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DEBATE
Fantasma Lava-Jato: por que o MES de Luciana Genro-Sâmia não tirou lições de seu apoio a essa Operação?
Vitória Camargo

No dia 3/8, no evento “Trótski em Permanência”, dirigentes de organizações trotskistas brasileiras debateram o “trotskismo hoje”, como pode ser visto aqui e aqui, com a intervenção de Diana Assunção pelo MRT, Vera pelo PSTU, João Machado pela Comuna e Luciana Genro pelo MES (PSOL). No debate, chamou atenção a ênfase com que Luciana Genro tratou do tema da Operação Lava-Jato para dizer que não aguentava mais ouvir que o MES “flertou com a Lava-Jato”. Logo depois, rapidamente agregou a seguinte frase: “enquanto a Lava-Jato estava servindo ao combate à corrupcão, nós endossamos...”, agregando supostos exemplos e deixando qualquer um embasbacado com a capacidade de se contradizer em poucos minutos. Ou seja, O MES não somente “flertou” com a Lava-Jato como, segundo as próprias palavras de Luciana, chegou a “endossá-la”.

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O fato é que essa Operação se mostra um fantasma que segue assombrando essa corrente e sobre a qual o MES não consegue tirar lições, incorrendo hoje na mesma lógica que o levou a apoiá-la anos atrás.

Essa discussão é urgente já que o autoritarismo judiciário não é um detalhe no Brasil de Bolsonaro, Mourão e militares e no regime atual, fruto do golpe institucional de 2016. Há duas semanas, o judiciário mostrava suas garras perseguindo e prendendo o lutador Galo, que foi solto somente passados 14 dias; agora, a justiça condena à prisão o ex-presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de São José dos Campos e Região, o Macapá.

Esses fatos absurdos comprovam, mais uma vez, o que dizemos insistentemente há anos: a hoje falida Lava-Jato e também o Judiciário como um todo, com o STF e o TSE, nunca atuaram pelo combate à corrupção, como tentavam fazer parecer Sérgio Moro e vários atores burgueses, de maneira risível. A Lava-Jato veio para garantir ataques ainda mais duros do que o PT já implementava, que hoje vemos com as reformas, privatizações e fome que se multiplicam. Foi um pilar do golpe institucional contra Dilma, e avançou com métodos autoritários contra as liberdades democráticas em uma democracia dos ricos já degradada. Esses métodos, por sua vez, não seriam somente contra Lula ou o PT e evidentemente se voltariam contra a esquerda, os sindicatos, as entidades estudantis e os lutadores do Brasil, como viemos vendo. Mesmo agora, com rusgas e embates com Bolsonaro, o objetivo do Judiciário não deixa de ser garantir todos os ataques contra os trabalhadores.

Por isso, ao contrário do que parte da esquerda brasileira possa fazer parecer, não era preciso ser nenhum “mago” para perceber e denunciar isso já em 2016. Mesmo antes da entrada de Moro como Superministro do governo Bolsonaro, em retribuição aos serviços que prestou com a Lava-Jato para colocar a extrema direita no poder, ou das revelações divulgadas pelo site Intercep em 2019, bastava uma análise marxista, pautada pela independência política da classe trabalhadora, para ver que a Lava-Jato não era nenhuma aliada dos trabalhadores e da juventude. Muito pelo contrário. Afinal, as evidências eram incontáveis: a Lava-Jato sempre esteve claramente vinculada aos interesses do Partido Democrata nos Estados Unidos, tinha como representante um juiz, nunca eleito por ninguém, que possuía vínculos explícitos com o Departamento de Justiça Norte-Americano e com a Shell, uma das maiores interessadas na venda da Petrobrás, e por aí vai.

Mas infelizmente toda essa caracterização básica passou anos-luz da política concreta do MES. Com certo atraso, essa corrente admitiu que o Brasil passava por um golpe “parlamentar”, poupando, nessa definição, ninguém menos que justamente o Judiciário, como ator e árbitro da política que veio se alçando desde aí. Na contramão disso, entrava vergonhosamente para a história recente da esquerda brasileira o “célebre” (sic) tweet de Luciana Genro, na época a principal figura do MES, dizendo “viva a Lava Jato”.

Agora, a 5 anos do golpe institucional, as justificativas mobilizadas pelo MES no debate da terça-feira passada, mostram não extraiu lições que expliquem por que essa organização, assim como várias outras que reivindicam o trotskismo no Brasil, não passou na “prova” de uma política revolucionária para a classe trabalhadora diante das mudanças no regime político brasileiro. Vale lembrar que, por um lado, organizações como o PSTU e a CST até hoje reivindicam que não houve um golpe no Brasil, e, por outro, a Resistência e também a Insurgência, a Comuna de João Machado e outras, abraçam a conciliação de classes de Lula e o PT com alegria. Para o MES e essas organizações, a independência de classe e o anti-imperialismo eventualmente cabem em divagações teóricas folclóricas sobre o legado de Trótski, mas não para colocá-lo em prática no Brasil de ontem e hoje.

Como já dissemos, no debate, por um lado, o MES endossou mais uma vez a falácia do combate à corrupção por parte da Operação Lava-Jato e disse que apoiou a Lava-Jato somente até o momento em que esta estaria combatendo a corrupção. Por outro, acusou “a esquerda” (não se sabe qual) de tratar a corrupção como se fosse uma pauta burguesa, quando na prática é uma luta que só poderia ser levada à frente pela classe trabalhadora, segundo eles próprios. Não é possível encontrar uma coerência interna nessa argumentação. A Lava-Jato estaria levando à frente o combate à corrupção até determinado momento ou este só poderia se dar pela classe trabalhadora? Ou a Lava-Jato, Sérgio Moro e o Partido Democrata seriam representantes dos interesses dos trabalhadores?

Por trás dessa psicodelia argumentativa, fica clara aqui a lógica morenista que trata alas e atores burgueses como aliados “circunstanciais” (na realidade, não tão circunstanciais assim) para fins que só podem ser respondidos pela classe trabalhadora como sujeito independente. Não deveria ser necessário repetir, mas a corrupção, como um fenômeno intrinsecamente capitalista do balcão de negócios que é o Estado burguês, não pode ser combatido com a própria burguesia, muito menos com o imperialismo - que o MES apoiou novamente chamando voto crítico em Biden, sendo, nas palavras de Luciana Genro, “a vitória das luzes contra as trevas”, com suas bombas contra a Síria e a Somália. E inclusive esse Estado burguês também conta com seu aparato repressivo, seu braço armado, a polícia, que Luciana Genro muito enfaticamente defendeu, como possível aliada da esquerda se esta souber "disputá-la", na contramão da luta de classes internacional que recentemente enfrentou essa instituição racista e burguesa no levante negro dos EUA.

Ver mais: Que faria a esquerda brasileira que defende a polícia, se estivesse nos Estados Unidos?

Assim, por mais que tentem fazer parecer, este não se trata de um debate do passado. Ao não rever profundamente as bases teóricas e políticas que seguem levando o MES a justificar seu apoio à Lava Jato até hoje, essa organização do PSOL apenas indica que segue se valendo do mesmo esquema objetivista. Isso se mostrou, em parte, na defesa que Luciana Genro fez da CPI da COVID, chamada ridiculamente de “unidade de ação” [não se sabe qual ação] com a burguesia. Esse teatro dos golpistas para desgastar Bolsonaro e isentar vários dos que também vieram administrando a crise sanitária e os ataques que degradam a vida dos trabalhadores também é visto como aliado pelo MES. Ainda que, em seus editoriais, seus dirigentes possam dizer protocolarmente que a saída só virá das ruas, contando, claro, com a ajuda da CPI, essa saída, aliás, seria o impeachment de Bolsonaro, defendido com Joice Hasselman e Kim Kataguiri, para colocar o militar Mourão no poder.

Tudo isso apenas revela que o MES não extraiu a lição principal de sua capitulação à Lava-Jato: apostar somente na classe trabalhadora como sujeito. E sua localização diante do golpismo lava-jatista, que poderia aparentar ser maior delimitação com o PT ou independência desse partido, é, na realidade, outra via para sua adaptação ao petismo. O MES se diz “PSOL independente”, em acalorados debates com a maioria do partido e em particular com a Resistência lulista. Mas sua vacilação à Lava-Jato, presente até hoje, somente serve e serviu para deixar o enfrentamento ao golpismo à mercê da estratégia traidora do PT e, além disso, encobrir a paralisia das centrais sindicais.

Além disso, o MES se nega até hoje à verdadeira frente única operária, à exigência às burocracias e à necessidade de organização pela base em cada local de estudo e trabalho. É por isso que criaram, em unidade com os stalinistas da UP, um espaço como a frente Povo Na Rua Fora Bolsonaro, com a qual pretendem substituir espaços de auto-organização nos locais de trabalho e estudo por lives entre as lideranças das organizações envolvidas, onde o centro do debate com as entidades de massas dirigidas pelo PT e pelo PCdoB é em torno de datas, e não de como fortalecer a mobilização dos estudantes e trabalhadores com uma política independente.

Por isso, a independência de classes para o MES não passa de uma separação organizativa do PT, proclamada sobretudo pelas disputas no terreno eleitoral, mas não política. Não à toa, Glauber Braga, em sua pré-candidatura apoiada por essa corrente, não menciona o golpe que construiu nosso regime político atual à direita e ainda deixa claro que abriria espaço a Lula, retirando sua candidatura em um primeiro turno, se este pudesse ganhar.

Mais do que nunca, é necessário aos que reivindicam o trotskismo ajustar contas com seus erros do passado para buscar uma política correta no presente, e não reivindicá-los. O petismo e, em outra medida, também o stalinismo da UP e PCB, que se fortalecem relativamente, são os maiores beneficiados pelas capitulações dessas correntes.

É por isso que nós do Esquerda Diário e do MRT, como parte da Fração Trotskista, temos a independência política dos trabalhadores como parte do melhor da estratégia revolucionária herdada de Trótski, contra todo o regime da burguesia. Essa é a única maneira de enfrentar a extrema direita consequentemente e batalhar pela emergência da nossa classe como sujeito, hegemonizando os setores oprimidos. É preciso impor com luta um programa para que os capitalistas paguem pela crise, passando pela defesa de júris populares para os casos de corrupção, confisco de bens, juízes com salários de uma professora, eleitos e com mandatos revogáveis, e principalmente pela necessidade de uma Assembleia Constituinte Livre e Soberana, que permita enfrentar todas as instituições do regime do golpe, incluindo o Judiciário. Esse programa poderia ser uma ponte para a luta por um governo dos trabalhadores em ruptura com o capitalismo.

 
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