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PEC 32
Como a Reforma Administrativa ataca a população e mantém privilégios de juízes e militares?
Ítalo Gimenes
Mestre em Ciências Sociais e militante da Faísca na UFRN

Enquanto as disputas autoritárias no regime vão dando o tom da situação política reacionária, nos bastidores articulam os negócios dos empresários e banqueiros nacionais e imperialistas que querem a aprovação de graves ataques à classe trabalhadora e a população antes do acirramento da disputa eleitoral. A “mini” reforma trabalhista, que de mini não tem nada, a privatização dos Correios e o Marco Temporal que avança contra a demarcação de terras indígenas em prol do agronegócio, são parte desse plano.

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A Reforma Administrativa também, e nada tem a ver com combate a privilégios como Paulo Guedes e Bolsonaro, mas também toda mídia “oposicionista” como o Globo, Folha, etc, insistem em propagandear. Aqui buscaremos desenvolver o que consideramos os seus principais objetivos:

1) aplicar a reforma trabalhista no serviço público, englobando os setores com direitos mais consolidados da classe trabalhadora no bojo da informalidade, instabilidade e laboratório e super-exploração do trabalho no Brasil; 2) facilitar o processo de privatização do SUS, terceirização do trabalho pela via da generalização das OSS e 3) fortalecer a casta burocrática do estado, aumentando privilégios dos militares, juízes, além de autorizar maior nepostismo autorizando contratação de professores, enfermeiros, médicos por mera indicação.

Dividir para conquistar: reforma trabalhista para servidores e aumento da terceirização

A principal mudança imposta pela PEC 32 da reforma administrativa é alterar para pior as formas de contratação para os serviços públicos. Na prática significa impor aos servidores contratados regras criadas pela reforma trabalhista aprovada sob o governo golpista de Michel Temer. Cria-se a modalidade de contrato temporário de servidores, mediante “seleção simplificada”, que autoriza inclusive a utilização ainda maior de mão de obra terceirizada, até mesmo para professores, enfermeiros, como já vem ocorrendo em cargos como maqueiros ou trabalhadores da limpeza.

Tudo isso é respaldado, é importante lembrar, por uma decisão do STF que autoriza a terceirização de atividades fins, e não apenas atividades meio. Um enorme ataque, que generaliza experiências desastrosas e corruptas como as Organizações de Serviço (OSS). Exemplo disso é na saúde do Rio de Janeiro, onde são alvo de investigação, e tem levado a casos extremos como a de merendeiras de escolas que ficaram quatro meses sem salário, com a prefeitura e a OSS jogando responsabilidade uma para a outra e deixando as funcionárias sem ter como dar de comer aos próprios filhos, apesar de alimentares os filhos de amplos setores da população.

A estabilidade do emprego estará acabada após a reforma, através da imposição de um tempo de experiência de pelo menos um ano. Após esse ano, será feita uma nova avaliação (pensando que já terão passado por concurso) de desempenho do funcionário, que mesmo se ganhar o direito a estabilidade, será submetido a monitoramento sobre o cumprimento de metas e avaliações periódicas. Cria-se a possibilidade de demissão por “desempenho insuficiente”, que sabemos como é utilizada no setor privado inclusive para perseguir politicamente os trabalhadores, pois está sujeita a todo tipo de critério subjetivo das chefias.

Portanto, cria a lógica privada de competição entre os funcionários com o fantasma do desemprego assombrando o cotidiano do trabalho e as relações entre professores e trabalhadores da saúde. É indignante imaginar que os profissionais da saúde que se provaram nessa pandemia frente ao descaso dos governos passem a ser submetidas a qualquer tipo de cumprimento de metas e assédio moral por “produção”, ou mesmo professores que tem que lidar com escolas superlotadas, sem estrutura.

Longe de significar que mais trabalhadores pudessem trabalhar nos serviços públicos a intenção dessa medida é reduzir o quadro de trabalhadores e contratar de formas mais precárias, barateando os custos dos serviços públicos para que caibam na cada vez mais estreita Lei do Teto de Gastos, que destina o orçamento para o cofre dos bancos mais ricos do mundo através da dívida pública. Para que se tenha uma ideia, os gastos com pagamentos de pessoal em 2019 divulgados pela IFI foram de R$ 318,8 bilhões de reais, somente o pagamento de juros e dividendos da dívida pública consumiu 752,4 bilhões em 2019. A proposta da reforma é aumentar essa brutal discrepância, que dá lucro para bancos super-explorando servidores públicos, e não criar novos empregos.

Além de tudo isso, a lei permite a redução de jornada com redução de salários desses servidores, e não está claro se essa medida poderá ou não ser aplicada para os servidores atualmente em exercício. Uma medida absurda, que em caso de crise será um gatilho fácil para que a conta seja paga por esses trabalhadores e os serviços públicos sofram ainda mais degradação. Para completar, as promoções e licenças prêmio não serão mais exclusivas ao tempo de serviço, e estará autorizado que professores e profissionais da saúde acumulem duas funções, que mostra a intenção de tornar esses cargos ainda mais precários.

Tudo isso deixa claro quais as intenções reais da reforma, que como veremos, não toca em nada e aliás aumenta os mecanismos de privilegiamento dos altos cargos, sobretudo de militares. Busca sim baratear o SUS, a educação dos filhos dos trabalhadores, e avançar em direitos de setores mais organizados da classe trabalhadora, que protagonizaram lutas históricas para obtê-los, como as greves gerais dos anos de 1986 e 1987, que ameaçaram a manutenção do governo Sarney e seus confiscos salariais. Ao fazer isso, generaliza a condição do Brasil como laboratório da super-exploração do trabalho, ainda mais quando associado aos efeitos da “mini” reforma trabalhista. Busca, dentro dos serviços públicos, com novas 5 modalidades de contratação, dividir ainda mais a categoria entre temporários, terceirizados, através do cumprimento de metas, combinado ao aumento do assédio típico de uma empresa capitalista.

Veja também: O enorme ataque da "minireforma" trabalhista

Abre portas para a privatização do SUS e da educação, além da militarização das escolas

Só este aspecto da “reforma trabalhista” contida na reforma administrativa já deve servir para que o leitor veja o quanto este ataque afeta o conjunto da população, que verá mais difíceis as condições de brigar por direitos trabalhistas que existem ou que busquem que exista. Esse nível de precarização do trabalho será sentido no cotidiano do atendimento da população, que já viu nessa pandemia o quão mortal isso pode significar.

Trata-se da velha forma neoliberal de fazer do atendimento público terra arrasada depois fazer propaganda de que só a iniciativa privada pode resolver, que inclusive já vem avançando sobretudo após o golpe institucional sobre os serviços públicos, e no caso da saúde, a pandemia foi ponto de apoio para se expandir.

Agora o texto da PEC prevê que a União, os Estados, o DF e os Municípios, também poderão firmar contratos de cooperação com órgãos e entidades privadas para a execução de serviços públicos, com a entrega de estrutura física e utilização da força de trabalho de “particulares”. Medida essa relacionada também ao uso de OSSs e terceirização. Ou seja, pretendem avançar na entrega dos serviços públicos ao mercado e seus grandes proprietários.

Como se não bastasse, na PEC também inclui-se outro grande ataque, o sonho dourado dos bolsonaristas, mas também de setores da direita tradicional, que é a militarização das escolas. No projeto prevê-se que militares possam ocupar cargos de profissionais da saúde e professores.

Militares estes, assim como os altos cargos do Judiciário, Legislativo e Executivo, ficarão de fora dos ataques descritos anteriormente, afinal, sabem que eles servem para precarizar as condições de trabalho e vida dos servidores públicos, o que significará a precarização dos próprios serviços como saúde e educação.

Fortalecimento da burocracia militar, judicial e política do Estado, e seus interesses patrimoniais

Você leitor, pode virar e revirar o texto da PEC e não vai encontrar qualquer medida que toque nos supersalários dos congressistas, juízes do STF, nem de militares, como Mourão, que recebe não só o salário de vice, mas também de general da reserva, que soma R$ 108 mil após aumento decretado por Bolsonaro para ele mesmo, Heleno e Braga Netto, ou de tantos outros que ocupam a presidência de estatais, a serviço de privatizá-las, como Petrobrás e Correios. Não vai ver nada sobre os inúmeros auxílios paletó, moradia, e outras aberrações que oneram o Estado para atender seus interesses particulares, vivendo como verdadeiros burgueses.

Junto a essa manutenção e até mesmo fortalecimento dos privilégios de casta, propostas como a aprovada na CCJ presidida pela bolsonarista, Bia Kicis, fortalece, o caráter nepotista e autoritário das altas cúpulas do Estado contra os servidores públicos. Retira da Constituição a norma que reserva a servidores efetivos a nomeação para funções de confiança e estabelece que cargos em comissão serão preenchidos por servidores em percentuais mínimos definidos em lei —hoje, o patamar é de ao menos 50%. O texto da PEC (Proposta de Emenda à Constituição) se limita a dizer que esses postos “serão destinados às atribuições estratégicas, gerenciais ou técnicas”, sem menção à necessidade de ocupação por servidores.

Na prática, a proposta propõe a eliminação das restrições constitucionais existentes hoje e permite a ocupação de cargos em comissão e funções de confiança, sem limites, por pessoas que não têm vínculo com a administração pública. No levantamento, do consultor de Orçamentos do Senado Vinicius Amaral, mostra que o total de cargos e funções desse tipo existentes hoje pode ultrapassar 1 milhão. São 175 mil na União, ao menos 180 mil nos estados e pelo menos 559 mil nos municípios.

São pontos suficientemente fortes que mostram que sim, a Reforma Administrativa é um enorme ataque aos servidores e ao conjunto da população, para garantir privilégios de casta e os lucros dos grandes bancos interessados na dívida pública. E que unifica interesses da alta burguesia com os militares, juízes e congressistas, com a grande mídia não só bolsonarista como a Jovem Pan, se colocando principais veículos de propaganda dessa medida.

Por isso deve ser repudiado pelo conjunto dos trabalhadores em aliança com setores populares. E isso deve ser cobrado por cada servidor que se mobilizou no último dia 18 de Agosto contra esta PEC às centrais sindicais CUT e CTB, que dirigem a maioria de sindicatos de servidores públicos, mas também de outras categorias que as unifiquem em um real plano de lutas, contra Bolsonaro, Mourão e cada um dos ataques que estão avançando. Não dá mais para ser chamados dias de luta separados de servidores e falar em greve geral. Dessa forma, cumprem com os objetivos políticos do PT dispersar o enorme descontentamento aos ataques, para que as esperanças de reverter os ataques do golpe institucional e de Bolsonaro sejam canalizadas para as eleições de 2022. Mas Lula mesmo já avisou que não só não fará nada para revertê-los como pode ainda avançar ainda mais com a proposta de privatização da Caixa.

Análise: Disputas entre projetos autoritários e ataques de grande intensidade

Como viemos dizendo, a única forma de enfrentar todos esses ataques e a degradação bonapartista do regime político, é pela via da luta de classes. É necessário buscar um caminho efetivo para a derrubada de Bolsonaro, Mourão e todo esse governo, abandonando as respostas políticas que entregam ao próprio regime político o destino de milhões de trabalhadores e explorados, como a bandeira do impeachment. Limitar-se aos estreitos limites de um regime que segue em putrefação é adaptar-se à nova ordem burguesa que só irá impor condições de vida ainda piores. É confiar que pode vir alguma resposta desse Judiciário ou Centrão cada vez mais privilegiados e inimigos dos trabalhadores e do povo. Frente a ilusões democráticas que ainda permeiam a maioria da nossa classe, é preciso levantar a bandeira de uma Constituinte Livre e Soberana, imposta pela luta e que possa debater o conjunto dos problemas do país, para que nesse caminho, e diante da reação burguesa que buscará manter seus interesses intactos, a luta da classe trabalhadora abra espaço para um governo de trabalhadores de ruptura com o capitalismo.

 
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