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Eleições na Argentina: uma política de independência de classes para além das fronteiras e o debate com a esquerda brasileira
Diana Assunção
São Paulo | @dianaassuncaoED
André Barbieri
São Paulo | @AcierAndy

Neste artigo buscaremos analisar as eleições na Argentina e a experiência da Frente de Izquierda y de los Trabajadores - Unidad, um exemplo de intervenção política nas eleições com um programa de independência de classe e em função do fortalecimento da luta dos trabalhadores, das mulheres e da juventude, em debate com as posições da esquerda brasileira, como exercício fundamental do internacionalismo proletário. Em um momento de ataques do governo Bolsonaro-Mourão e este regime político degradado, vemos grande parte da esquerda brasileira se subordinar ao PT e sua conciliação de classes. Neste sentido, a experiência da FIT-U pode trazer inúmeros ensinamentos políticos e programáticos para a esquerda brasileira.

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O cenário eleitoral na Argentina

As eleições na Argentina têm uma importância para a esquerda brasileira que vai muito além do fato de se tratar de nosso país vizinho, cujas consequências políticas e econômicas naturalmente reverberam em solo brasileiro. Isso porque é neste país em que se apresenta como terceira força eleitoral a Frente de Izquierda y de los Trabajadores - Unidad, que reúne em seu interior o Partido de los Trabajadores por el Socialismo (PTS, organização irmã do MRT), o Partido Obrero (PO), a Izquierda Socialista (IS) e o Movimiento Socialista de Trabajadores (MST). Não se trata de mais uma coalizão eleitoral, nem de uma novidade eleitoral neorreformista. Trata-se de uma experiência que leva na prática a independência de classe, e a agitação dessa independência política dos trabalhadores, como um pressuposto fundamental, apresentando um programa para que sejam os capitalistas que paguem pela crise e a perspectiva de um governo dos trabalhadores de ruptura com o capitalismo. Sobre esta base política é que neste ano a FIT-U teve seu maior resultado nas eleições primárias de agosto em toda a sua história, e segue nesta forte batalha rumo ao 14N, quando ocorrem as eleições efetivas neste país.

Inspirado nessa experiência, que com toda a energia buscamos fazer ser conhecida no Brasil, é que achamos necessário construir, junto a correntes da esquerda brasileira, um verdadeiro pólo para intervenção na luta de classes que possa ser também a base de uma frente política de independência dos trabalhadores que justamente parta de uma aliança para resistir, na luta de classes, aos ataques do governo Bolsonaro, do regime golpista e de todos os capitalistas. Essa aliança seria a mais coerente base de fundação de uma frente política de independência de classe no ano que vem, que também sirva às eleições. É nesse espírito que estamos discutindo com a Coordenação do Polo Socialista e Revolucionário, impulsionado pelo PSTU junto a vários lutadores independentes, nossa participação e contribuição. E em face a esse objetivo que estendemos esse chamado a organizações como a CST e o ex-Bloco de Esquerda Radical, para batalharmos em comum na construção desse polo que cumpra um papel na luta de classes e no terreno político.

Por isso, o debate sobre a experiência na Argentina se faz necessário. Em uma situação de importante crise econômica no país vizinho, as tendências de rechaço ao peronismo como expressão da experiência de massas dos primeiros anos de Alberto Fernández não estão se expressando apenas pela direita, mas também pela esquerda, e é isso que mostram os resultados da FIT-U emergindo como terceira força nacional. Mais que isso: como diz o jornal La Nación, o governo está inquieto pela fuga de seus votos ao trotskismo, em particular para as figuras dirigentes do PTS na Frente de Esquerda Unidade, como Nicolás del Caño, Myriam Bregman e Alejandro Vilca. Além do conteúdo de independência de classe da FIT, o que é algo também especialmente novo na esquerda internacional é que uma corrente composta por uma ampla camada de militantes trabalhadores se projete também no terreno eleitoral com esse conteúdo revolucionário, como vem fazendo o PTS, que tem uma série de candidatos operários de distintos setores como Alejandro Vilca, Raúl Godoy e tantos outros. Uma característica da nossa corrente internacional que também se expressa com Anasse Kazib na França e Lester Calderón no Chile.

Porém, não se trata apenas de uma crise política: os últimos anos na Argentina vêm expressando a existência de tendências que poderiam levar a situação política a um estágio pré-revolucionário. A base estrutural dessa caracterização foi o choque recessivo provocado pela pandemia, que agravou a crise econômica e social que vinha ocorrendo desde o governo Macri, sob o salto na sujeição do país ao imperialismo, com a renovada imposição por parte do FMI de condições para que a Argentina pague suas dívidas. Naquele momento, a polarização social havia se expressado, pela direita, com a revolta da polícia de Buenos Aires, e pela esquerda, com as ocupações de terras por trabalhadores desempregados e precarizados (como em Guernica, Los Ceibos, em distintos distritos da Província de Buenos Aires, a mais populosa da Argentina, em que o PTS atuou na linha de frente junto aos moradores contra a repressão peronista). Essa polarização continuou em 2021, expressando-se pela esquerda com novos protestos.

Trata-se, portanto, de um cenário em que a crise do governo e da oposição de direita vem abrindo espaço para os revolucionários como alternativa. É possível, também, fazer paralelos (como os limites de qualquer analogia) entre a atual disjuntiva do governo Alberto e uma futura experiência de um novo governo Lula no Brasil, no choque de aspirações das massas com a situação econômica que irá impor que Lula apenas administre a obra econômica do golpe institucional em aliança com parte das figuras mais reacionárias da direita brasileira, como José Sarney. Isso significa, mais uma vez, que a experiência argentina tem uma importância fundamental para os debates na esquerda brasileira.

Independência de classes não é uma frase solta, é uma prática política

Os debates acerca das experiências políticas internacionais sempre atravessam o conjunto da esquerda brasileira. Uma parte importante do PSOL, como as correntes Primavera Socialista, Revolução Solidária e Resistência, são fortes entusiastas de qualquer tipo de engendro neorreformista como Syriza, Podemos, entre outros exemplos. O MES, apesar de suas diferenças políticas com essas correntes no âmbito nacional, também está na onda de apoio a essas correntes internacionais, chegando ao cúmulo de chamar voto crítico em Joe Biden, novo presidente dos Estados Unidos. Depois existem as correntes que reivindicam a FIT-U como é o caso da CST, que integra a frente com a IS, bem como a Alternativa Socialista, organização irmã do MST argentino, além do PSTU, que tem candidatos pela FIT-U e recentemente publicou um livro com sua visão sobre essa experiência.

Especificamente tomando a política latino-americana, chama a atenção o caso do Chile e do Peru. Por exemplo, vemos vários setores como a majoritária do PSOL e o MES que reivindicaram a Frente Ampla no Chile, que assinou junto com a direita e o reacionário governo Piñera o infame “Acordo pela Paz” para desativar a rebelião de 2019 e reabilitar as odiadas instituições herdeiras da ditadura, sendo ala esquerda do desvio na Constituinte completamente controlada e não soberana. Em outro nível também temos o caso da Frente Ampla no Peru, que longe de qualquer programa anticapitalista chegou a apoiar o presidente burguês Martín Vizcarra, e agora apoia o reformista Pedro Castillo com um gabinete seleto de empresários direitistas.

Neste sentido, diferente de qualquer uma dessas experiências, a FIT-U na Argentina apresenta um programa de enfrentamento com todas as variantes burguesas e patronais, sem nenhum tipo de conciliação de classes. É essa concepção que vem tirando votos do peronismo no coração do proletariado argentino. O programa da FIT-U parte de rechaçar e chamar a não pagar a dívida pública com o FMI, enfrentando a ingerência imperialista na Argentina e em toda a América Latina, mas também defende a independência dos trabalhadores diante de qualquer partido burguês. O PTS, dentro da FIT-U, vem defendendo que este seja um parlamentarismo revolucionário que sirva para potencializar a luta dos trabalhadores, ou seja, não construir uma força eleitoral desconectada de uma construção orgânica. Seu programa também propõe a redução da jornada de trabalho para 6 horas, 5 dias na semana, e a divisão das horas de trabalho entre todas as mãos disponíveis, sem redução salarial, para unificar empregados e desempregados. Luta pela nacionalização dos bancos e do comércio exterior. Longe desses reformistas que argumentaram que, para ter sucesso eleitoral, o programa tinha de ser rebaixado, a FIT-U apresenta abertamente um programa para “expropriar os expropriadores”. E contra o imperialismo e as burguesias locais, ela propõe a unidade socialista da América Latina.

Nossa intervenção como PTS neste processo todo é levar em consideração a análise da situação, e partindo de que diante dos ataques pós-eleições possam se desenvolver os elementos pré-revolucionários na situação, com ajustes e polarização da vanguarda da classe trabalhadora com as políticas do peronismo e do regime (com o fator novo da nascente extrema direita), consideramos fundamental semear ideias programáticas e de organização para estarmos melhor preparados para esse cenário de intensificação da luta de classes. Isso implica batalhar pelo programa, pela independência de classes e pela organização em partido.

A independência de classe não deve ser meramente “organizativa” e sim política

No âmbito da política nacional há ainda mais diferenças, mas o que vemos é que mesmo as correntes que se colocam à esquerda do PT, diferente da majoritária do PSOL, às vezes terminam pela sua política se adaptando ao PT. E isso é importante porque a experiência da FIT-U na Argentina ilumina a virtude de uma independência de classe que não é meramente organizativa, e sim política.

Por que algumas correntes possuem uma conduta de independência organizativa, e não política, diante da linha do PT? Porque uma política de independência de classes exigiria apostar em organizar a resistência aos ataques, rompendo a coexistência pacífica em relação ao PT no interior do movimento de massas (sendo imprescindível a crítica às burocracias sindicais, e a exigência a essas direções de massas para que organizem a luta contra os ajustes econômicos), criando um polo antiburocrático que agrupe os setores da vanguarda na construção de uma alternativa. No plano político, isso implicaria defender um programa que atacasse o bolsonarismo mas também a direita liberal opositora, combatendo o conjunto do regime político herdeiro do golpe institucional, que para nós deve ser levado adiante com a consigna democrático-radical da Assembleia Constituinte Livre e Soberana, imposta pela luta. Por exemplo, o MES e a CST, com todas as diferenças que têm entre si, defendem a candidatura de Glauber Braga, frente à diluição já em primeiro turno da maioria do PSOL, que é uma candidatura com uma trajetória burguesa e um programa que não é socialista. Assim, essa “independência organizativa” não é acompanhada por uma política de fato independente, o que se expressa com o bloco parlamentar permanente que seu partido estabelece com o PT, no apoio ao impeachment (mais ou menos enfaticamente). O PSTU compartilha da política do impeachment com essas organizações e, na maioria das vezes, como viemos colocando aos companheiros, convive passivamente com as burocracias sindicais petistas no movimento operário. Nossa participação no Polo Socialista e Revolucionário estaria a serviço de batalhar para contribuir por essa política de independência de classes nos colocando a serviço da unidade comum para intervir nas lutas, o que podemos ver abertamente no programa da FIT-U argentina.

Diante do cenário eleitoral, da importância política para a esquerda internacional e a menos de 10 dias das eleições na Argentina, mais do que nunca o exemplo entusiasmante da FIT-U precisa atravessar a fronteira. As correntes que reivindicam a FIT-U integral ou parcialmente como é o caso da CST, AS e PSTU, poderiam estar junto conosco na linha de frente de trazer esse exemplo para o Brasil. No caso da CST nos parece que seria importante aprofundar a discussão sobre sua proposta em relação a uma FIT-U no Brasil, mas debatendo abertamente que considerar possível uma FIT-U com as correntes do PSOL que estão justamente na linha de frente da política conciliatória rumo a uma frente ampla com Lula à cabeça, como é o caso da Primavera Socialista e Revolução Solidária, e também a Resistência, seria na prática a negação da FIT-U. É parte da contradição da localização dos companheiros dentro de um partido que promove a conciliação de classes. Também consideramos importante o debate sobre como lidar com a tradição stalinista, no Brasil representada pela UP e PCB, que a CST e outros setores do PSOL consideram que seriam parte de uma “FIT-U no Brasil”, posição com a qual não concordamos. Nossa posição é que com estes setores é necessário buscar unidade no terreno da luta de classes, mas não é possível uma frente política desse caráter. O MES diz reivindicar a FIT-U mas sua reivindicação de tantas experiências neorreformistas mostra que não se trata de uma reivindicação de conteúdo, o que também podemos verificar na sua política a nível nacional que ainda que seja diferente da majoritária do PSOL chegaram a cogitar Ciro Gomes para uma fórmula presidencial. Também no PSOL há correntes como Socialismo ou Barbárie organização irmã do Nuevo Mas da Argentina, que só fazem críticas a FIT-U porque sua figura Manuela Castañeira tamanha confiança tinha em si mesma que negou o reiterado chamado de entrar na FIT-U, decidiu se lançar sozinha e obviamente não ultrapassou as primárias.

Conclusões para a esquerda brasileira

A independência organizativa não significa, necessariamente, independência política. Se mediante a atuação imediata nas lutas de resistência não surgir uma frente política de independência de classes, a política de separação organizativa com subordinação política é a que se fortalece. Isso seria uma boa notícia para a política de conciliação do PT e da direção majoritária do PSOL. O outro lado da moeda seria que essa separação organizativa significasse uma postura sectária que perdesse a ambição de influenciar a base de trabalhadores e trabalhadoras que ainda não tiraram as conclusões contra a conciliação, o que também ajuda a manter o PT dirigindo suas bases sem contradição – algo que a experiência da FIT-U tem muito a dizer, haja vista a incidência que vem tendo e o temor que tem gerado no peronismo argentino. O chamado a atuar fortemente nas lutas em curso que fizemos ao início do artigo, tanto ao PSTU, quanto à CST e o ex-Bloco de Esquerda Radical, busca impedir esse desenlace e preparar as condições de uma alternativa política de independência de classes em 2022, não deixando para as alas reformistas uma resposta no âmbito eleitoral.

Acreditamos fortemente que essas discussões são decisivas para a esquerda brasileira, principalmente diante de um cenário adverso onde o governo de Bolsonaro segue em crise, apesar de estar longe de cair, e no qual a discussão sobre uma Frente Ampla com Lula à frente é o que tem dado o tom para amplos setores da esquerda no Brasil. O último Congresso do PSOL, que como apontamos aqui, votou, ainda que dividido, sua subordinação política ao PT, mostra a gravidade deste problema. Ao mesmo tempo, uma outra conclusão que podemos tirar é que essa deriva estratégica rumo ao petismo não caiu do céu: é não somente expressão de um partido “amplo” sem delimitação entre reformistas e revolucionários, mas da somatória dessas mesmas experiências internacionais que citamos ao começo que só poderiam com suas conclusões levar a uma política adaptada a nível nacional. Diante disso, a experiência da FIT-U não é somente patrimônio das correntes internacionais que a impulsionam, mas expressão de um processo avançado da vanguarda operária e estudantil que deveria ser tomado como um forte exemplo de como praticar a independência de classe e ainda assim ter alcance eleitoral. Foi por isso, também, que a política do PTS dentro da FIT-U sempre foi a de ampliar a unidade da esquerda em base a discussões programáticas concretas que mantiveram sempre essa força orgânica da esquerda com um programa de enfrentamento a todas as variantes burguesas e patronais. Nenhum atalho ou aliança com forças de conciliação de classes faz parte da política da FIT-U. Por isso é um exemplo e nos próximos 10 dias teremos a oportunidade de aprofundar o debate no Brasil sobre essa experiência. É neste mesmo sentido que para enfrentar o governo Bolsonaro e todo o regime do golpe institucional com uma política independente do PT, consideramos fundamental aqui no Brasil reagrupar a vanguarda, em primeiro lugar para atuar na luta de classes. Com essa perspectiva, viemos debatendo com os companheiros que impulsionam o Polo Socialista e Revolucionário bem como todas as outras iniciativas de unidade com esse objetivo. No calor de políticas como essa, consideramos necessário aprofundar todas as reflexões e debates que apontem para potencializar um internacionalismo verdadeiramente proletário, que é a tradição que nós do MRT reivindicamos.

 
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