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Análise
Para onde foi o Brasil depois do 7 de setembro?
Danilo Paris
Editor de política nacional e professor de Sociologia

O cenário nacional desde o dia 7 de setembro aponta algumas mudanças conjunturais que merecem ser analisadas. Nesse artigo iremos analisar esses desdobramentos.

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Após os atos que tiveram uma composição considerável, e com uma retórica de enfrentamento muito forte, o recuo de Bolsonaro, expresso na carta articulada por Temer, por um lado representava um limite na correlação de forças que o bolsonarismo não conseguia ultrapassar, e por outro, indicava elementos mais importantes na correlação de forças. Muitos analistas se apressaram em dizer que seria uma medida tomada em um dia e contrariada no outro. Não foi o que se viu, seu conteúdo expressava elementos de um “recuo mais sustentado”, por assim dizer, por tudo que ela envolveu e significou. Foi literalmente um pedido de desculpas, após muito agitar sua base. Na prática, foi fundamental para que ocorresse um acordo com o objetivo de “baixar o tom” no conflito entre os poderes, frente à uma crise que se encaminhava para um beco sem saída. Tomar essa decisão traria custos, que Bolsonaro foi obrigado a fazer.

Aquele momento foi o ápice das disputas do bolsonarismo com o bonapartismo institucional, que culminou em uma situação de impasse onde o presidente da república afirmava que não acataria nenhuma ordem de um ministro do STF. A escalada da retórica golpista de Bolsonaro também se expressava como forma reativa às investidas do bonapartismo institucional, como a prisão de Roberto Jefferson, blogueiros bolsonaristas, e uma maior ameaça de atingir o próprio clã a partir do inquérito das fake news, entre outros. Alguns chegam a dizer que Carlos Bolsonaro estava na lista do de Alexandre de Moraes, o que é especulação, mas não deixa de ser uma hipótese a ser considerada.

Desde então, houve uma manutenção desse cenário. As hostilidades e enfrentamentos estão muito distantes do que já foram. Bolsonaro está mais disciplinado e evitando ataques a outras instituições; o próprio STF diminuiu o ritmo das investidas em relação às recorrentes ameaças de atingir mais centralmente Bolsonaro. Destacamos que esse tom menos beligerante entre esses setores não representa um acordo estável ou estrutural. Ao contrário, ele pode se romper frente a novos acontecimentos. No entanto é relevante que haja uma permanência importante no tempo desse acordo, que indica elementos mais fortes para que se mantenha. Medidas “laterais” continuaram, como por exemplo, o recente pedido de prisão e deportação dos EUA de Allan dos Santos, figura do setor olavista muito importante, e também a prisão de Zé Trovão, que indica que o bonapartismo institucional vai seguir buscando atacar as figuras mais radicais do bolsonarismo, em especial quem promoveu o dia 07.

No momento, não há nenhum outro evento que pareça ter força para ser mais disruptivo e “esquentar” novamente a crise política. Tão pouco o relatório final da CPI, que chegou ao seu fim, se aproxima disso, com resultados muito pequenos do ponto de vista das disputas entre as frações, e em especial do que se prometia pelos seus defensores. A esquerda, que chegou a dizer que a CPI poderia derrubar Bolsonaro, deveria dar explicações sobre esse resultado, que na prática serviu apenas para desviar para o Senado o foco da raiva popular contra o governo, em uma espera de que poderiam de fato enfrentar o governo. Na realidade, várias das figuras que o protagonizaram também foram responsáveis por inúmeros ataques aos trabalhadores, e a CPI sempre serviu para lavar as mãos de tudo o que ocorreu na pandemia. O resultado final é uma “quebra de expectativas”, que prevíamos e viemos denunciando. Ainda que não descartamos que algo possa ser usado futuramente para alguma nova disputa entre atores do regime, é um fato de que a atual correlação de forças impede que se abra qualquer dinâmica mais destituinte.

Ao mesmo tempo, estão inseridas possibilidades de mudanças abruptas na conjuntura e na situação, que podem alterar os ânimos na disputa entre as frações burguesas. O cenário da economia internacional está potencialmente carregado de crises que podem desencadear novos fenômenos importantes no país. Recentemente vimos a crise na cadeia de abastecimentos, desencadeada pelas fortes mudanças provocadas pela pandemia, além de outros sinais preocupantes para setores da burguesia brasileira, como a suspensão da exportação da carne bovina para a China, devido a dois casos isolados de contaminação, e que ainda não foi restabelecida. Mais importante ainda é não perder de vista que os efeitos da pandemia na subjetividade também têm expressão, em alguns países, na "busca por recuperar o perdido" por parte dos trabalhadores. Assim, tem muita importância a onda de greves nos EUA que ficou conhecida como "striketober" (junção das palavras "greve" e "outubro"), por melhores salários e condições de trabalho. Um sinal de pujança da classe trabalhadora no principal país imperialista do mundo, um sintoma expressivo das enfermidades capitalistas que cada vez mais vão ganhando novos contornos.

Mobilizações e processos na luta de classes

No meio de tudo isso, ainda está em curso um refluxo maior, para não dizer o fim, das mobilizações pelo Fora Bolsonaro em 2021, a menos que haja alguma mudança abrupta na situação. Isso é fruto de uma prolongada operação articulada pelas principais burocracia sindicais. A entrada da direita nos atos, na prática, não aumentou o tamanho das manifestações, pelo contrário. Desde o início criticamos a forma e o conteúdo como essas manifestações eram convocadas, sempre por fora de um plano de lutas, sem assembleias nos locais de estudo e trabalho. Tudo isso gerou uma diminuição do “ímpeto” que existia em um setor ampliado da vanguarda nacionalmente, e produziu uma correlação possível para que as centrais sindicais articulassem o cancelamento do próximo ato, que estava indicado para 15 de novembro, em apenas uma reunião de cúpula das burocracias, e talvez sequer isso ocorra.

Outros processos de luta que se desenvolviam, retrocederam, sem contar com uma política de solidariedade ativa por parte dessas grandes centrais. O acampamento indígena e uma série de lutas e greves localizadas se encerraram, que ainda que minoritários, eram importantes sinais de descontentamento. Contudo é muito importante destacar que essa definição não é unilateral. Com uma maior normalização e retomada de diferentes setores econômicos, é possível que uma insatisfação que estava “represada” pela pandemia possa ter mais vazão, e se produzam novos processos de luta.

Há em um curso uma interessante mobilização de aeronautas contra a retirada de direitos, inclusive com possibilidade de greve. Foi expressiva a votação de 95% dos trabalhadores que aprovaram iniciar a preparação da greve, sendo mais de 6 mil trabalhadores participantes. Interessante assinalar que é justamente um setor muito afetado pela pandemia, que sofreu com cortes e demissões, e que agora está disposto a lutar para não perder ainda mais direitos. Sinal importante também vem dos garis no Rio de Janeiro, uma categoria combativa e que já protagonizou muitas lutas, e que agora está novamente se mobilizando, se enfrentando com as demissões políticas de Paes e da Comlurb e com seu sindicato notoriamente pelego, que se recusa a estar presente nas manifestações ou sequer chamar assembleias. Também foi chamativa a paralisação dos agentes escolares no estado de São Paulo, que se organizaram mesmo contra a vontade de seu sindicato, em um contexto no qual o funcionalismo público vem sendo alvo preferencial de distintos governos.
Além desses, municipais de São Paulo, e os estudantes bolsistas das universidades, compõem esse quadro de potenciais conflitos que temos que seguir acompanhando com atenção. Em todos esses conflitos, viemos batalhando para que a esquerda se unifique para fortalecer as lutas, exigindo medidas de solidariedade ativa por parte das grandes direções sindicais.

Grande disputa atual entre frações burguesas: teto de gastos e auxílio Brasil

O grande debate hoje na burguesia é sobre o teto de gastos. Bolsonaro necessitava de um espaço no orçamento para poder aplicar uma política de auxílio, para tentar em alguma medida recompor uma base social, sobretudo no NE e entre as camadas mais precárias, e aumentar suas possibilidades eleitorais em um cenário já muito difícil. O cálculo foi alterado, e após muitas manobras, o teto excedeu 30 bilhões do que era previsto. O resultado expressou uma crise importante entre alas do governo, e que com certeza tem sua correspondência em frações da burguesia. Após o anúncio do auxílio, e suas implicações que teriam no teto, 4 secretários da economia se demitiram, e muito se especulou sobre a saída de Paulo Guedes, que por fim anunciou que fica, mas sofrendo um forte desgaste. Ele também anunciou que agora o mote do governo é ser “reformista e popular”, expressando o projeto de seguir com as privatizações e reformas, mas com algumas formas de assistencialismo.

Após as reações negativas no mercado financeiro, Guedes declarou suas intenções em avançar na privatização da Petrobrás, em um formato parecido com o que foi com a Eletrobrás, o que fez com que as ações da empresa subissem 7%. Parece ser um recado do governo diante do estouro do teto de gastos, ou seja, com agrados ao mercado financeiro, e que pretende seguir medidas privatizantes e de ataques. Com o aumento vertiginoso do preço dos combustíveis e gás de cozinha, o governo faz demagogia promessas de mais ataques, o que só irá piorar essa situação, que inclusive é fonte de uma crise eleitoral permanente com setores que já foram de sua base, em especial caminhoneiros.

Ao mesmo tempo, alguns setores do mercado financeiro declararam que isso pode ser “cortina de fumaça”, diante das reações negativas que houve, já que um processo desse tipo demoraria para se realizar. Importante frisar, que para além dos objetivos evidentemente eleitorais, também essa mudança de “mote” o governo é uma expressão da situação social do país, com preocupações burguesas cada vez mais elevadas com a possibilidade de revoltas sociais no marco do grande avanço da fome e da miséria. Existem alas dentro da própria burguesia que discutem uma “remodelação” ou uma “adequação” do teto de gastos, tendo em vista o cenário de “estagflação” do país, ou seja, inflação sem crescimento, combinada com essa situação nacional.

Várias alas burguesas estão reagindo fortemente contrárias ao que foi chamado de “furo no teto”. Entre os setores que encamparam essa política, estão as alas do bonapartismo institucional, também muito vocalizadas pela Globo. Querem a todo custo manter o teto, com garantia de novos ataques e privatizações. Na verdade, essas diferenças sobre o teto estão inseridas em um acordo para a manutenção da agenda dos ataques neoliberais.

No meio de toda essa contenda, foi chamativa a declaração de Lula que correu para as redes sociais para dizer que não iria criticar Bolsonaro. Isso tem sua razão, sua política principal, que já quase se transforma no principal jargão eleitoral é “incluir os pobres no orçamento”, que é exatamente o que Bolsonaro fez. Uma expressão do que pretende o PT em seu projeto de volta ao governo, uma imagem do “reformismo senil” que irá ter que lidar com um país envolto em uma enorme crise, e com um cenário internacional bem distantes daqueles dos primeiro anos do PT no governo, em um eventual novo governo.

Impacto do novo programa

Enquanto o bolsa família tinha em média um valor de 189 reais, esse programa terá temporariamente o valor de 400 reais, sendo que 100 reais serão temporários, apenas para o ano de 2022, uma medida evidentemente eleitoral. A ampliação de sua abrangência passará de 14 milhões para 17 milhões. Quase metade dele será destinado ao nordeste, não à toa, região com as menores taxas de aprovação e maiores de rejeição do governo, e também importante base eleitoral de Lula. O quanto ele poderá se reverter em maior intenção de votos ao governo é algo que se está por ver, sendo difícil que se repita exatamente o efeito gerado quando houve a implementação do primeiro auxílio. Agora, além do valor inferior, a inflação acumulada de um período para outro é grande, se tomada sobre os alimentos, muito maior que os índices oficiais que giram em torno de 10%. Contudo, diante da situação da escalada de miséria e fome no país, da escalada inflacionária, também está inscrito nas possibilidades que o auxílio possa ter efeitos importantes, com algum rebote na popularidade de Bolsonaro, sendo desdobramentos que devemos seguir acompanhando e analisando com atenção.

Terceira via, maiores definições e muitas incertezas

O conjunto do que descrevemos, se insere em uma conjuntura onde cada vez mais começa a aparecer contornos eleitorais. Essa tendência vai se tornar muito mais forte em 2022, mas teve início uma definição mais clara das candidaturas de vários setores, e muita exposição dos debates na mídia.

Moro irá se filiar ao Podemos, inclusive está lançando um livro como uma forma de iniciar sua campanha. Pacheco anunciou sua saída do DEM para o PSD, e Kassab e Paes já disseram publicamente que ele será o presidenciável do partido. Muito se especulava se o PSD poderia compor uma chapa com o PT, o que ainda não é descartado, mas essa movimentação parece indicar que o PSD pode querer uma candidatura para não se comprometer no primeiro turno, e ter uma flexibilidade maior em alianças locais. Datena segue como o candidato do novo partido que sairá da fusão DEM-PSL e Ciro já era uma figura certa há tempos.

O PSDB está em uma crise permanente, agora em disputas internas para presidentes, com a disputa Doria e Leite, o resultado sairá em novembro. Importante salientar a cobertura que em especial a Globo está fazendo das internas, dando grande destaque em sua cobertura. Mesmo com o apoio desses grandes veículos de imprensa, as internas do PSDB seguem expressando uma grande crise, com distintas alas se enfrentando publicamente. Nem mesmo a declaração de Fernando Henrique em apoio a Doria foi capaz de unificar as alas do partido.
Uma avaliação política de potencialidade e limites de cada candidatura da chamada “terceira via” ainda é muito cedo para ser feita. Com exceção de Pacheco, que ao que parece, parece ser parte de um plano de “neutralidade” do PSD no primeiro turno, todos os outros têm projetos próprios, ao que tudo indica, se manterão na disputa, pelo menos até às vésperas da formalização dos candidatos. Até lá, a burguesia irá promover vários “balões de ensaio” para ir testando na opinião pública algum nome que ganhe mais entrada entre os eleitores, e a partir disso pode se unificar em torno de um nome. A crise da “terceira via” se mantém, e mesmo com toda a retórica burguesa da necessidade de uma candidatura unificada, o que já se expressa são contradições que dificultam muito um projeto desse tipo.

Qual política a esquerda deveria impulsionar?

Os momentos de maior e menor intensidade nas disputas intra-burguesas tem como bússola continuar atacando, privatizando e impondo situações cada vez mais exasperantes para as massas. Quanto mais passividade há na luta de classes, mais a burguesia se sente à vontade para impor seus ritmos e planos de ataques. Por isso, cada luta que fica isolada, e cada negativa em impulsionar a mobilização são também fatores concretos que influenciam para que a conjuntura siga reacionária.

A política das grandes centrais sindicais, em especial do PT e da CUT, está muito clara. A mobilização e a luta atrapalham seus planos porque seu objetivo central é eleitoral e não de fazer um enfrentamento contra Bolsonaro e os ataques. Agora até mesmo as manifestações, que em seu conteúdo eram bastante controladas por essas direções, foram canceladas para que a situação se mantenha morna, e a conjuntura se transforme cada vez permeada pelos debates eleitorais.

Por isso, a esquerda não pode ficar refém da política do PT, e tão pouco se manter em silêncio diante da traição das centrais. Não basta dizer que o PT tem um projeto de conciliação de classes, esquecendo-se que para viabilizar seus planos ele está contendo qualquer possibilidade de desenvolvimento de processos de luta mais abertos.

Todas as organizações de esquerda que não compactuam com isso, deveriam exigir de maneira unificada a manutenção dos atos, impulsionando a auto-organização em cada local de trabalho e estudo, em especial nos DCE´s e CA´s, sindicatos, oposições, onde fazem partes das diretorias. Tudo isso deveria ser orientado a partir de um plano de lutas concreto, com um programa que responda aos graves problemas do país, a começar pela demanda de reajuste dos salários de acordo com a inflação e emprego com direito para todos. Articulado com isso é fundamental cercar de solidariedade cada processo de luta que se desenvolva, e inclusive estando muito atento para aqueles que já estão dando indicativos que podem ocorrer.

É nessa perspectiva que nós do MRT, participamos da plenária de lançamento do Polo Socialista e Revolucionário, que foi proposto pelo PSTU e setores de ativistas. Consideramos que esse é o papel principal que o Polo poderia se propor, se conectado umbilicalmente a luta de classes, sem nenhuma adaptação às burocracias.

Ao mesmo tempo que queremos impulsionar essas medidas em comum, colocamos em debate a necessidade urgente da esquerda levantar um programa político que não se adapte a esse regime político, econômico e social, carregado de ataques e privatizações. É fundamental a perspectiva da luta pelo Fora Bolsonaro e Mourão, de maneira combinada com o programa de uma Assembleia Constituinte livre e soberana, que se enfrente com os pilares do atual regime, através da mobilização independente da classe trabalhadora em alianças com todos os oprimidos.

 
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