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USP
Eleições para Reitoria da USP: porque essas eleições são uma farsa?
Adriano Favarin
Membro do Conselho Diretor de Base do Sintusp

Se inicia o processo de substituição da cadeira de Reitor de uma das maiores Universidades da América Latina, a USP. Uma das maiores e mais anti-democráticas e autoritárias em relação à sua estrutura de poder. A “eleição” (que na verdade é mais uma indicação) ocorrerá no dia 25 de novembro precedida de uma “consulta” à comunidade universitária no dia 18 de novembro

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A escolha para o maior cargo da Universidade de São Paulo se dá de maneira totalmente antidemocrática e indireta. Dizemos isso porque nem mesmo a comunidade universitária participa efetivamente desse processo e no final quem decide quem será o próximo Reitor é o Governador do Estado de São Paulo. Oras, mas se é um cargo que no final das contas vai ser subordinado e indicado pelo João Dória (PSDB), porque tanto auê em torno dessas eleições?

É que a indicação do Governador não é totalmente ao léu. Ela é baseada normalmente em uma lista de três nomes ordenada e decidida por um um restrito setor da comunidade acadêmica. Ou seja, esse setor ínfimo- que explicaremos mais abaixo quem são - vota nas chapas que se candidatam ao cargo, e a lista é enviada ao Governador pela ordem do mais votado. A questão é que o Governador não tem a mínima obrigação de seguir a ordem e pode indicar qualquer um que esteja na lista tríplice, normalmente aquele que é mais alinhado com os projetos privatista e elitista de universidade do governo do estado de São Paulo. Em 2010, por exemplo, o Governador José Serra (PSDB) escolheu o segundo colocado da lista, contrariando inclusive esse ínfimo setor da comunidade acadêmica.

Mas afinal, quem é esse restrito setor? Quem vota para Reitor da USP é a autointitulada “Assembleia Universitária”, que de assembleia não tem nada, é o somatório dos membros dos principais órgãos colegiados da Universidade (o Conselho Universitário, os Conselhos Centrais e as Congregações das Unidades), o que representa mais ou menos 2 mil pessoas em um universo de pelo menos 120 mil pessoas que compõem a comunidade universitária.

Mas essas pessoas não são quaisquer pessoas. Esses órgãos são compostos por 10% de estudantes (mesmo sendo a ampla maioria na universidade) , 5% de funcionários (mesmo sendo o triplo do numero de professores na universidade) e 85% de professores (número tão antidemocrático, que desrespeita inclusive as já antidemocráticas Leis de Diretrizes de Base, que preveem no máximo 70% de representação docente nesses órgãos). Ou seja, é uma engrenagem que do começo ao fim é totalmente antidemocrática e utilizada como a forma de garantir que a universidade continue sendo extremamente elitista, excluindo os filhos da classe trabalhadora e colocando seu conhecimento a serviço dos interesses da classe dominante. É essa mesma estrutura de poder antidemocrática que assegura à reitoria e à burocracia da universidade as condições de impor um projeto de desmonte da universidade pública e atacar as condições de vida e de trabalho dos trabalhadores efetivos e terceirizados e inclusive dos professores e as condições de ensino, pesquisa e permanência dos estudantes além de ser utilizada para perseguir politicamente os ativistas que se oponham a este projeto. Os poucos estudantes e funcionários, pelo menos, são eleitos pelos seus pares, ou seja, possuem de fato uma representatividade, já os professores…

A representatividade das Congregações varia de acordo com o Regimento de cada Unidade, mas são compostas por todos os professores titulares da Unidade, 50% desse número dos professores associados, 30% desse número dos professores doutores, 1 professor assistente e 1 professor auxiliar de ensino. Ou seja, em uma hipotética Unidade de Ensino com 10 professores titulares, teríamos a seguinte representação na Congregação, independentemente do número de funcionários ou de estudantes da Unidade:

10 titulares

5 associados

3 professores doutores

1 assistente

1 auxiliar de ensino

1 estudante de pós-graduação

1 estudante de graduação

1 funcionário

Já a representatividade no Conselho Universitário é ainda mais excludente. São membros todos os Diretores de Unidade (que são professores titulares, a ínfima minoria entre os professores da universidade) e um representante titular de cada Congregação, a absurdamente antidemocrática composição exata pode ser vista nesse link (http://www.leginf.usp.br/?resolucao=consolidada-resolucao-no-3461-de-7-de-outubro-de-1988#a15).

Por fim que, para ser Diretor de Unidade, é obrigatório ser professor titular ou associado nível 3 e para ser Reitor é obrigatório ser professor titular. Ou seja, já está evidente que quem comanda a Universidade de São Paulo são os Professores Titulares. De acordo com informações da própria Secretaria Geral, a USP tinha em 2014 uma média de 20,4% de professores titulares em relação aos demais. De acordo com o anuário estatístico de 2020, a USP tinha 5.355 professores. O que significa 1.092 professores titulares.

Em resumo, em um universo de 97.325 estudantes, 13.368 funcionários efetivos, 5.383 professores e dezenas de milhares de funcionários terceirizados que sequer são contabilizados nos anuários estatísticos da USP, uma casta de mil docentes titulares, que não foram eleitos por ninguém, comandam há anos a Universidade de São Paulo e decidem os rumos do conhecimento que é ensinado e produzido dentro da USP à serviço dos seus interesses particulares, das suas relações empresariais e dos seus negócios privados, de costas para o conjunto da comunidade acadêmica, e nem falar para os interesses sociais e do conjunto da população que financia as universidades públicas com seus impostos.

A título de curiosidade, a abertura de vagas para concorrência à titularidade docente é decidida pelo Reitor e pelo Conselho Universitário. O julgamento do concurso público ao qual os candidatos se submetem é feito por uma banca de cinco professores titulares da Unidade. Ou seja, são os próprios e atuais professores titulares que decidem sobre a concessão, a avaliação e a incorporação de novos docentes nessa restrita casta burocrática, que comanda a Universidade, sem ser eleita por ninguém.

Mas essa casta que são a maioria dos membros da Assembleia Universitária que propõe a lista tríplice ao Governador do Estado - consegue ser ainda mais restrita quando o assunto é diretamente administrar o cargo máximo dessa Cidade Universitária, que somente em 2021 terá um orçamento de R$5,81 bilhões, equivalente ou maior do que ⅓ do PIB de Estados como Acre, Roraima e Amapá. Nesse caso podemos tratar esse setor diretamente como uma casta de privilegiados.

Nos últimos 30 anos o número máximo de Reitores, Pró-Reitores, Secretário Geral e Chefes de Gabinete que passaram pela administração da Universidade não chega a 50 nomes. Somente nas últimas três eleições e gestões da Reitoria é possível ver como funciona essa dinâmica.

Disputando a atual eleição para Reitoria (que terá mandato de 2022 a 2026) temos, de um lado, a chapa formada pelo atual vice-Reitor (Antônio Carlos Hernandes) e pela atual Pró-Reitora de Cultura e Extensão Universitária (Maria Aparecida) da gestão do atual reitor Vahan, do outro, a chapa formada pelo atual Pró-Reitor de Pós-Graduação (Carlos Gilberto Carlotti) da gestão Vahan e pela ex-Pró-Reitora de Cultura e Extensão Universitária da gestão Zago (Maria Arminda)… ou seja, são parte de uma forma ou de outra do mesmo projeto de universidade elitista e privatista que Vahan Agopyan e Doria vieram implementando nos últimos anos ou em linguagem popular: “tudo farinha do mesmo saco”.

Isso sem falar que o atual Reitor (Vahan) era o anterior vice-Reitor da gestão Zago, e o atual vice-Reitor (Hernandez), candidato a Reitor, também já havia sido Pró-Reitor de Graduação na gestão Zago. Sem falar que o próprio Zago foi Pró-Reitor de Pesquisa na gestão do Rodas...

É nesses marcos que essa mesma burocracia acadêmica instituiu a partir de 2013 uma “consulta acadêmica”, como consequência de uma forte greve estudantil com ocupação do prédio da Administração Central exigindo eleições diretas para Reitor. Vale lembrar que de acordo com a própria reitoria essa “consulta acadêmica” tem um caráter apenas simbólico, não deliberativo ou seja, não tem influência nenhuma na votação da assembleia universitária, mas simplesmente tenta mascarar todo o autoritarismo da eleição para Reitor com essa suposta ilusão democrática. Mas nem nessa encenação demagógica pra inocente ver a burocracia acadêmica consegue ser democrática, pois o voto dos pouco mais de 5 mil professores tem um “peso” de 70%, enquanto o voto dos 95 mil estudantes tem um “peso” de 15% no resultado da consulta final! É brincadeira!!

Diante disso, é mais do que necessário que o conjunto da comunidade acadêmica boicote esse consulta fajuta, chamando os representantes dos trabalhadores, estudantes e de professores que não aceitem esse processo antidemocrático a anularem seus votos como forma de protesto a essa estrutura de poder da universidade onde uma minoria de professores titulares decidem o futuro da maioria da comunidade universitária. É necessário que a vanguarda dos estudantes, trabalhadores e professores, encabeçados pelo SINTUSP, ADUSP e DCE, junto dos Centros Acadêmicos organize a comunidade acadêmica para impor com nossa luta e nossa organização uma Estatuinte livre, soberana e democrática em que seja o conjunto da comunidade universitária a decidir os rumos da universidade.

Para isso é necessário uma forte organização das categorias ligado com um programa que permita questionar o conjunto da estrutura de poder da Universidade. Isso começa com o movimento estudantil, de trabalhadores e docentes não adaptando a essa estrutura de poder e a se resignar a escolher um suposto “mal menor” entre as candidaturas que disputam a Reitoria da USP, menos ainda dar algum crédito para essa farsa que é a “consulta acadêmica”, mas sim denunciar essa hipocrisia que a burocracia acadêmica tenta vender para “pagar” de democrática.

 
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