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Terceiro mandato
Xi Jinping, imperador da China ao leme do PCCh?
André Barbieri
São Paulo | @AcierAndy

A ideia de Xi de que o futuro chinês "c’est moi" podem mergulhar as aspirações imperiais do burocrata do PCCh no turbilhão da crise mundial.

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A 24 de agosto, Xi Jinping, o líder supremo do Partido Comunista Chinês, visitou um retiro imperial de verão em Chengde, em colinas frescas e arborizadas ao norte de Pequim. O local visitado, o Templo de Puning, foi erguido em homenagem ao imperador Qianlong, um dos mais longevos governantes da China imperial (entre 1736 e 1795), que marcou o auge da Casa dos Manchu. É notória a admiração de Xi Jinping ao antigo monarca Qing. Depois de ser reabilitado na década de 1990, no auge do processo de restauração capitalista encabeçado pelo PCCh, Qianlong passou a ser reconhecido pela burocracia de Pequim como um “construtor de nações”, que centralizou o governo reprimindo revoltas locais, e unificou a China de então mediante a coesão de um plano de longo prazo.

Não são raras as manifestações de apreço das burocracias de origem stalinista aos impérios nacionais do passado – na URSS, distintos ocupantes do Kremlin stalinizado no pós-II Guerra (além do próprio Stálin) revelavam afeição confessa ou contrita a Pedro, o Grande e ao império dos tzares. Mas na China atual a admiração vai além de anedotas históricas de grandeza nacional. Xi Jinping quer para si um império vitalício, e dá passos firmes na burocracia para consegui-lo no 20º Congresso.

Nesta semana, o Partido Comunista Chinês aprovou sua primeira "resolução histórica" em 40 anos, em um desenvolvimento susceptível de preparar o caminho para que Xi Jinping permaneça no cargo até pelo menos 2028. A resolução, apenas a terceira adotada desde 1945, declarou que a liderança de Xi era "a chave para o grande rejuvenescimento da nação chinesa", de acordo com um resumo publicado pela agência oficial de notícias Xinhua.

Esse novo pilar da história moderna da China, o fortalecimento do país e sua postura agressiva no cenário internacional, seria uma realidade “não factível” sem a atuação do atual líder. Xi Jinping, na consideração da sessão plenária, tinha "resolvido muitos problemas que [o PCCh] não conseguiu resolver por muito tempo, apesar da intenção de fazê-lo". Em um movimento inusitado, Hong Kong foi mencionada no comunicado, que disse que o PCCh "promoveu com sucesso a grande mudança do caos para a governança", impondo uma série de medidas que garantiram que Hong Kong e Macau fossem governados por "patriotas". O comunicado também disse que o Partido se opõe firmemente ao separatismo de Taiwan e à intervenção estrangeira (óbvia referência aos EUA), e que tomou a iniciativa de lidar com as relações entre os dois lados do Estreito. Apesar de não estar mencionado, o comunicado se apoia na modernização das Forças Armadas chinesas e na crescente capacidade nuclear da China – como verificada nos testes de mísseis hipersônicos, classificados por Washington como algo próximo de um “momento Sputnik”.

Xi orquestrou movimentos similares para reforçar seu poder no final de seu primeiro mandato. Um plenário do Comitê Central no final de 2016 o declarou como "o núcleo" da liderança do partido. No início de 2018, ele conseguiu a aprovação do PCCh e do Parlamento para remover o limite de dois mandatos da presidência, permitindo-lhe potencialmente permanecer no poder por toda a vida.

O Comitê Central normalmente realiza uma sessão plenária por ano, com a presença de seus 370 membros plenos e suplentes; nessa ocasião, a sessão se deu em um hotel militar na periferia oeste de Pequim. É o penúltimo encontro, e o mais importante, antes do 20º Congresso do partido, previsto para outubro ou novembro do ano que vem. “O Comitê Central convoca todo o partido, todo o Exército e as pessoas de todos os grupos étnicos a se unirem ao redor do Comitê Central com o camarada Xi Jinping como seu núcleo, para pôr em marcha a nova era de socialismo com características chinesas”, afirma o texto. “Estamos convencidos de que o Partido Comunista e o povo chinês ampliarão as grandes glórias e vitórias dos últimos cem anos com glórias e vitórias ainda maiores na nova jornada que nos espera na nova era”, conclui o comunicado.

As razões da resolução especial, que fundamentaria a quebra do ritual de dois mandatos de cinco anos para cada líder chinês, é a importância pessoal de Xi no rejuvenescimento da nação. Segundo o texto oficial da resolução, Xi “apresentou uma série de ideias, pensamentos e estratégias novas e originais sobre a governança nacional, em torno das principais questões dos nossos tempos”. Sua ideologia seria parte da “essência” cultural do país; o presidente da nação e “núcleo” do partido também demonstra “grande coragem política e um grande senso de responsabilidade”, acrescenta o texto. Ao todo, o nome do Xi Jinping é mencionado em 17 ocasiões; Mao Tsé-Tung, o “Grande Timoneiro” que liderara o PCCh na fundação da República Popular em 1949, é mencionado 7 vezes. Deng Xiaoping, aquele que na linha sucessória da burocracia abriu caminho à restauração capitalista com as reformas de abertura em 1978, é mencionado apenas 5 vezes. Os predecessores imediatos de Xi, Jiang Zemin e Hu Jintao, são citados apenas uma vez.

Mao e Deng, os dois líderes mais reverenciados na hierarquia burocrática, usaram resoluções semelhantes para assegurar seu domínio sobre o poder em 1945 e 1981, respectivamente. Em 1945, Mao justificou um expurgo de seus inimigos, culpando-os por erros passados para poder se posicionar como o líder inquestionável. Em 1981, a resolução de Deng dizia que Mao havia cometido erros graves e que a Revolução Cultural de 1966-76 havia sido um "grave engano", por ter aberto caminho a uma situação caótica no país (Deng fora exilado como parte da Revolução Cultural, que a facção de Mao havia lançado com o objetivo originário de recuperar prestígio depois do fracasso do Grande Salto Adiante). Ao criticar Mao, embora cautelosamente, Deng reconstruiu o apoio público e passou a operar as reformas pró-capitalistas.

Hu e Jiang presidiram ambos as transições pacíficas e ordenadas de poder, com seus sucessores identificados com cinco anos de antecedência. Xi, entretanto, deve dispensar esta tradição e assegurar um terceiro mandato de cinco anos como secretário geral do partido no final do próximo ano. Xi não identificou um sucessor no início de seu segundo mandato em 2017. Seu terceiro mandato como presidente teria início em março de 2023.

Ao declarar que "o grande rejuvenescimento da nação chinesa entrou num processo histórico irreversível" sob a liderança de Xi, o PCCh o ungiu efetivamente como igual a Mao e Deng, eclipsando seus antecessores Hu Jintao e Jiang Zemin. Os reinados de Mao e Deng foram apresentados como fases preliminares essenciais antes do início da "nova era" de Xi: Mao ajudou o povo chinês a "se levantar" após um século de humilhação por potências estrangeiras. Deng colocou a China em um caminho para "enriquecer" depois de séculos de pobreza. Agora, Xi está ajudando a China a "se tornar forte".

Tudo isso dá uma ideia da baixa resistência interna com que se deparou o atual secretário-geral do PCCh para prolongar seu governo bonapartista. No ano passado, Xi montou uma nova ofensiva em meio aos problemas da pandemia para silenciar críticos e esmagar potenciais rivais, expurgando o aparato de segurança, promovendo aliados políticos e mostrando a força do Partido, assim como disciplinando alguns grandes capitalistas do país (como Jack Ma, da Alibaba) aos desígnios de sua majestade – oferecendo em troca toda lealdade ao avanço dos seus lucros bilionários (ver aqui sobre a política de “prosperidade comum”). De fato, a capacidade de Xi Jinping de assegurar um novo mandato sugere que ele quebrou qualquer oposição significativa à extensão de seu domínio. Os expurgos contra adversários na campanha anti-corrupção, que acontece desde 2012 no PCCh e no Exército de Libertação Popular, foram capazes de erodir as bases de oponentes como Bo Xilai ou Zhou Yongkang, Guo Boxiong ou Xu Caihou, oficiais civis e militares de alta patente expurgados em anos anteriores. Ainda que haja críticas de uma suposta “ala esquerda” neo-maoísta que queira resgatar a figura de Mao, assim como reservas de outra ala dengista que receie o retorno a campanhas ideológicas, é improvável que sem solavancos fortes da luta de classes a burguesia chinesa retire seu apoio a Xi.

Como dissemos neste artigo acerca do papel ideológico de Xi no centenário do PCCh, o próprio mandatário atual busca unificar maoístas e dengistas dentro de seu projeto. Xi já declarou que nem Mao nem Deng devem ser usados para "negar" o outro. Como lembra François Bougon, em “Inside the Mind of Xi Jinping”, em seu discurso na Escola Partidária de Pequim, dirigida aos membros permanentes do Comitê Central do PCCh, Xi defendeu que a história do Partido devia ser considerada como um todo, sublinhando que as eras de implementação do socialismo e de reforma e abertura seriam complementares; não deveriam ser separados um do outro, muito menos opostos um ao outro. Xi não quer uma história cheia de erros e contradições, nem uma que levante questões sobre o domínio unipessoal da China (algo que o PCCh considera ter sido fatal para a dissolução da União Soviética).

A nova resolução sugere, afinal, que a China precisa de Xi para cumprir objetivos de longo prazo, tais como transformar o país em uma "nação socialista moderna" até 2035 e uma "próspera" e "forte" até 2049, o 100º aniversário da República Popular. Repetiu a retórica agressiva sobre Taiwan, cuja persistente autonomia frente à China tem sido um ponto nevrálgico para todos os líderes desde Mao. Com palavras diferentes daquelas verberadas no centenário do PCCh, não deixou de lançar outro alerta a Biden e às potências europeias, que buscam uma frente anti-China, assegurando o mesmo significado das ameaças feitas por Xi em julho. Naquele então, o mandatário chinês dizia que os que quisessem frear os objetivos chineses e ameaçar sua soberania “quebrarão suas cabeças contra uma Grande Muralha de aço, forjada a partir da carne e do sangue de mais de 1,4 bilhão de chineses”.

Assegurar um terceiro mandato é mais um passo na carreira de um burocrata que quer entrar no panteão da história moderna chinesa, colocando a China como grande disputante dos espaços de acumulação de capital com os Estados Unidos, e uma definidora dos rumos mundiais no século XXI. Em novembro de 2012, Xi Jinping foi eleito para os cargos de secretário geral do Partido Comunista Chinês, e presidente da Comissão Militar Central. No ano seguinte, foi eleito para o cargo de presidente da República Popular da China. Antes disso, ele havia ocupado cargos-chave no governo chinês e no PCCh, incluindo cargos como governador das províncias de Fujian e Zhejiang, de secretário partidário em Xangai, membro do Comitê Permanente do Politburo e vice-presidente de 2008 a 2013. Ele também ocupou a posição crítica de vice-presidente da Comissão Militar Central de 2010 a 2012, o que o projetava claramente como sucessor de Hu Jintao. Desde que assumiu o cargo, Xi iniciou uma série de reformas políticas no país e no exterior. Entretanto, é nas relações internacionais que Xi deixou sua marca mais forte, incluindo uma postura mais agressiva sobre disputas territoriais como o Mar do Sul da China, e o lançamento da visibilidade política, econômica e militar internacional da China através do projeto da Nova Rota da Seda (Belt and Road Initiative).

Mas as condições objetivas para uma conquista pacífica de um terceiro mandato não parecem cooperar com Xi. A resolução se dá em meio à desaceleração da economia chinesa, uma crise demográfica e à concentração militar dos Estados Unidos à Ásia-Pacífico. A crise da Evergrande obrigou Xi Jinping a constatar que o ramo imobiliário não pode mais ser o principal motor dinâmico da China, como foi nos últimos 40 anos, o que é um tema de preocupação substancial no marco da crise mundial. Depois de 30 anos em que milhões de trabalhadores deixaram suas aldeias rurais para as cidades, a maior migração da história humana agora diminuiu substancialmente. Isso muda o quadro da demanda por imóveis na China, responsável pelo maior boom imobiliário da história da humanidade. Ao encolhimento das cidades e à redução populacional, se liga a mudança do padrão de crescimento chinês, que pós-2008 passou a transitar para centrar-se no mercado interno e na produção de alta tecnologia, afastando-se da dependência do investimento estatal em iniciativas industriais baseadas em trabalho intensivo, orientadas à exportação.

Assim, múltiplas forças estruturais estão operando na China, muito além da crise da Evergrande, que não projetam mares tranquilos para a nau de Xi Jinping. Algo semelhante se deu na China imperial de Qianlong. No final do século XVIII, a China dominava mais de um terço da população mundial, possuía a maior economia do mundo e, por área, era um dos maiores impérios de todos os tempos. Porém, no final da vida de Qianlong, a economia chinesa começou a declinar devido a corrupção e desperdício em sua corte e a uma sociedade civil estagnada. As medidas repressivas às revoltas camponesas não puderam mudar o curso descendente da dinastia Qing.

O mundo é muito mais complexo hoje do que na época em que o mandatário manchu anexava militarmente as regiões do Tibet e de Xinjiang. A ideia de Xi de que o futuro chinês "c’est moi" podem mergulhar as aspirações imperiais do burocrata do PCCh no turbilhão da crise mundial.

 
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