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O que pensa a mídia burguesa?
A ânsia da grande mídia por estabilidade e uma terceira via alinhada ao imperialista Biden
João Salles
Estudante de História da Universidade de São Paulo - USP

A tônica dos editoriais de parte da mídia burguesa neste final de semana foi de duras críticas a Bolsonaro, na sucessão de fatos do “Brasil pós 7 de Setembro”. Entre os diversos temas debatidos, da condução do desastre econômico à crise política institucional - passando pelas prioridades da agenda no congresso, se manteve a prioridade de alavancar uma alternativa de “terceira via” enquanto buscam recompor a legitimidade de um regime político apodrecido e degradado.

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Imagens: Reprodução

Após um recuo, há de se ver o quão sustentado, em sua retórica golpista, Bolsonaro expôs o governo a uma situação de maior debilidade no cenário político nacional. A resposta advinda da oposição institucional ao governo, marcadamente o STF enquanto alvo principal dos ataques desferidos pelo bolsonarismo, foi dura e direta. Os atos do 7 de Setembro e também o lock-out patronal de caminhoneiros geraram um caos momentâneo e temerário, mas o recuo em sua nota à nação, costurada com o golpista Temer, parecem ter rifado setores mais fanáticos de sua base social mais dura com notas de humilhação. A desmoralização foi notória e, apesar de não expressar uma ruptura destes com o governo, impõe maiores dificuldades para eventuais aventuras golpistas do atual presidente.

Veja também: O Brasil depois do 7 de Setembro

As conclusões de primeira instância, por assim dizer, em parte da burguesia e seus veículos de imprensa, foi de pintar um cenário de descrença com as capacidades do atual governo em atender aos interesses do mercado financeiro e dos investidores estrangeiros. A ideia de que a constante desestabilização política provocada pelo bolsonarismo é combustível para o rumo recessivo da economia, e sua subordinação aos interesses do Centrão para destravar o “Plano Guedes” de reformas e privatizações fazem com que as preocupações já estejam voltadas a como resolver o problema do “custo Bolsonaro”. O crápula de extrema-direita e seu clã familiar, ainda que sigam sustentados no governo pelo regime político e os fatores reais de poder, se encontram isolados e com uma oposição decidida de cada vez mais e maiores setores dos capitalistas daqui e de fora, longe de serem capazes de estabelecer uma nova hegemonia.

O Globo e sua preocupação em manter a herança do golpe institucional

Com o título “Brasil precisa manter sua confiança nas instituições", o grupo da família Marinho veiculou uma ideia central do capital financeiro sobre a política no país. O editorial trata de desmoralizar Bolsonaro por seu recuo, mas também faz questão de ressaltar que este movimento de “morde e assopra” do governo nas tensões e disputas políticas com outras instituições também não seria novidade. Apontam que “o melhor remédio” para a crise atual passa pelas eleições do ano que vem, onde a derrota do bolsonarismo nas urnas - de preferência pela candidatura da “terceira via" - cumpriria o papel de restabelecer uma suposta legitimidade do regime político golpista.

Ainda que não deixem de tecer comentários demagógicos e hipócritas em relação ao impeachment. Tendo voltado ao radar da política nacional, inclusive sendo articulado na resposta do STF que convocou o Congresso e Lira diretamente na questão, vemos uma crescente da mídia e de setores da oposição de direita neoliberal ao governo alentarem o impedimento do presidente como um possível “mal necessário” caso escalem as intentonas golpistas de Bolsonaro. Fazem questão de discorrer como é um processo que gera “traumas” e deslegitimidade do regime político vigente, coisa que não gostariam amplos setores dos capitalistas e o imperialismo de Biden, mas que seria “descuido” descartar essa possibilidade.

Citam os atos de domingo (12/08), convocados por essa oposição neoliberal, como expressão desse “movimento crescente”, que acabaram sendo um completo fracasso. Fazem isso justamente para acelerar o desgaste do governo, que já não vem bem das pernas nas últimas pesquisas de opinião, buscando emplacar uma candidatura mais “puro-sangue” do projeto imperialista democrata para o Brasil - tal qual seria João Doria do PSDB, por exemplo. Ainda terminam reforçando a ideia de que as crises seguirão, e de que devemos confiar nas instituições do regime como freio para a extrema-direita.

Expressando todo cinismo e hipocrisia deste setor da direita, fazem questão de “esquecer” que eles mesmos foram os principais protagonistas para que Bolsonaro chegasse onde está, com o golpe institucional de 2016 e a manipulação das eleições de 2018. Temem hoje que a agressividade retórica de Bolsonaro em avançar sobre as poucas conquistas que ainda restam do pacto social do regime de 88 coloque em risco a obra do golpe institucional, com revoltas generalizadas inspiradas na força dos indígenas que estão em Brasília em uma luta histórica pelos seus direitos.

Folha de SP aconselha e protege Guedes, também comentam sobre o 11 de Setembro

Além dos editoriais deste final de semana, sendo um deles destinado a um “balanço” da empreitada imperialista dos EUA no Afeganistão a luz dos atentados do 11 de Setembro, foi expressivo o espaço dado durante a semana passada para cobrir e noticiar as movimentações da oposição neoliberal de direita ao governo e seus atos no último domingo (12/08).

No artigo “Mais que barulho” centraram fogo em ligar a retórica golpista de Bolsonaro com o aumento nos índices de inflação e desemprego. Seguindo a linha editorial das últimas publicações, o artigo é aberto com uma crítica direta ao “ataque na agenda populista” do governo, isto é, sua proposta do Auxílio Brasil buscando recompor uma base social maior entre os setores mais pauperizados, tendo em vista minimamente frear a queda sustentada nos índices de aprovação do governo.

Ao resgatar a projeção do PIB em apenas 2%; o acúmulo da inflação dos últimos 12 meses em 9,68%; o desemprego em 14%; e as taxas de juros podendo chegar a 10%, o cenário é de crise com a possibilidade de se desenvolver em um cenário recessivo para o ano que vem. Precisamos enxergar o que representam esses números e porcentagens para além da letra fria da Folha de São Paulo, estamos falando de milhões de desempregados, uma alta de preços generalizada e um arrocho salarial brutal, a insegurança dos investimentos capitalistas é latente e a deterioração das expectativas com a recuperação econômica tenta criar uma espécie de “bode expiatório” da crise em Bolsonaro.

A mídia mantém um tom de crítica a aspectos de “confusão” na gestão econômica de Paulo Guedes. Tratam separadamente da aprovação do novo Imposto de Renda que passou longe dos interesses do capital financeiro, da possibilidade de parcelamento dos precatórios e dos projetos “de má qualidade” nas privatizações, tendo a Eletrobrás como exemplo. Mas inserem essas questões no marco da perene desestabilização política, fruto da retórica golpista de Bolsonaro, e fazem questão de destacar que a equipe econômica se vê obrigada a atuar em chave da “contenção de danos” e têm pouca liberdade para avançar em seu projeto.

Fechando com a recente declaração de Guedes, de que o “barulho” produzido por Bolsonaro pode atrapalhar a recuperação econômica, parecem indicar o seguinte: Guedes hoje é incapaz de entregar aos capitalistas o esperado nos ajustes neoliberais, mas atribuem os problemas da política econômica, apesar da “desorientação” que possa haver do mesmo, as dificuldades geradas por Bolsonaro. Queriam um Guedes e todo seu projeto ultraneoliberal, mas sem a instabilidade política que está no pacote do governo Bolsonaro.

Outro tema de notoriedade foi a ideia de uma ressignificação do ideário da guerra nas disputas geopolíticas do sistema capitalista em crise. O artigo “ A próxima guerra” busca apresentar a ideia de que a retirada das tropas norte-americanas do Afeganistão marca o encerramento, após 20 anos, dos conflitos que se geraram após o atentado terrorista ao World Trade Center no 11 de Setembro de 2001.

De maneira breve a exposição remarca os custos, em vida e investimento direto, dessa que foi uma empreitada imperialista dos EUA para sustentar sua hegemonia em um outro momento da dinâmica capitalista internacional. Tendo sido anterior à crise que se abre no mundo após 2008, o projeto republicano sob a égide do Bush filho, de avançar em enclaves para sua política imperialista nos territórios do Oriente Médio justificada pela “Guerra ao Terror”, já vinha de um declínio considerável. A retirada total das tropas, feita às pressas, evidenciou os estragos da guerra de rapina operada no país: desestruturação completa e miséria, fortalecimento do Talibã e a decadência da hegemonia imperialista dos EUA no mundo.

Abordam a preocupação estratégica de Biden número 1, que já vem de uma política de Estado do imperialismo norte-americano anterior, que é conter o avanço da China enquanto principal competidor em potencial pela hegemonia do capitalismo mundial. Cita a articulação com os aliados do Indo-Pacífico (Índia, Austrália e Japão) em seu plano de cercamento e contenção do gigante asiático e também aborda a proeminência militar da Rússia, hoje gerando preocupação com o bloco da União Europeia, mas que por conta das maiores aproximações recentes entre a China e a Rússia pode se desenvolver em uma questão “global” para a dita “ordem capitalista ocidental”.

Finalizam com a ideia de que o conceito de “Guerra Justa”, surgido no conflito contra o nazismo na segunda guerra mundial e utilizado indiscriminadamente nas guerras empreendidas após os 90 do neoliberalismo, está sendo substituído por uma ideia de que as guerras agora estariam reservadas para conflitos bélicos entre Estados nacionais. Um aspecto mais “clássico” das definições sobre o imperialismo do marxismo revolucionário.

Estadão critica agenda do Congresso, prega confiança no Senado e discute a também a crise econômica

Um elemento particular da linha editorial do Estadão para esta semana foi destinar dois de seus principais artigos para criticar a atual agenda da Câmara dos Deputados, isso enquanto enaltece a “Câmara Alta” do Senado. Nos artigos “Retrato do patrimonialismo” e “A afoiteza da Câmara” tratam de colocar a atual agenda do Congresso em rota de colisão com os supostos “interesses nacionais”. Uma preocupação de fundo que se expressa é com a legitimidade do regime político frente à crescente “festa” do Centrão em pautar a agenda do Congresso para privilegiar seus interesses.

Em seu primeiro texto a crítica é sobre a institucionalização da corrupção pela alteração na legislação referente ao repasse das verbas para as emendas parlamentares. Em 2020 se retorna a “emenda do relator” garantindo a este uma autonomia bastante grande para definir o repasse do orçamento. Para se ter ideia, hoje, as emendas abarcam 15% das despesas não obrigatórias da União e 51% de todos os seus investimentos. Dos R$ 34 bilhões reservados às emendas, metade é do relator. Ainda criticam a alteração que permite o famoso “orçamento secreto”, isto é, a possibilidade de transferências diretas entre as bancadas estaduais.

Tudo isso com uma crescente nebulosidade no escrutínio do destino das verbas, que hoje servem na verdade para o Centrão negociar com o governo seu apoio no Congresso. Garantem sustentação, ainda que o custo cobrado vai se tornando cada vez maior. Encerram o artigo com um elogio ao Teto de Gastos, medida absurda que garante o desmonte dos serviços públicos com o congelamento de investimentos na saúde e educação. E ainda terminam por afirmar que o combate a esta prática do patrimonialismo, um eufemismo para corrupção descarada do toma lá dá cá, se dará pela via das eleições no ano que vem, recorrendo ao “bom senso” dos eleitores. Mais uma vez, a busca por legitimar o regime do golpe institucional.

O segundo artigo é muito mais frontal contra a política do Centrão, debatendo centralmente a questão do Fundo Eleitoral e a tramitação do novo Código de Processo Eleitoral. Partindo do texto-base extenso, com mais de 900 artigos, retomam como a promessa de maior flexibilização nas responsabilizações eleitorais dos partidos e parlamentares foi promessa de Arthur Lira (PP-AL) para que pudesse se alavancar a presidente da Câmara dos Deputados.

Apesar da demagogia expressa nas linhas do Estadão, realmente este texto de alteração no Código representa um retrocesso brutal. A tramitação segue a todo vapor entre os deputados, e com aprovação folgada em margem. Agora seguirá para análise dos destaques, que deve ocorrer nas próximas duas semanas, e depois seguirá para o Senado.

Alguns dos pontos mais nefastos que podemos destacar são: A liberdade para que os partidos possam adquirir bens móveis e imóveis com os fundos destinados, além de realizar “outros gastos de interesse partidário, conforme deliberação do partido”. Ou seja, não há qualquer limite para a utilização dos recursos para qualquer finalidade que seja.

Outra questão decisiva é sobre o tempo para a análise da prestação de contas dos partidos por parte do TSE. No texto-base o prazo foi reduzido de 5 para 2 anos, correndo o risco de “caducar” qualquer questionamento vindo da prestação de contas após o prazo. Ou seja, frente a dificuldade de cumprimento do prazo atual de 5 anos, com a alteração basicamente se torna opcional a realização das mesmas de maneira séria.

O mais notável da conclusão, dando o tom do reacionarismo típico da linha editorial do Estadão, é justamente apelar ao bom senso do Senado enquanto “Casa revisora” para impedir que sejam aprovadas estas alterações na legislação eleitoral. Mais uma vez, reforçar a confiança em instituições que estão completamente alinhadas no projeto dos capitalistas de descarregar a crise que criaram nas costas dos trabalhadores e dos setores oprimidos.

A última nota que abordaremos discute a crise econômica, mas com um ângulo diferente. Intitulada como “Sem potencial para crescer", mais uma vez é retomada a questão de que os discursos golpistas e a instabilidade gerada por Bolsonaro se revertem em uma insegurança para os acionistas e investidores capitalistas. Mas tratam a questão com um debate de projeto econômico mais profundo, onde apontam que sem o investimento em infraestrutura e modernização do pátio industrial é impossível pensar em uma recuperação que vá para além dos ditos “voos de galinha” atuais.

Tratam de exemplificar com o índice de investimento em capital fixo - máquinas, equipamentos, obras e ativos físicos - que hoje está abaixo da média mantida desde 2000 (18%), estando na faixa dos 15,1% do PIB. Compara com o nível de investimento neste setor em outros países, todos acima dos 20%, e ainda mostram como a meta de 25% do governo para o índice se mostra, frente ao cenário político nacional, cada vez mais irreal.

Fecham a ideia com uma descrença de qualquer avanço real na economia sob governo Bolsonaro, e remontam às “dificuldades orçamentárias” que enfrenta hoje o Brasil. Como se estes articulistas do Estadão não fossem profundos entusiastas da política de desmonte completo do país que joga estes índices de investimento em modernização da economia para o ralo, aprofundando os traços semi-coloniais do latifúndio e da predominância da agro-exportação nos rumos do país.

Podemos concluir a partir destes elementos que Bolsonaro se encontra muito mais isolado após os acontecimentos do dia 7 e os que decorreram deste dia. A descrença de qualquer avanço no projeto capitalista sob o governo e suas intermináveis crises se expressa na tentativa de emplacar a candidatura da terceira via - que aparentemente está frustrada tendo em vista o fiasco nacional dos atos da direita neoliberal neste dia 12. A preocupação maior parece estar reservada para garantir a legitimidade do regime do golpe institucional e sua obra econômica, tendo as eleições como elemento determinante. Ainda que se abre uma possibilidade maior de avançar em um processo de impeachment, mesmo que este não termine a tempo das eleições, para acelerar o desgaste do governo e ajudar a alavancar a candidatura da direita neoliberal.

 
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