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RACISMO NO TEATRO
’Um ator não pode ser peitado por um negro’, diz Claudio Botelho
Flávia Toledo
São Paulo
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Na noite de 19/03, durante apresentação da peça “Todos os musicais de Chico Buarque” no teatro do Palácio das Artes em Belo Horizonte, o ator e diretor da peça, Claudio Botelho, se enfrentou com a plateia por conta de uma fala em que criticava o governo Dilma. Durante uma cena, o ator colocou um “caco” (fala improvisada que não pertence ao texto original) em que dizia que Dilma e Lula eram ladrões, entre outras coisas. Em meio a uma semana de bastante convulsão política no país, imediatamente a plateia respondeu ao ator.

Sob gritos de “Não vai ter golpe”, o ator discutia enquanto parte do público se retirava, exigindo o dinheiro do ingresso de volta. Ao voltar para os bastidores, discutiu com a atriz do espetáculo Soraya Ravenle, chamando o setor que se revoltou de “neonazistas”, “escrotos” e “petistas, o que há de pior no Brasil” por terem, em suas palavras, “peitado” o ator. Seguiu discutindo aos berros, e fez a seguinte fala: “Um ator que está em cena é um rei! Não pode ser peitado. Não pode ser peitado por um negro, por um filho da puta que está na plateia. Não pode. Não pode ser peitado. Eu estava fazendo uma ficção.” Chico Buarque, autor das músicas que compunham o musical e defensor do Governo Dilma, retirou a autorização para que Botelho as utilizasse em cena.

Racismo, reacionarismo e o teatro da casa grande

Claudio Botelho, conhecido pelos musicais da Broadway que traz para o Brasil sob a marca Möeller e Botelho, nunca escondeu seu posicionamento à direita e racista. Tendo feito campanha para Aécio em 2014, postou em sua página no facebook que “aqueles que não têm escolaridade não deveriam votar”. Em um país onde à população negra tem sido negados os seus direitos mais básicos como a educação e ocupa os postos de trabalho mais precários, é exatamente desses votos que Botelho fala. São os votos das mulheres negras que limpam o chão sob regime de terceirização, da juventude negra que é assassinada diariamente pela polícia que para ele de nada valem.

Também não é para os negros, a juventude pobre, os estudantes que Botelho faz suas peças. Contrário ao direito a meia-entrada para estudantes (que com a ajuda da UNE o governo Dilma tem atacado há tempos), suas peças costumam ter ingressos caros e são dedicadas a uma elite que pode desembolsar R$100,00 em um ingresso. Em cena, a maioria esmagadora de atores brancos. Nos bastidores, a coxia vira a Casa Grande e o senhorzinho se choca com a possibilidade de um negro “peitá-lo”.

Alegando que teria sido “censurado” em sua “liberdade artística”, Botelho foge do real debate: o racismo das suas colocações. Pois o grande problema não está na fala que fez no palco, criticando Dilma e Lula. Muito menos no fato de a plateia ter respondido, pois Teatro é, também, isso: uma troca de ideias e posicionamentos.

A defesa do impeachment, como viemos falando nesse Esquerda Diário, é, sim, reacionária. Do outro lado, também não se trata de um “golpe”, como fazem parecer os defensores do governo, o mesmo que fez aumentar a terceirização, que ocupa o Haiti, que coloca o Exército nas favelas brasileiras. Trata-se de uma manobra reacionária capitaneada pela direita que tenta capitalizar o descontentamento popular com o governo Dilma e seus ajustes. O que ocorreu no momento do espetáculo foi um enfrentamento de posições que reflete o que aconteceu ao longo da semana.
Mas a resposta do ator expressou algo muito mais profundo. O sentimento reacionário é alimentado e alimenta expressões de opressão como o racismo. Nos atos pró-impeachment, as selfies e os aplausos à polícia que assassina o povo negro são uma marca forte disso, assim como a defesa da redução da maioridade penal por um expressivo setor que os compõe, as emblemáticas fotos de mulheres negras servindo de babás para filhos de manifestantes brancos ou de humilhações a pessoas em situação de rua – pessoas negras.

O posicionamento racista do ator não está somente no fato de ele se revoltar especificamente com o fato de ter sido interrompido por um negro. Está também na defesa de um teatro para poucos, elitizado, onde o “ator é um rei” e pode falar o que quer sem poder ser questionado. Um teatro da Casa Grande, onde nem no palco e nem na plateia um negro é bem vindo – se tiver dinheiro, que venha, mas fique calado! Um tipo de teatro que, infelizmente, é exatamente o que se beneficia dos problemáticos editais da Lei Rouanet de incentivo à cultura, que é propagandeado pela mídia e incentivado pelo governo.

Mas não é esse o teatro que queremos e que nos representa. Não queremos um teatro de “reis”, em que os artistas só o façam pelo “glamour”, pelo “status” e pelo privilégio de estar na inimputável condição de ser aquele a quem a voz foi dada e que não pode ser questionada. Queremos um teatro que “incomode os que estão sossegados”, como dizia Plínio Marcos, que seja nosso e não deles.

Ouça o áudio de Claudio Botelho: https://soundcloud.com/midia-ninja/claudio-botelho

 
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