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Ásia
Evergrande na China: crise séria, mas dificilmente um "Lehman Brothers" asiático
André Barbieri
São Paulo | @AcierAndy

A crise não é apenas uma “oportunidade de regulação do setor”, como quer transmitir determinada opinião interessada, aparelhada com a propaganda da burocracia chinesa. Entretanto, é cedo demais para anunciar uma versão chinesa do Lehman Brothers, já que dificilmente o governo chinês aguardaria a crise alcançar esse patamar.

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A crise da empresa de desenvolvimento imobiliário Evergrande, a segunda maior do ramo na China, chacoalhou o mercado financeiro global. A empresa, cujo passivo é estimado US$ 355 bilhões (R$ 1,89 trilhão), informou a credores que não conseguirá cumprir os pagamentos de juros da dívida com vencimento nesta segunda-feira.

No Brasil, o Ibovespa recuou 2,33% e fechou com 108.843 pontos. Nos Estados Unidos, Dow Jones, S&P 500 e Nasdaq caíram 1,78%, 1,70% e 2,19%, respectivamente. Na Europa, o índice Euro Stoxx 50 (zona do euro) retrocedeu 2,11%. Também caíram as Bolsas de Londres (-0,86%), Paris (-1,74%) e Frankfurt (-2,31%).

A magnitude da empresa, o volume da dívida e a atitude de espera do governo chinês foram suficientes para gerar noções atabalhoadas como a de um “Lehman Brothers” chinês. Em setembro de 2008, o banco americano Lehman Brothers quebrou ao reconhecer a insolvência de créditos imobiliários, sem receber socorro do Federal Reserve (o banco central dos EUA), o que provocou um efeito dominó de perdas em instituições financeiras pelo mundo afora.

A crise não é apenas uma “oportunidade de regulação do setor”, como quer transmitir determinada opinião interessada, aparelhada com a propaganda da burocracia chinesa. Entretanto, é cedo demais para anunciar uma versão chinesa do Lehman Brothers, já que dificilmente o governo chinês aguardaria a crise alcançar esse patamar.

A crise da Evergrande é o eco explosivo de uma bolha imobiliária que não poderia se sustentar por muito tempo na China. Uma porção considerável do crescimento econômico chinês nos últimos anos se deu com investimento, público e privado, no setor imobiliário, na medida em que a decadência dos benefícios sociais, como moradia subsidiada pelo Estado, durante a era Mao, tiveram de dar lugar a novas formas para responder às necessidades populacionais. A taxa de urbanização chinesa alçou-se de maneira ininterrupta desde a década de 1990. De um lado, as sucessivas ondas de trabalhadores migrantes oriundos do campo preenchiam as cidades industriais; de outro, mais recentemente, a partir de meados da década de 2000, a nova classe média emergente nas grandes cidades também impôs exigências à planificação urbana.

A construção de casas, edifícios e conjuntos habitacionais fabris exerceu um boom no setor imobiliário e da construção civil, que passou a responder um componente substancial do PIB chinês (hoje alcança 29% do PIB). A própria Evergrande, que tem como donos Xu Jiayin, fundador da empresa, e Jack Ma, da gigante Alibaba e alvo do disciplinamento governamental nas big techs, tem 778 projetos em andamento em 223 cidades. Esse volume de negócios é uma radiografia do padrão de crescimento econômico da China no período recente, e um eventual default da empresa implicaria a quebra de diversas outras empresas ligadas ao ramo imobiliário no país.

Como o setor imobiliário é movido, entre outras coisas, por certas commodities como o minério de ferro, a crise instaurada nesse ramo produtivo afeta diretamente países como o Brasil, que com empresas como a Vale é exportador dessa matéria-prima para a China.

Assim, não se trata de um “detalhe passageiro”. E o governo busca diminuir os encargos estatais no financiamento, e por vezes salvamento, de determinadas empresas utilizando dinheiro público, num momento em que trata de conter os efeitos da enorme desigualdade na China, com dezenas de milhões de desempregados de um lado, e uma porção de bilionários que supera em números absolutos os bilionários dos Estados Unidos.

Ademais, uma grande parte das greves operárias na China se concentra no setor da construção civil, segundo o China Labour Bulletin. A província de Henan superou a província de Guangdong (onde fica a sede da Evergrande) em número de greves em 2021, carregadas justamente pela construção civil, em que os trabalhadores não recebem salários, ou os têm atrasados ou em parcelas menores do que a estipulada, com inúmeras fraudes contratuais. A alergia do governo a greves operárias aumenta a preocupação com os possíveis efeitos de uma bancarrota imobiliária.

Intelectuais como Elias Jabbour diminuem artificialmente a preocupação econômica que os problemas da Evergrande causam à burocracia de Xi Jinping, confundindo esse fator real com o evidente interesse do governo em regular certos monopólios na China para melhor garantir os negócios do capitalismo chinês, reduzindo a possibilidade de explosões sociais fruto da desigualdade.

Por outro lado, é difícil que o governo chinês permita uma “quebradeira” generalizada de pequenas e médias empresas dependentes do setor imobiliário, apenas para “dar uma lição” na Evergrande. A postura expectativa da burocracia de Pequim tende a mudar caso o cenário se ensombreça. O certo que Xi, num momento de disputas internacionais acaloradas com Washington – que acaba de cerrar o acordo de submarinos nucleares com a Austrália e o Reino Unido, chamado AUKUS – não pode admitir solavancos econômicos grandes na economia. Sendo responsável por quase 1/3 do PIB chinês, o setor imobiliário, e se necessário a própria Evergrande, receberá ajuda. Na China, também, há empresas capitalistas “grandes demais para falir”.

Assim, Pequim está engajada em um exercício altamente delicado. O governo, que controla o setor bancário, precisa infligir dor suficiente na Evergrande para mostrar que "está falando sério” sobre a necessidade do ramo imobiliário reduzir seus níveis de endividamento e cessar sua dependência do financiamento estatal. Xi não quer gastar dinheiro salvando empresas; quer capitalistas robustos que garantam seus próprios lucros, e se disciplinem ao Partido Comunista Chinês. Mas não pode se dar ao luxo de ir longe demais. A lição não pode tornar um setor estratégico da economia em um fantasma moribundo.

Nem tudo está sob controle da burocracia de Pequim, e crises vão surgir que escapem dos planos de Xi. Veremos como lidará com essa nova.

 
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