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Conclat 2022
As “pautas da classe trabalhadora” na Conclat são uma farsa das centrais sindicais a serviço da conciliação de classes na eleição
Redação

No último dia 7 as centrais sindicais (CUT, CTB, CSB, UGT, Força Sindical, NCST, Pública, Intersindical) organizaram o que chamaram de “III Conclat”. Apesar do nome, foi um evento extremamente burocratizado, restrito às cúpulas das grandes centrais sindicais, sem nenhuma organização desde a base, em que as centrais apresentaram uma plataforma política que unifica os interesses da burocracia sindical com a chapa de Lula e do reacionário Alckmin, sem discutir a revogação das reformas e ataques.

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A classe trabalhadora está amargando uma profunda crise com o aumento do preço dos combustíveis e dos alimentos, com os ataques trabalhistas e as privatizações, com as demissões em massa e fechamentos de fábricas. O governo de Bolsonaro, militares e a extrema-direita buscam descarregar todos os dias essa crise nas costas da nossa classe. Mas Bolsonaro não anda só. Ele conta com a ajuda de governadores e parlamentares que, mesmo que nas palavras se coloquem como uma suposta “oposição” ao presidente, nas ações apoiam todos os ataques aos trabalhadores e privatizações. Além disso, conta também com a paralisia das grandes centrais sindicais, como a CUT, do PT, que alimentam ilusões de que as eleições serão a saída para essa profunda crise e os ataques, em vez de organizar um plano de lutas nacional, com greves e mobilizações unificadas.

É em meio a esse cenário que no último dia 7 as centrais sindicais (CUT, CTB, CSB, UGT, Força Sindical, NCST, Pública, Intersindical) organizaram o que chamaram de “III Conclat - Conferência Nacional da Classe Trabalhadora”. Apesar do nome, foi um evento extremamente burocratizado, restrito às cúpulas das grandes centrais sindicais, sem nenhuma organização desde a base, sem representantes eleitos nos locais de trabalho e discussões com as categorias. Se configurou como uma reunião contra a organização da classe trabalhadora, já que as centrais apresentaram uma plataforma política que unifica os interesses da burocracia sindical com a chapa de Lula e do reacionário Alckmin, sem discutir a revogação das reformas e ataques aprovados desde o golpe institucional de 2016, e sem apontar nenhum plano de unificação das lutas operárias que ocorrem no Brasil. E, como parte dessa política, apontando para um ano sem nenhuma mobilização.

Essa linha de atuar contra qualquer mobilização, a favor de uma política de conciliação de classe nas eleições, está bem expressa no documento de “Pautas da Classe Trabalhadora” apresentado como resolução da Conferência. O texto tem 24 páginas, todas dedicadas a apontar um uma pauta política de conciliação, que possa ser acordada com Lula e Alckmin, e negociada com a patronal, e para um ano sem nenhuma organização ou mobilização da nossa classe.

Todo o peso, tanto do documento como das falas da Conclat, reside na estratégia de uma derrota meramente eleitoral de Bolsonaro através de uma política de conciliação com os patrões e a direita responsável pelo golpe institucional e por tantos ataques a nossa classe. Além disso, ressaltou-se bastante também como um segundo objetivo o fato de que não bastava apenas eleger Lula como presidente, mas que era necessário eleger parlamentares que representassem no Congresso as pautas sindicais.

Não foi apresentado nenhum debate sobre as limitadas pautas discutidas no documento serem ao menos defendidas através da força da luta dos trabalhadores, organizados em cada local de trabalho. Pelo contrário, só o que está expresso é que o documento, de acordo com o texto, “será entregue aos candidatos e candidatas à Presidência da República, ao Congresso Nacional, aos governos dos Estados e às Assembleias Legislativas”. Essa entrega ocorreu em um encontro de Lula e Alckmin com os dirigentes sindicais no dia 14/04. Nesse encontro grotesco, Alckmin foi saudado como “companheiro”, e aos engasgos proferiu “viva Lula, viva a classe trabalhadora”. Em sua fala, Lula deixou bem claro que as pautas das centrais sindicais serão discutidas não com o presidente, mas com o vice, em uma mesa de negociação com empresários de todo o tipo que “têm o direito de negar”, em suas palavras:
“Eu tenho o direito de reivindicar, eles têm o direito de negar (...). Chegando ao governo, pode preparar uma passagem de avião para vocês irem à Brasília para que a gente comece a discutir, e vocês que me conhecem sabem que a gente vai criar uma mesa de negociação. Uma mesa de negociação pode ser coordenada pelo vice presidente, não precisa ser pelo presidente. E vai ter lá os empresários. Vai estar o Patá [presidente da UGT], vai estar os empresários do comércio, o Patá vai dizer o que precisa, e deixa ele explicar porque não pode entrar. A gente não vai fazer nada na marra, a gente vai fazer negociando com a permissão deles”. Veja vídeo aqui.

Essa grande unidade com todas as centrais sindicais (inclusive as mais pró-patronais como a UGT), junto de empresários e políticos burgueses, como Alckmin, sempre cobrou um alto preço para os trabalhadores. Em sua fala, Alckmin recupera o exemplo da ditadura dizendo que "quando o Brasil precisava de uma Constituição Cidadã lá estava Lula, Ulisses, Florestan Fernandes, Mario Covas, Fernando Henrique", buscando defender que seria necessário uma unidade como essa em defesa da democracia e contra a ditadura defendida por Bolsonaro. Porém, tanto hoje como naquele momento, essa conciliação na verdade significa justamente subordinar os sindicatos e a organização da classe trabalhadora a um projeto de país pactuado com a classe dominante, em que quem perde são justamente os trabalhadores

É justamente por conta dessa estratégia de conciliação de classes - pautada por ilusões de que as reivindicações da nossa classe serão garantidas pela via institucional - que as resoluções apresentadas no documento da Conclat sequer tocam em muitos dos pontos mais sensíveis para resolver os problemas da classe trabalhadora, uma vez que as verdadeiras “pautas da classe trabalhadora” nunca poderiam ser acordadas com os interesses da patronais e concedidas através da política de conciliação de classe para a qual as centrais apontam apoiando a chapa de Lula-Alckmin, que buscam acalmar os empresários dizendo que não revogarão as reformas trabalhista e da previdência.

Apesar de algumas falas da Conferência terem mencionado a importância de revogar essas reformas, no documento da Conclat há uma ambiguidade na resolução que trata disso. O documento defende:

“Implementar um marco regulatório de ampla proteção social, trabalhista e previdenciária a todas as formas de ocupação e emprego e de relação de trabalho, com especial atenção aos autônomos, conta-própria, trabalhadoras domésticas, teletrabalho e trabalhadores mediados por aplicativos e plataformas, revogando os marcos regressivos da legislação trabalhista, previdenciária, e reestabelecendo o acesso gratuito à justiça do trabalho.”

A ambiguidade reside no fato do documento dizer apenas sobre “revogar os marcos regressivos da legislação trabalhista e previdenciária”, mas não revogar a reforma trabalhista e da previdência como um todo. É como se houvessem marcos “progressivos” nessas reformas anti-operárias que pudessem ser mantidos. Mas quais seriam esses “marcos regressivos” e os “marcos progressivos”? Há algo do qual os trabalhadores se beneficiaram com essas reformas? Os níveis de rebaixamento salarial, subemprego e carestia de vida após esses ataques nos deixam evidente que não há benefício nenhum que possa ser mantido. A explicação para que não se defenda a revogação completa é só uma: a impossibilidade disso acontecer pela via eleitoral e por fora de uma forte luta, com as greves e mobilizações nacionais que essas grandes centrais sindicais estão se recusando a organizar.

Sobre a reforma trabalhista, no discurso de Lula na live de entrega do documento das centrais sindicais, ele afirma que é preciso rever a reforma mas, segundo ele, não para ser como era antes. Isso significa revisar para adequar às condições que estão colocadas agora. A questão é que as condições colocadas agora são condições de crise e precarização. Lula defende o exemplo do estado Espanhol, onde ocorreu uma revisão à reforma trabalhista, mas não revogação integral dos principais pontos que atingem a classe trabalhadora, mantendo o essencial do ataque.

Interessante notar que em algumas falas e no documento da Conclat se apontou o objetivo de retomar um suposto “Estado de bem-estar social definido pela Constituição de 1988”. Já em 1988 essa constituição, que foi pactuada com os militares, deixou de fora as pautas fundamentais que estavam colocadas na luta pelo fim da ditadura (como uma reforma agrária radical p. ex.) e carregou entulhos da ditadura como o artigo 142 (que permite uma brecha para um novo golpe militar). Hoje em dia, então, com todos os ataques trabalhistas aos direitos constitucionais e reformas, é ainda mais escandaloso defender apenas os direitos que restaram na constituição sem sequer se pronunciar contra a revogação integral das reformas anti operárias que inclusive degradaram ainda mais os parcos direitos presentes nesta.

Há outro elemento a se desconfiar na resolução sobre o “marco regulatório” que citamos, que é a demagogia que esses dirigentes sindicais fazem com a fundamental questão dos setores precarizados, uberizados, autônomos etc, que crescem cada vez mais. Em primeiro lugar, o que salta aos olhos é a defesa de um “marco regulatório” em abstrato, sem “dar nome aos bois” para deixar claro que marco seria esse. Ao invés de defender que todos esses trabalhadores tenham todos os mesmos direitos que o conjunto da nossa classe, as centrais apontam para uma regulamentação da uberização, que o próprio Lula propôs que seja definida em uma negociação com as patronais conduzida por Alckmin, o que deixa ainda mais claro que levará a uma regulamentação da flexibilização, com menos direitos.
Isso é importante evidenciar uma vez que há hoje propostas de uma infinidade de liberais, como a Tábata Amaral, para se criar um novo tipo de “marco regulatório” para o trabalho precário, algo como um “intermediário” entre a CLT e a informalidade, que nada mais é do que se criar um “direito rebaixado” para esses trabalhadores, com algumas míseras concessões. Na live de “entrega” dessas pautas da classe trabalhadora para Lula e Alckmin, Lula ressalta o exemplo do aplicativo de entregas da prefeitura de Araraquara: a medida que a prefeitura tomou foi do estado como uma mediação entre os entregadores e os consumidores de aplicativos, de modo que o estado consiga negociar melhores taxas, mas ainda assim sem garantir nenhum direito.

Em segundo lugar, essa menção aos setores mais precarizados da classe (que apareceu em quase todas as falas da Conferência também) é demagógica porque esconde o fato de que essas mesmas centrais sindicais, que hoje fingem se preocupar com a questão, são também responsáveis pelo avanço dessa precarização. São responsáveis na medida em que ao longo de todos esses anos tiveram uma atuação meramente corporativa, ou seja, pautada em discutir apenas as demandas sindicais de sua própria base sindical. Os setores informais estavam de fora desta base e ficaram desamparados. Com essa atuação, em que cada sindicato defende “seu feudo”, a classe trabalhadora fica cada vez mais dividida e enfraquecida. Outros setores precarizados, como os terceirizados, são representados muitas vezes por sindicatos patronais, que estavam na mesa da Conclat, como a UGT.

Quando pensamos nos setores uberizados, fica evidente essa divisão e o descaso das direções das grandes centrais. A exemplo do grande “breque dos apps”, ocorrido em 2020, em que as centrais sindicais em São Paulo poderiam ter fortalecido a luta dessa nova categoria de entregadores, unificando-os com a greve em um setor estratégico como os metroviários (que também estavam mobilizados para paralisar no mesmo dia), com capacidade de paralisar a cidade. Ao contrário, naquele momento CUT e CTB, como maioria da diretoria do sindicato dos metroviários, defenderam suspender a greve que estava marcada para o mesmo dia (e que nós do Nossa Classe havíamos defendido junto a outras forças da categoria, pois nós consideramos que poderia ser um grande passo na unificação entre esses setores da nossa classe).

Além disso, após a aprovação da terceirização irrestrita, aprofundou-se ainda mais essa realidade de divisão das fileiras operárias que já vinha crescendo desde o governo PT. Hoje, em diversos locais de trabalho que são bastiões do movimento sindical (metalúrgicos, petroleiros, universidades…) há um grande contingente de terceirizados, o que dificulta muitas vezes que, em uma greve apenas dos trabalhadores efetivos/diretos, se consiga paralisar todo o serviço. Mesmo vendo essa realidade, as centrais sindicais inúmeras vezes se opuseram a unificar a luta com os terceirizados (afinal, “não são sua base”) e além disso se negam a defender a fundamental demanda de efetivação de todos os terceirizados, sem necessidade de concurso público ou processo seletivo.

Sobre isso, é no mínimo curiosa também a resolução desse Conclat que trata da terceirização irrestrita. Além de não defenderem a efetivação (defendem contratação via concurso apenas), não defendem também a revogação da lei de terceirização irrestrita, defendem apenas uma “revisão” desta. Chamam a “rever a legislação” e também a “rever as terceirizações no setor público”, e quanto ao setor privado não há nenhuma menção.

Aliás, “rever” e não “revogar” parece ser uma premissa básica das resoluções da Conclat. É o caso também da menção sobre as privatizações, em que se defende “rever” as privatizações e não revertê-las, conforme descrito da seguinte forma:
“19. Direcionar a política do Estado brasileiro como agente promotor do desenvolvimento econômico e socioambiental, revendo as privatizações e fortalecendo o papel estratégico dos bancos e empresas públicas e dos serviços públicos universais.”

Não é preciosismo questionar essa minuciosa escolha de palavras dos dirigentes das principais centrais sindicais do país, afinal, é justamente essa manutenção de todos os ataques, reformas e privatizações o que a chapa Lula-Alckmin tem defendido, chapa da qual esse Conclat se fez porta-voz.

A organização de uma Conclat deveria ter participação dos trabalhadores pela base, para impulsionar atuação da nossa classe com independência política dos patrões, da direita e das instituições que vieram e seguem nos atacando. É isso que as centrais sindicais que se colocam no campo à esquerda do PT, como a CSP-Conlutas e a Intersindical deveriam estar defendendo. Nós do MRT, que fazemos parte da Conlutas, desde o início criticamos que era equivocado a assinatura da CSP- Conlutas na convocatória da Conclat. Concordamos com as críticas feitas em um artigo da CSP-Conlutas sobre o caráter superestrutural da convocatória da Conclat e de que uma Conclat deveria colocar no centro a luta pela revogação integral da reforma trabalhista e não se adaptar ao calendário eleitoral, justamente por isso e consideramos muito importante que na coordenação estadual de São Paulo, por proposta nossa, tenha-se aprovado uma resolução denunciando o caráter dessa conferência. E consideramos correto que, mesmo posteriormente, a CSP-Conlutas tenha rompido com a organização dessa farsa sob o nome de Conclat.

Já a Intersindical Vermelha, por sua vez, não só assinou a convocatória como participou da conferência e assinou o documento de resoluções. Com isso, essa central deixa evidente que compartilha e contribui com o projeto de conciliação petista ao qual o PSOL vem se alinhando cada vez mais. A central fez um discurso vermelho na conferência, falando de “greve geral” e contra a conciliação de classes dos governos anteriores, mas não fez uma crítica sequer aos problemas que essa conciliação gera para o movimento sindical e para essa Conclat, não criticou a aliança com o Alckmin e nem a manutenção das reformas, pelo contrário, saudou o espaço e a unidade das centrais. Mostra assim seu papel nesse projeto lulista: justamente cobrir pela esquerda essa política, com discursos vermelhos, mas com uma prática que contribui para o pacto com o capital imperialista.

O que precisamos é o contrário disso. É a unificação das lutas em curso e uma paralisação nacional como parte de um plano de luta para dar uma saída de emergência contra a fome, o desemprego e os problemas mais sentidos pelas massas trabalhadoras. Isso passa pela revogação integral da reforma trabalhista e de todos os ataques e privatizações dos últimos anos. Pela reestatização de 100% da Petrobras, sob gestão dos trabalhadores e controle popular, reduzindo imediatamente os preços dos combustíveis e do gás de cozinha. Pelo reajuste mensal dos salários junto com a inflação, e pelo direito ao emprego, com todos os direitos, para todos, com a redução da jornada de trabalho. Só assim poderemos fazer com que sejam os capitalistas, e não os trabalhadores, que paguem por essa crise.

 
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