômico neoliberal e politicamente reacionário, combinado com demagogia populista de direita, assistencialista, para os setores populares. Mas pode tanto dissipar o desconforto de setores da classe dominante à “tentação bonapartista”, que pode se arrastar, quanto gerar a rejeição da mídia e setores populares. No domingo, no debate televisivo entre candidatos, diante de um novo aniversário “autogolpe paterno”, e no dia 5 de abril, foram convocadas várias ações de protesto contra sua candidatura por parte de diferentes setores midiáticos e movimentos sociais.

Em seu “Compromisso de Honra com o Peru” pede a “reconciliação” e se compromete dizendo: “respeitarei a ordem democrática e os direitos humanos. Respeitarei e protegerei a liberdade de imprensa e de expressão” [...] “Respeitarei a separação de poderes. Não usarei o poder político para beneficiar a nenhum membro de minha família e encarregarei à oposição as posições as comissões de fiscalização e de inteligência do Congresso. Comprometo-me a aprofundar o trabalho da CVR [Comissão da Verdade e Reconciliação] e compensar as vítimas da violência, como as mulheres afetadas pelo programa de saúde reprodutiva.” […] “Respeitarei a não reeleição que está na nossa Constituição e finalmente nunca mais um 5 de abril”. Essa atitude foi saudada por alguns analistas burgueses. Continua incerto se isso lhe abre o caminho à presidência, mas não há dúvida de que vai governar a serviço dos ricos.

Verónika Mendoza

Essa candidata vem somando pontos na campanha, apesar da “má imprensa” nos grandes meios de comunicação e dos ataques clericais. Veronika, psicóloga e nascida há 35 anos em Cuzco, aparece como uma alternativa por fora da desprestigiada “classe política”, atraindo os votos da juventude, do interior (especialmente a combativa região Sul do Peru), dos trabalhadores e da classe média urbana com seu discurso contra o neoliberalismo e pela “democratização” do país.

Se apoia em uma frente heterogênea em que se misturam correntes do reformismo tradicional e até alguns ex-seguidores desencantados de Humala. Seu programa moderado não vai além de um “progressismo” morno com mais “intervenção do Estado” e algumas reformas parciais, conciliando com a burguesia e renegociando com o capital estrangeiro e o imperialismo. Assim, propõe “revisar” – não romper – os acordos pró-imperialistas como o TLC, com os Estados Unidos ou o Tratado Trans Pacífico. Fala de recuperar “a soberania de nossos recursos naturais” nas mãos das transnacionais, mas nem renacionalização. Espera um “consenso” ao propor uma Assembleia Constituinte sem se propor a ir até o final contra a reacionária “democracia para os ricos” nem contra a impunidade que protege as Forças Armadas.

Enquanto levanta algumas demandas democráticas profundamente sentidas, como o direito ao aborto (em caso de estupro) ou se mostra favorável à “união civil” entre pessoas do mesmo sexo, não propõe um programa consequente para enfrentar a opressão sofrida pelas mulheres e pela população LGBT, em um ambiente impregnado por fortes preconceitos e violência machista. Só em 2014 foram denunciados 40 mil casos de violência familiar e sexual e foram registrados mais de 100 feminicídios anuais.

Em suma, o projeto não pode dar soluções reais profundas aos trabalhadores, camponeses, povos indígenas e oprimidos. Na verdade, não vai além dos planos de centro-esquerda que já tem mostrado seu verdadeiro caráter e seus limites em outros projetos “progressistas” sul-americanos.

Nessas eleições, não se apresenta uma alternativa de independência de classe, que aposte nas forças da classe trabalhadora e na aliança com o campesinato e o povo pobre, levantando um programa para que os ricos e as transnacionais paguem pela crise que começa a “esfriar” o modelo neoliberal peruano, enfrentando consequentemente a pilhagem imperialista.

Tradução: Pammella Teixeira

 
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