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Federações partidárias
Reforma eleitoral: muitos balões de ensaio e uma única boia salva-vidas
Yuri Capadócia

Voto impresso, distritão, semipresidencialismo, coligações… a "megarreforma" eleitoral especulada acabou desinflada até o patamar de uma boia salva vida para os pequenos partidos, com a aprovação da lei das federações partidárias. Analisamos aqui as novidades para as eleições de 2022 e os projetos derrotados, mas que ainda podem ter sobrevida para o futuro.

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A boia salva-vidas para os partidos em naufrágio

Das muitas mudanças megalomaníacas em discussão, no fim das contas, restou, como destaque, um aceno aos partidos pequenos com a aprovação das federações e o peso em dobro para o voto de mulheres e negros, em relação a distribuição de recursos do fundo eleitoral. Uma medida mínima para aumentar a representatividade num congresso majoritariamente masculino e branco, mas que não significará nos partidos tradicionais um amplo incentivo a candidatura de mulheres e negros, menos ainda uma medida efetiva para combater o racismo e o machismo.

Na semana passada, o governo Bolsonaro foi obrigado a sancionar a lei que criou as federações partidárias, depois que o Congresso derrubou o veto do presidente. A nova lei vem para socorrer os partidos menores que estariam sob risco de extinção devido a ameaça da cláusula de barreira, que busca restringir progressivamente o número de partidos do regime político brasileiro.

Com o novo mecanismo, partidos poderão se unir através das federações para enfrentar as exigências da cláusula de desempenho, que condiciona o acesso ao fundo partidário e eleitoral, além do tempo de TV e rádio, segundo o desempenho dos partidos, sendo necessário, no atual estágio, ultrapassar o equivalente a 2% dos votos válidos para deputado federal.

Uma cláusula arbitrária que ameaça diretamente 16 dos 33 partidos do sistema político brasileiro, levando em conta os resultados da última eleição. Diante do tamanho dessa ameaça, entende-se a unidade no Congresso para aprovar essa medida em socorro aos pequenos partidos, na Câmara 353 deputados votaram pela derrubada do veto de Bolsonaro.

Antes das federações, muitos partidos buscavam formas de ultrapassar a cláusula de barreira, cogitando fusões entre si. As federações funcionam como uma mediação desse caminho, pois permite que os partidos fundam seus resultados eleitorais, ao mesmo tempo que preservarão sua identidade. Porém, uma vez estabelecida a federação, os partidos terão obrigações práticas de atuar como um só. Essa é a diferença entre a novidade das federações e as antigas coligações, que desde 2017 foram proibidas. Enquanto as coligações eram alianças pontuais que mudavam de estado para estado e se extinguiam após as eleições, as federações unem os partidos nacionalmente, obrigam a permanência da aliança por no mínimo 4 anos e demandam uma convergência programática maior.

Um dos grandes articuladores desse mecanismo foi o PCdoB, que estava sob forte risco de não ultrapassar os 2% de votos necessários e ficar sem recursos. Crise que se expressou, por exemplo, na saída do único governador do partido, Flavio Dino (MA), que foi para o PSB. O partido vinha inclusive discutindo sua fusão com o PSB, o que não avançou, mas pela via da federação a união pode ganhar novo fôlego, inclusive abrangendo na discussão outros partidos, como PSOL, PDT, Rede e Cidadania - todos em dificuldade com a cláusula de barreira. O PV e o Cidadania anunciaram que já estão em discussão para a criação de uma federação entre eles.

Publicamente, o discurso do PSOL, que acaba de sair de seu congresso, é dizer que está otimista com as chances do partido ultrapassar a cláusula de barreira, sendo que o partido obteve na última eleição uma porcentagem de 2,18% dos votos. Porém, a saída de nomes de visibilidade, como Jean Willys para o PT e principalmente Marcelo Freixo para o PSB, sem contar as mais recentes figuras como Wesley Teixeira e Douglas Belchior, comprometem essa perspectiva. Além disso, essas saídas expõe a crise de projeto do PSOL, em que Freixo e Willys saíram para aderir sem timidez a unidade ampla em torno do projeto lulista. Linha que o PSOL votou e aprovou em seu Congresso, derrotando a proposta da candidatura de Glauber Braga que queria outro candidato, ainda que se mantendo programaticamente unificada com o conjunto do PSOL, mostrando que o partido se distancia de um programa classista e de independência de classe em prol da unidade com partidos burgueses, como já havia feita na candidatura de Boulos à prefeitura de São Paulo.

Agora com as federações, e pelo que indica a política majoritária, é possível uma federação com o PT? Esses são elementos para analisarmos, uma vez que uma unidade tão orgânica assim com o PT, ainda mais em um novo governo Lula, pode gerar muitas crises para o PSOL. Também é preciso assinalar que em outras legendas como PCB, UP, PSTU e PCO, sem deputados eleitos irão receber apenas recurso do fundo eleitoral, perdendo aqueles que eram destinados ao fundo partidário, questão que já ocorre em função da cláusula de barreira.

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Os balões de ensaio que murcharam pelo caminho

Os balões de ensaio para a reforma eleitoral foram muitos, porém o contexto de enorme crise política prejudicou qualquer ambição burguesa de deteriorar ainda mais o regime político do pós-golpe. Para que qualquer mudança eleitoral começasse a valer nas eleições de 2022, havia a condição de que fosse sancionada 1 ano antes das eleições futuras, ou seja, até o último dia 02 de outubro.

Houve intentos nesse sentido, como o retrocesso do voto impresso, um balão de ensaio particular do bolsonarismo que serviu - e servirá - para Bolsonaro colocar as eleições sob suspeitas. Surpreendentemente, o projeto bolsonarista conquistou ainda maioria simples em votação no plenário da Câmara, porém insuficiente para ser aprovado, mas o que demonstrou uma força relativa de Bolsonaro em um momento de isolamento.

Além do ataque bolsonarista, outras duas medidas pretendidas pela burguesa não vingaram: o semipresidencialismo e o distritão. O primeiro, a troca do atual sistema presidencialista para um parlamentarista, se trata de um desejo antigo da burguesia que já foi derrotado em 2 plebiscitos. Ainda assim, Arthur Lira (PP-AL) quer tentar, com essa mediação, aproveitar para canalizar o atual momento de fortalecimento da cadeira de presidente da Câmara - ancorado no também fortalecido Centrão - para arrancar mais poderes. Estadão, Gilmar Mendes e Michel Temer são alguns dos notórios - ou melhor famigerados- defensores do projeto, que se não vingou para 2022, pode ainda seguir com vistas a 2026.

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O segundo, o distritão, foi retirado da reforma após uma derrota acachapante de 423 a 35 votos. Tratava-se de uma medida que privilegiaria os grandes caciques, elegendo apenas o candidato vitorioso de forma majoritária em cada distrito. Além disso, os próprios distritos poderiam ser manipulados para favorecer redutos eleitorais.

Outra medida derrotada foram as coligações nos pleitos para cargos proporcionais, proibidas desde 2017, mas que haviam sido resgatadas na Câmara, como moeda de troca para barrar o distritão, e foram vetadas no Senado.

As tendências eleitorais num regime autoritário

A crise orgânica, que eclodiu com as jornadas massivas de Junho de 2013, teve na crise de representatividade, na cisão entre eleitores e seus representantes tradicionais, um de seus traços mais evidentes. A ruptura da hegemonia petista, tampouco foi capitalizada pela direita tucana, os dois pólos que rivalizavam desde o início da República Nova. Contra essa crise de representatividade, desde o início a saída através de uma reforma eleitoral foi aventada, proposta em primeiro lugar por Dilma Rousseff, culminando nas mudanças sancionadas pela presidenta em 2015 em acordo com Gilmar Mendes, presidente do TSE na época, e FHC.

De lá para cá, o regime aprovou outras reformas eleitorais, todas no sentido de restringir ainda mais o sistema político brasileiro objetivando um afunilamento dos partidos e a exclusão completa da esquerda socialista. O principal mecanismo nesse sentido foi a implementação da arbitrária cláusula de barreira.

Porém, ao invés do regime solucionar a crise de representatividade, só produziu seu desenvolvimento. O ativismo judiciário, em base ao discurso anticorrupção da Lava Jato, buscou rifar o PT como pilar do regime de 88. Para isso, avalizou o golpe institucional, prendeu e proscreveu a candidatura de Lula em 2018, manipulando as eleições e beneficiando o herdeiro ilegítimo do golpe Jair Bolsonaro, que se elegeu usando uma inverossímil retórica anti-sistema. Concomitante, ao fortalecimento do Judiciário e ao aparecimento do bolsonarismo, os militares tornaram-se outro ator sem voto atuante no regime político.

Ou seja, o movimento de fortalecimento dos poderes sem voto do regime, foi acompanhado de mudanças nas regras eleitorais com vistas a restringir e cercear ainda mais o sistema político. A crise do sufrágio universal é uma das características do regime que emergiu a partir do golpe institucional, com um governo ilegítimo sucedido por outro governo fruto de eleições manipuladas. Uma crise que é a transposição para o sistema político da implementação da agenda neoliberal de reformas anti operárias e antipopulares.

Tudo isso mostra que a crise orgânica ainda não se fechou. De um lado, a extrema direita conseguiu emergir apresentando seu programa ultra reacionário, como uma alternativa viável para a burguesia de aplicação das reformas através do porrete. Por outro lado, grande parte da esquerda socialista prefere rebaixar seu programa se colando ao PT em prol da repetição da estratégia de conciliação, do que batalhar de forma independente pela hegemonia entre os trabalhadores apresentando um programa classista que dê saídas para a crise generalizada que vivemos.

 
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