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Coluna
A federação PSOL-Rede e as consequências de depender do Estado burguês
Pedro Oliveira

Na última quarta-feira, o PSOL aprovou a federação partidária com a Rede Sustentabilidade, de Marina Silva, decisão em que o MES foi o fiel da balança. Para além da questão do caráter burguês da Rede, essa decisão tem causas de fundo na maneira de atuação do PSOL, com centro nos parlamentos e não na luta de classes.

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Na última quarta-feira, dia 19 de abril, o Diretório Nacional do PSOL referendou a decisão da Executiva do partido e aprovou a formação de uma federação com a Rede de Marina Silva. Foram 38 votos a favor, dados pela Primavera Socialista do presidente Juliano Medeiros, pela Revolução Solidária, de Guilherme Boulos, pelo MES, de Sâmia Bonfim e Luciana Genro, e pelo Subverta. Foram ainda 23 votos contrários, sem abstenções. Recentemente também foi aprovada a federação entre PT, PCdoB e PV. O tema das federações tem visto ampliado espaço de debate nos meios políticos, e na esquerda em particular.

A possibilidade de federações partidárias foi criada na mini-reforma eleitoral de setembro de 2021 e serve para substituir as antigas coligações, podendo ser usadas pelos partidos para tentar superar a cláusula de barreira. Na prática, este regime significa que os partidos vão atuar como um só durante ao menos 4 anos, em todos os níveis, com a mesma direção, mesmo programa e mesmo estatuto. Para efeitos da cláusula de barreira e da proporcionalidade eleitoral, os partidos da federação contarão como apenas um.

A justificativa utilizada pelo MES, corrente até então da “ala esquerda” do PSOL, para apoiar a federação com a Rede foi a cláusula de barreira, uma medida anti-democrática que existe desde 2019 no Brasil e busca restringir o crescimento dos partidos de esquerda. Com esta cláusula, os partidos que não obtiverem um determinado percentual de votos nas eleições para deputado federal perderão acesso ao milionário fundo partidário, ao tempo de televisão e a estrutura de bancada na Câmara dos Deputados, de maneira que estes recursos tenderão a se concentrar cada vez mais nas mãos dos partidos fisiológicos que servem a burguesia. O percentual de barreira era 1,5% nas eleições de 2018, 2% em 2022, 2,5% em 2026 e 3% em 2030, divididos em ao menos nove estados. Alternativamente, um partido que, em 2022, eleger 11 deputados federais em nove estados, número que irá aumentar para 13 e 15 deputados em 2026 e 2030, respectivamente, também terá superado a cláusula.

Em um texto publicado pela Revista Movimento, Estevan Campos, do MES, afirma que, caso não fosse ultrapassada a cláusula de barreira, o PSOL terminaria em uma situação de “semi-clandestinidade”. Uma afirmação que se encontra bastante longe da realidade, dado que o PSOL manteria sua organização, sua legenda e seus mandatos, e poderia seguir participando das eleições, diferente do que ocorreu, por exemplo, com o PCB em 1947, em um fato que por vezes é utilizado para como indicativo de qual a seria a situação do PSOL.

Este argumento é, na realidade, apenas uma maneira de buscar esconder a política de conciliação que o PSOL adotou com a benção do MES. Mas não só eles buscam dar um verniz de esquerda à atual política psolista. Também a Resistência o faz, ainda que tenha votado contra a federação com a Rede. A corrente de Valério Arcary está na linha de frente, dentro do PSOL, de apoiar a chapa Lula-Alckmin, justificando a Frente Ampla com setores ultra reacionários com o argumento da necessidade de derrotar Bolsonaro e o “neo-fascismo”, sendo parte de diluir o PSOL na política de conciliação petista.

Leia mais: MES ou Resistência: quem é mais funcional à política da maioria do PSOL?

Em meio a essa discussão, é importante ressaltar que a cláusula de barreira é um mecanismo anti-democrático, mesmo que o PSOL tenha votado a favor dela em 2015. E que perante um ataque a sua organização, qualquer partido revolucionário iria lutar para não ser atingido. Mas nenhum partido revolucionário iria abrir mão de seus princípios mais básicos, como a independência de classe, em nome disso. É importante ver, então, por que o PSOL adota essa posição.

O PSOL tornou-se um partido dependente do Estado burguês, um partido com uma lógica de atuação centrada no parlamento, e não na luta de classes. A semi-clandestinidade que o MES alega não é uma cassação do partido, mas a perda dos R$ 24 milhões que o PSOL ganhou de fundo partidário em 2021, que constituem, junto ao Fundo Eleitoral, a principal forma de financiamento psolista.

O malabarismo intelectual de Campos, para justificar seu reformismo, recorre ao argumento de que o PSOL será majoritário na federação, e que portanto isto irá definir o seu caráter. Mas o caráter da federação é dado, antes de tudo, por seu programa, que apaga os resquícios de qualquer reformismo que o PSOL ainda possuía, que nada fala em relação a dívida pública, a reestatização de empresas privatizadas ou a revogação das reformas de Temer e Bolsonaro. E não poderia ser diferente, visto que a Rede apoiou a reforma da previdência de Doria em São Paulo, e outros ataques pelo país.

O rebaixamento de seu próprio programa e a renúncia a independência de classe são uma consequência da política de depender dos recursos do Estado burguês, e de não se auto-financiar, da política de priorizar o parlamento em vez da luta de classes. Uma restrição de acesso aos espaços institucionais torna-se, então, uma questão de vida ou morte para o PSOL, e contornar isso torna-se o centro da política partidária.

É em nome disso que o PSOL aprova sua federação com um partido burguês, em uma coroação de seu giro à direita, representado pelo apoio a chapa Lula-Alckmin, e que gera a debandada de parlamentares, figuras públicas e militantes do partido, que passa por uma crise histórica.

Mas a aliança com a burguesia e o rebaixamento do programa não são a única maneira de lidar com uma cláusula de barreira. Na Argentina, em 2009, foi aprovada uma cláusula de barreira mais draconiana que a brasileira, pois impunha que os partidos que não atingissem 1,5% dos votos em uma província nas eleições primárias não poderiam lançar suas candidaturas naquela província. Foi imposto também um número mínimo de filiados, também contado por província, que caso não fosse atingido levaria a impossibilidade de o partido participar das eleições. Em 2011, 149 partidos foram atingidos pela medida.

A resposta dos partidos de esquerda argentinos não foi, porém, a de se unificar com setores da burguesia, mas a de formar a Frente de Esquerda e dos Trabalhadores (FIT, na sigla em espanhol) como forma de contornar a cláusula de barreira. A FIT foi formada pelo Partido de los Trabajadores Socialistas (PTS), partido-irmão do MRT na Argentina, pelo Partido Obrero (PO) e pela Izquierda Socialista (IS). É uma frente de independência de classe e de oposição a qualquer governo burguês, caminho oposto ao tomado pelo PSOL.

É incerto ainda qual será o futuro do PSOL, se aceitará fazer parte de um futuro governo Lula-Alckmin e se fará parte de outros governos de conciliação nos estados, ainda que o anúncio de Juliano Medeiros como membro da chapa de Haddad em São Paulo indica uma tendência. Mas é notório como, além da diluição no petismo, a federação com a Rede é a expressão da completa bancarrota do PSOL. E a mão do MES não tremeu na hora de ser o fiel da balança dessa decisão.

Leia também a carta que o Esquerda Diário escreveu aos militantes do PSOL

 
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