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Crise política na Argentina
Myriam Bregman: "Em uma reunião de três pessoas, decidiram dar todo o poder a Sérgio Massa"

A deputada nacional argentina do PTS/Frente de Esquerda foi entrevistada no programa "El Mañana", onde falou das principais questões da política nacional. Também falou sobre sua juventude e a vida em sua cidade natal.

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“Colocar grandes expectativas em Sérgio Massa já é uma decisão política. Não é o que só eu penso. A Frente de Todos pensava assim também. Quando formaram uma coalizão tripartite, Massa era claramente a ala direita. Nela disseram ’bem, nós trouxemos ele aqui porque com isso podemos competir com Macri. E agora, em um ato mágico, em uma reunião de três pessoas, Cristina Fernández de Kirchner, Alberto Fernández e Sergio Massa, decidem dar todo o poder a esse setor. Estão dando a ele o poder de administrar quase todo o Poder Executivo sem que ninguém decida. É uma pergunta elementar: e onde isso foi votado? Quem decidiu que Sergio Massa, que havia sido eleito deputado, agora será o único a cumprir o papel quase presidencial? Parece-me que seria mais democrático uma Assembleia Constituinte e que tudo fosse discutido: quem decide e que coisas vão decidir. Porque acho que nomear uma pessoa que foi celebrada pelos mercados já é algo que deve chamar nossa atenção. Os poderes econômicos nesse país são muito claros sobre o que querem e comemoraram a chegada de Sergio Massa”.

“Sergio Massa se apresentou em todos os lugares como aquele que conseguiu destravar o acordo com o FMI e seu defensor mais fervoroso. Agora num passe de mágica, muitos adversários vieram comemorar a chegada da pessoa que nos trouxe aquele acordo. É preciso marcar a contradição que significa ter votado contra o acordo e comemorar a chegada ou promover a chegada, no caso de Cristina Kirchner, daquela pessoa que foi autora do mesmo acordo”.

“Sergio Massa é quem fez campanha dizendo que as vilas tinham que ser militarizadas. Ele sempre teve sua ideologia e a defendeu."

“Defendeu o acordo com o FMI, uma dívida totalmente fraudulenta que Mauricio Macri assinou para salvar sua própria eleição. Disseram os próprios funcionários dos Estados Unidos: demos essa quantidade de dinheiro, passando por cima de tudo pré-estabelecido, inclusive o próprio FMI, para que (Mauricio) Macri salvasse seu governo e tivesse a possibilidade de a direita seguir no poder na Argentina.

“Bom, o problema é que chega um governo dizendo que ia encher a geladeira e não encheu a geladeira. E nós dissemos naquele momento, quando era mais duro dizer isso, porque havia muita expectativa no governo da Frente de Todos: Negociar com o FMI e encher a geladeira são coisas incompatíveis, como estamos vendo. Pelas próprias condições que o FMI estabelece. Primeiro, tudo o que é arrecadado em dólares vai para o Fundo. Juntar reservas para pagar eles. Em segundo lugar, aumentar as tarifas de serviços básicos para poder baixar os subsídios: o que é inflacionário. Todas essas medidas que estão impondo são o que (Martín) Guzmán assinou. Não é que o que está acontecendo hoje seja porque “Guzmán foi isso ou aquilo, Batakis ‘não sei o que’ e agora Massa vai fazer magia e vai resolver tudo”. São as consequências do rumo econômico escolhido centralmente pelo acordo com o FMI”.

“Conseguiram nos convencer de que a única coisa que resta é sempre abaixar a cabeça e se resignar à situação, mas da ditadura para cá, a Argentina não para de crescer em seus índices de pobreza, desigualdade, desemprego, trabalho precário… e nunca foi porque abandonamos o acordo com o Fundo. Não foi porque atiraram em você, foi porque impuseram os acordos com o FMI”.

“Do governo Alfonsin para cá, pense no número de acordos que foram impostos dizendo primeiro que a dívida da ditadura tinha que ser assumida. Mais tarde, que tinhamos que assumir a dívida dos bancos, e assim foi feita uma bola de neve que continua até hoje. Hoje repetem que só podemos inclinar a cabeça e a verdade é que os males não vieram porque lutamos muito contra o imperialismo, contra o FMI, mas sim porque essa política foi aceita. Então, pelo menos temos que partir do reconhecimento de que se chegamos aqui, da ditadura para cá, passamos de 4% para 40% de pobreza, é porque esse mesmo caminho foi seguido”.

“E vou dar um exemplo mais atual, aconteceu muito comigo nos programas de rádio que participei, quando discutimos o acordo com o Fundo no verão, eles disseram, ’bom, mas a esquerda quer botar fogo em tudo, o acordo com o FMI vai trazer estabilidade, vamos poder pensar, vamos ter dois anos de graça, começamos a pagar em 2024, os grandes pagamentos começam em 2026, nós vamos conseguir nos estabilizar’... Mas alguma vez aconteceu alguma coisa assim? Ou o FMI foi FMI de novo? Antes de termos Guzmán, ele era amigo íntimo de Georgieva. Agora Massa é amigo da embaixada estadunidense... Parece-me que esse pensamento mágico deve ser erradicado de uma vez por todas”.

“O que proponho não é fácil, não estou dizendo que é fácil, mas as consequências que esse tipo de subordinação está trazendo para a população da Argentina, da América Latina e do mundo, a verdade é que é terrível”.

“Acho que sempre será melhor lutar por outra alternativa, começando por buscar a solidariedade dos países e dos povos do mundo que vivem o mesmo que nós. Não é que estejamos sozinhos contra o Fundo”.

“Aconteceu muitas vezes na história que foi declarada a dívida odiosa, porque existe até uma doutrina legal que respalda o que a Argentina diz. Não é apenas uma posição política. O México fez isso três vezes, declarou sua dívida odiosa. Os Estados Unidos, quando quiseram se livrar das dívidas que o Iraque tinha, disseram que eram ilegais, que o Iraque não tinha motivos para pagar. Em outras palavras, eles mesmos usaram a doutrina da dívida odiosa, que é a mesma aplicada na Argentina para pagar muitas dívidas”.

“Eu sei que não é fácil, sei que será preciso lutar. Sei que vai ter que ser na rua, como toda vez que a gente quis ganhar um direito, mas o que eu tenho certeza é que qualquer alternativa vai ser melhor do que a que estamos vivendo hoje, que é esse declínio permanente. Qual é o fundo do poço na Argentina? 60% de pobreza, 70% de pobreza, 80% de trabalho precário, até onde vamos cair? Parece-me que há uma discussão profunda a ser feita. Isso de buscar salvadores ou poupadores, que quanto mais direitista, mais você vai economizar… Acho que já vimos isso.”

“Não acho que lutamos e por isso as coisas dão errado, e sim que lutamos porque está tudo errado, é o contrário. Porque às vezes dizem isso: já que Cristina e Alberto brigam muito, isso deixa tudo muito instável. Isso é um pensamento um pouco superficial. Acredito que as coisas vão muito mal, que descumpriram o contrato eleitoral, porque realmente tudo o que prometeram na campanha, até a lei das zonas húmidas, não têm uma que possam mostrar fizeram rápido e bem”.

A pandemia foi uma possibilidade de levantar essa bandeira. Não tenho que pagar uma dívida porque tenho a população morrendo por um problema inesperado”.

Aceitar que já perdemos foi o que nos trouxe aqui. Não vou me resignar, aceitar que esse destino que querem dar ao nosso país é o único possível. Quanto mais fome, quanto mais precário? Há um exemplo que me chamou a atenção, falando com trabalhadores da indústria alimentícia, eles dizem que não podem comprar os produtos que produzem. O que produzem com as mãos, o que fabricam, não podem comprar com o salário que recebem. Bem, não consigo imaginar nada mais cruel do que produzir biscoitos que seus próprios filhos não poderão comer, porque você não poderá comprá-los."

“Quero mudar isso, quero mudar radicalmente e me parece que há muita indústria da decepção, é o mercado mais pujante, ‘coloque na cabeça que não pode e que sempre tem que escolher um mal menor’. Bem, há o mal maior, o macrismo, a direita, são horríveis e claro que Nicolás Pino trabalha na Sociedade Rural para voltarmos isso. Mas a Sociedade Rural está pagando agora metade dos tributos que pagou em 2008. Quer dizer, não é porque você deu grandes concessões a esses setores patronais, você deu a eles grandes benefícios, que agora eles vão ser mocinhos e vão sair de cima da silobolsa. Eles sentam de novo em cima dela e querem mais. Então, ou você confronta esses poderes factuais ou faz concessões e espera que um dia dê em algo. Continuamos na mesma situação”.

“Néstor Kirchner passou dois anos sem pagar e onde estiveram os tiros, as balas? Ele pagou no final, mas muito menos, foram dez bilhões de dólares em um contexto totalmente diferente de crescimento econômico na Argentina e na América Latina. Por isso as situações não podem ser comparadas da mesma forma, mas dizer que Macri ganhou por isso...Macri ganhou porque houve um grande desencanto com a última fase do governo de Cristina Kirchner, parece-me que ele não ganhou por causa dos urubus, além do fato de que os setores do poder obviamente lhe deram dinheiro. Ele era o homem que eles tinha escolhido. Como quando tiveram que organizar uma corrida, eles organizaram entre si, por isso digo aqui que as amizades me parecem de confiança…. Macri estava muito confiante de que por serem amigos dele e por ele ter chegado aqui ou ali ele conseguiria ser um eixo Trump-Bolsonaro e que ficariam para sempre. Você também se lembra, eles disseram que uma nova hegemonia da direita era imparável”.

 
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