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Ideias de Esquerda
Marxismo, estratégia e arte militar
Ponagiotis Sotiris

Apresentamos a tradução da resenha de Estratégia Socialista e Arte Militar, de Emilio Albamonte e Matías Maiello, escrita por Panagiotis Sotiris e publicada na Historical Materialism. Sotiris é doutor em filosofia e professor da Hellenic Open University. Ele é membro do conselho editorial da Historical Materialism e membro da organização anticapitalista de esquerda ANTARSYA [1]. Autor, entre outras obras, do livro A Philosophy for Communism: Rethinking Althusser (2020).

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ilustração: @059jorge

Introdução

Dentro do marxismo, há uma longa tradição de discutir a estratégia próxima à discussão da "arte da guerra" [2]. Isso pode ser atribuído tanto ao fato de que as revoluções podem ser consideradas formas de guerra, quanto ao fato de que, desde Clausewitz [3], a guerra tem sido discutida relacionada à política. Por isso, o livro de Emilio Albamonte e Matías Maiello, Estratégia Socialista e Arte Militar, é uma importante contribuição que volta a atravessar esses debates.

O ponto de partida do livro é que Lênin e outros marxistas leram Clausewitz e os clássicos do pensamento militar e tinham um grande interesse pelos assuntos militares [4]. Segundo os autores, "a inovação de Lênin, a partir de seus cadernos de 1915, consiste em uma apropriação crítica de Clausewitz, abrangendo as relações entre guerra e política para a estratégia revolucionária. Isso o converteu no primeiro intérprete político de Da Guerra" (p. 31) [5]. Ao mesmo tempo, os autores criticam Foucault e Agamben por estender a política como uma continuação da guerra [6] e não o contrário, posição que consideram uma negação da estratégia. Esta discussão está ligada às questões estratégicas contemporâneas e, em particular, à questão de uma estratégia eficaz para a revolução na atualidade. Para os autores, o problema é que grande parte da esquerda não pensa em termos de estratégia e de tentar coordenar o máximo possível as forças disponíveis para o combate.

Apresentação do livro

O livro começa com um capítulo muito interessante e informativo sobre o debate e a polêmica alemã em torno da "estratégia de desgaste" frente a "estratégia de derrubada" [7]. Os autores o situam no contexto das contradições estratégicas do SPD. Apresentam as posições de Kautsky, sublinhando como não entendia que não se tratava de duas estratégias, mas sim dois polos da "arte da estratégia" e, para isso, voltam a Clausewitz e ao enfoque mais dialético que acreditam encontrar nele, criticando ao mesmo tempo as leituras de Lars T. Lih sobre esses debates. Consequentemente, eles oferecem uma crítica convincente das posições de Kautsky.

A seguir, os autores fazem uma leitura das intervenções de Rosa Luxemburgo nesses debates. Eles utilizam referências a Clausewitz para sublinhar a dinâmica da situação e a importância das intervenções de Rosa Luxemburgo, mas também destacam as limitações de seu pensamento sobre a insurreição. A discussão do debate é cuidadosa e bem documentada, destacando questões abertas, como as alianças e reservas estratégicas.

No que diz respeito a Lênin, os autores situam a sua intervenção no contexto dos debates tanto da social-democracia internacional como, especificamente, dos debates na Rússia. Eles oferecem uma leitura muito interessante de Lênin em termos clausewitzianos como "virtude guerreira". Eles enfatizam que Lênin tinha uma concepção mais complexa da relação entre "paz" (uma situação não revolucionária) e "guerra" (uma situação revolucionária). Novamente, encontramos aqui uma crítica à leitura de Lars T. Lih feita por Lênin. Eles também encontram em Lênin as qualidades atribuídas por Clausewitz ao que este definiu como um gênio militar. Resultado especialmente interessante é a crítica à polêmica de Lars T. Lih contra a "tese do rearmamento" de Lênin após 1914 [8]. Para fazer isso, eles acentuam a importância da leitura de Clausewitz por Lênin. Segundo os autores:

Lênin vai utilizar a fórmula de Clausewitz para definir aquele marco estratégico e extrair as conclusões sobre a atitude dos revolucionários ante a guerra. Duas definições serão fundamentais. Em primeiro lugar, se a guerra é a continuação da política por outros meios, o posicionamento dos revolucionários não pode estar determinado por qual Estado se encontra lutando na ofensiva e qual na defensiva. Trata-se de determinar quais são as políticas que os diferentes Estados continuam através da guerra. Em segundo lugar, que a continuidade da política revolucionária no marco da guerra passa, necessariamente, pela continuidade da luta de classes, também ‘por outros meios’, isto é, pelo desenvolvimento da guerra civil (p. 150).

Com base nessa avaliação, eles insistem na relevância da "tese do rearmamento" no que diz respeito à pesquisa e reflexão teórica e estratégica de Lênin após 1914.

O capítulo 2 é dedicado ao pensamento estratégico de Trótski. Começa com as alusões de Trótski à arte da insurreição e à noção de guerra civil e seus “três ‘capítulos’ ou ‘etapas’: a preparação da insurreição, a insurreição em si e a consolidação da vitória” (p. 160). Eles insistem que uma das principais contribuições teóricas de Trótski está em sua elucidação da relação entre os sovietes como organismos de auto-organização e o partido revolucionário como parte da estratégia para a insurreição. Eles pensam que "essa articulação entre partido revolucionário e auto-organização de massas, e a que mencionávamos entre os organismos de auto-organização e a força armada da revolução, encerram de conjunto uma enorme inovação do pensamento estratégico militar do marxismo, que dá a ele seu caráter distintivo” (p. 162). Também destacam a importância da tática de Trótski e dos bolcheviques contra o exército burguês em 1917, quando utilizaram não só o confronto militar direto, mas também uma política específica para dividir o exército burguês, ganhando uma parte para a revolução e neutralizando o resto. Também destacam a importância da milícia operária em relação à tradição da milícia cidadã.

Para os autores, Trótski foi um pensador muito importante no que diz respeito às questões da estratégia militar, especialmente na questão da estratégia insurrecional e do combate, destacando que “a execução tática da insurreição urbana – similar ao que Clausewitz supõe para a batalha de montanha – está nas antípodas de um confronto direto entre dois exércitos formados para uma batalha em campo aberto, em que cada movimento ao longo da batalha pode ser conduzido de forma centralizada” (p. 177-8).

No entanto, essa abordagem leva os autores à questão em aberto das diferenças entre Oriente e Ocidente. Eles insistem que Trótski não generalizou em excesso a situação russa, mas que “disso Trótski depreendeu a necessidade de uma combinação mais sofisticada entre defesa e ataque, entre os elementos ofensivos da defensiva e vice-versa, entre ‘posição’ e ‘manobra’, para aproveitar a maior complexidade das estruturas sociopolíticas ocidentais” (p. 185).

O terceiro capítulo do livro aborda a questão de como ir da defesa à ofensiva. Em particular, os autores desejam criticar a percepção generalizada de que as posições de Trótski não eram aplicáveis no contexto do "Ocidente" e que as respostas estratégicas estão em Gramsci. Eles retornam às reflexões de Trótski sobre a revolução alemã, a Frente Única e a tática do "governo dos trabalhadores". Eles são muito críticos daqueles marxistas, como Christine Buci-Glucksmann [9], que criticaram Trótski por sua suposta subestimação do papel das superestruturas políticas. Por outro lado, com respeito a Trótski, os autores insistem que

baseado em relacionar defesa e ataque, posição e manobra, impulso das massas e preparação consciente, o fundador do Exército Vermelho cruzava lanças contra todo fatalismo. Ele se negava a pôr como modelo as condições russas de armamento e desenvolvimento dos sovietes. Com respeito a esses últimos, defende em ‘É possível fazer uma revolução ou uma contrarrevolução com data marcada?’, como as condições podem estar maduras para a insurreição mesmo sem que os organismos de auto-organização se encontrem suficientemente desenvolvidos. Diante disso, argumenta como os diferentes passos de sua organização devem ser incluídos como parte do “calendário” pré-insurrecional. O mesmo vale para o armamento; deve ser parte da preparação assim como o primeiro objetivo da própria insurreição (p. 209-10).

Consequentemente, eles embarcam em uma leitura crítica comparativa das posições de Trótski e Gramsci. Eles são críticos de como Gramsci interpretou a conjuntura na década de 1920 no Ocidente:

Para Gramsci, que não havia penetrado naquele balanço, a conclusão adquiria um caráter mais ‘geral’, em que a existência de superestruturas mais sólidas no Ocidente tornava ‘a ação das massas mais lenta e mais prudente’. Essa conclusão será a base para seus desenvolvimentos posteriores nos Cadernos do Cárcere (p. 216).

Sua principal crítica a Gramsci é que ele confundiu a fórmula da Frente Única com uma noção estratégica de aplicação geral e um fim em si mesma. Em vez disso, eles apontam como:

...para Trótski, a frente única defensiva não era um fim em si mesmo, mas uma condição para poder passar à ofensiva pela tomada do poder. A frente única para a defesa em determinado momento da correlação de forças devia passar a ser ofensiva, ou seja, sair dos limites do regime burguês e propor-se a sua destruição (p. 221).

Além disso, apontam a originalidade de Trótski, no sentido de que ele foi um estrategista que, rejeitando toda passividade e fatalismo, sempre procurou taticamente colocar as forças revolucionárias na defensiva, oferecendo assim uma concepção mais dialética entre a guerra de "posição" e a guerra de "manobra". Mas, ao mesmo tempo, os autores chamam a atenção para os pontos de convergência entre Trótski e Gramsci:

Nesse ponto – a valoração da frente única defensiva –, Trótski e Gramsci coincidiam em muitos aspectos. Para ambos, o maior desenvolvimento da ‘sociedade civil’ – dito em termos gramscianos – no Ocidente, apresentava uma série de ‘trincheiras’ que o proletariado devia utilizar em sua luta e, especialmente, frente ao avanço do fascismo. Ao contrário, Stálin e a direção da IC – baseados no elemento real de que independentemente dos seus diversos regimes o Estado burguês conserva sempre um mesmo conteúdo de classe – negavam-se a reconhecer qualquer diferença entre a democracia burguesa e o fascismo (p. 228).

Com base nessa leitura, os autores insistem que Trótski foi o mais "clausewitziano" de todos os marxistas no sentido das formas que podia combinar a "posição" e "manobra", "defesa" e "ataque", "estratégia" e “táticas". Além disso, eles usam essa discussão para debater as posições assumidas por vários grupos trotskistas em momentos particulares.

O capítulo 4 trata da noção de defesa, tal como a define Clausewitz. Insistem que "a ação dos bolcheviques durante a Revolução de 1917 foi uma verdadeira escola de como lutar na defensiva (em minoria), multiplicando os ‘golpes habilidosos’, os meios ofensivos da defesa" (p. 250). Retomam as Teses de Lyon de Gramsci e sublinham suas afinidades com o pensamento de Trótski no mesmo período, especialmente no que diz respeito à questão da democracia. Eles insistem que "a novidade introduzida por Trótski é a articulação desses mesmos temas como consignas democrático-radicais dentro de um programa transicional na luta (sob a democracia burguesa) por um governo operário (ditadura do proletariado)" (p. 255).

No entanto, eles também sublinham os limites do pensamento de Gramsci sobre a questão da "Assembleia Constituinte" [10]. Seu principal objetivo é assinalar como a democracia burguesa e a democracia soviética são formas políticas antagônicas. Ao mesmo tempo, criticam a teorização de Peter Thomas sobre os aparatos hegemônicos, que consideram "evolutiva". Além disso, eles apontam para as diferentes formas pelas quais Trótski e Gramsci abordaram a Greve Geral inglesa de 1926 e suas consequências como uma ilustração do pensamento superior de Trótski sobre a necessidade de romper com a burocracia. Mas, ao mesmo tempo, insistem que “o certo é que para Gramsci, como mostram os Cadernos… (por exemplo, sua análise sobre o ‘terceiro momento’ das relações de forças militares), assim como o informe de Athos Lisa sobre suas preocupações em torno dos aspectos militares da insurreição durante sua prisão, a possibilidade de ‘neutralizar’ o aparato do Estado burguês sem revolução, que Thomas sugere, estava claramente por fora de suas perspectivas" (p. 279-80). Para fundamentar esses pontos, apresentam uma leitura muito cuidadosa dos textos de Trótski das décadas de 1920 e 1930. Eles defendem a caracterização de Trótski da situação na França em 1936 como revolucionária, em contraste com a de Mandel.

No que se refere à noção de hegemonia, estabelecem um diálogo crítico com Peter Thomas [11], a quem criticam por desvincular a conquista da hegemonia e da revolução. Eles apontam que este é o problema das versões contemporâneas do trotskismo e de posições políticas como as adotadas pela corrente anticapitalista no Estado espanhol. Para os autores, o problema é que "o legado de Gramsci, diferentemente do de Trótski, tenha sido submetido a múltiplos ‘usos’ que buscam divorciá-lo da constelação de revolucionários da III Internacional para colocá-lo na base de estratégias reformistas" (p. 302). Também criticam a leitura de Peter Thomas da NEP [12] como antecedente do surgimento de uma certa conceituação da noção de hegemonia.

No capítulo 5, eles retornam à leitura de Lênin sobre Clausewitz. Insistem que Lênin usou Clausewitz para definir a natureza da guerra em geral e da guerra imperialista em particular. Opõem a abordagem de Lênin à de Foucault, a quem acusam de obscurecer a diferença entre "guerra" e "paz". Ao contrário, eles encontram em Lênin alguém que pensa na relação dialética entre os aspectos políticos e militares. Este capítulo oferece uma leitura muito detalhada dos escritos de Lênin e Trótski sobre a guerra e, em particular, sobre a guerra imperialista, contrastando esses escritos com a leitura que Aron faz de Clausewitz. Também abordam a etapa da guerra "absoluta" para a "total" no período anterior à Segunda Guerra Mundial, e as novas dimensões que adquiriu a "exterioridade popular" destacada por Lênin em sua leitura de Clausewitz.

Também tentam oferecer uma análise da dinâmica política e de classe incorporada na Segunda Guerra Mundial, sugerindo que "na II Guerra Mundial confluem: uma guerra interimperialista, uma ‘guerra justa’ de defesa da URSS e uma série de guerras de libertação nacional nas colônias e semicolônias. Ao que se deve agregar, por último, e especialmente ao final da guerra mundial, que esses conflitos estatais se combinaram com guerras civis que, como dizia Lênin, são a própria revolução em tempos de guerra” (p. 346). Também apontam para a importância das guerras civis da década de 1940 e como sua dinâmica foi minada pelas políticas das burocracias stalinistas.

O Capítulo 6 trata da estratégia de guerra popular prolongada desenvolvida por Mao [13] e Giap [14], e o conceito de guerra de guerrilha sugerido por Che Guevara [15]. Eles oferecem uma leitura detalhada dos textos de Mao em comparação com Clausewitz, enquanto enfatizam que "para Mao, a revolução a ser feita na China estava ‘dirigida contra o imperialismo e o feudalismo, e não contra o capitalismo’” (p. 379), e apontam a importância que Mao atribuiu à aliança estratégica com a burguesia nacional. Consequentemente, eles sugerem que, para Mao, a própria noção de prolongamento tinha a ver com estabelecer limites à dinâmica revolucionária a fim de manter a aliança com a burguesia: "Mao termina de deixar de lado a apropriação feita por Lênin da fórmula de Clausewitz para voltar a uma versão mais parecida com a original” (p. 385). Eles sustentam que:

...se a concepção de Mao de frente única antijaponesa não teve os efeitos desejados do ponto de vista militar, será no terreno político que irá adquirir suas maiores implicações estratégicas. A principal consequência será o virtual ‘congelamento’ da revolução, marcado pela negativa de Mao e do PCCh a apelar por meio de um programa revolucionário às massas de operários e camponeses que estavam sob ocupação japonesa, bem como às que sofriam o regime do Kuomintang nas zonas não ocupadas (p. 388).

Quanto a Giap e a experiência vietnamita, eles são muito críticos as táticas do Partido Comunista Vietnamita após a Segunda Guerra Mundial, particularmente em relação à reocupação francesa:

Em síntese, as condições para a guerra popular prolongada na Indochina tampouco eram um resultado ‘objetivo’, mas, em grande medida, subjetivo, como produto direto da política do Partido Comunista. Graças à sua ação, a guerra de libertação do povo vietnamita começou em condições de desagregação dos elementos de duplo poder, derrota da vanguarda operária, proibição aos camponeses de tomarem as terras, reocupação francesa da Indochina e, finalmente, perseguição ao próprio PCI por parte do governo burguês (p. 396).

Em suma, eles são bastante críticos da noção de "guerra popular prolongada", sugerindo que ela levou a fracassos estratégicos e que pode explicar o desenvolvimento posterior das revoluções chinesa e vietnamita. Eles acreditam que o problema tem a ver com o caráter camponês ou com as direções dos respectivos partidos comunistas.

Sob essa forma particular acabou ocorrendo que uma direção de base camponesa tomou o programa do proletariado, tanto na China como na Indochina, dando lugar a processos que, por seu conteúdo social, foram revoluções proletárias. Assim, através das sucessivas negações da estratégia de guerra popular prolongada, primeiro com a apropriação do programa de reforma agrária que permitiu a derrota militar do Kuomintang – e do exército francês na Indochina –, e depois com a expropriação da burguesia, o resultado foi o surgimento de um novo tipo de Estado, operário, de acordo com determinadas características de seu conteúdo social (propriedade nacionalizada, planificação da economia e monopólio do comércio exterior), mas totalmente deformado e mutilado desde seu surgimento, à imagem e semelhança do próprio partido comunista que assumiu o poder (p. 402-3).

O principal ponto de crítica é que uma estratégia de guerra prolongada incorpora limitações à dinâmica revolucionária, em particular porque implica uma certa aliança com a burguesia nacional e uma certa proteção do setor capitalista "nacional" da economia. Além disso, facilita o surgimento de uma forma burocrática de governo. Também pode facilitar o surgimento de um certo nacionalismo, algo que eles consideram evidente tanto no caso chinês quanto no vietnamita.

No caso de Che Guevara, eles argumentam que ele representou uma crítica ao evolucionismo stalinista que, no entanto, não chegou a incorporar a riqueza da abordagem de Lênin sobre a relação dialética entre os aspectos políticos e militares.

Se, de fato, critica aquele evolucionismo da estratégia reformista do stalinismo, também o aborda quase que exclusivamente do ponto de vista da crítica ao pacifismo. Com esse tipo de aproximação se distancia de Lênin (e de Clausewitz), para quem existia uma relação indissolúvel entre o militar e o político, e tende a elaborar – em seus discursos e em seus escritos – uma oposição mais ou menos mecânica entre: reformismo-pacifismo versus revolução-luta armada (p. 412).

Isso se soma a uma leitura crítica dos textos de Che sobre a Revolução Cubana e ao mesmo problema da aliança com elementos burgueses que impõe limitações à dinâmica revolucionária. Essas limitações foram acentuadas pela forma com que Che Guevara subestimou a importância das organizações de tipo soviético, o que levou a um certo ecletismo estratégico.

Da mesma forma, são críticos às correntes que tentaram transferir a tática de guerrilha para o meio urbano:

A transposição da guerrilha do campo para a cidade esteve longe de significar um retorno à estratégia ligada à experiência do proletariado, à sua auto-organização, a uma estratégia insurrecional e com um programa revolucionário. Muito pelo contrário, representou um novo salto na crescente abstração da estratégia militar (sobrepondo-se à estratégia política, aos objetivos políticos e às condições para seu desenvolvimento) e o aprofundamento do militarismo (p. 427).

Eles qualificam esta abordagem como “metodismo” e oferecem interessantes reflexões críticas, especialmente no que diz respeito aos movimentos latino-americanos, insistindo que “de maneira paradoxal, o alerta diante das consequências do metodismo e do militarismo é talvez uma das principais conclusões que a experiência dessas correntes deixa para a estratégia revolucionária na atualidade” (p. 433).

O capítulo 7 se intitula "Grande estratégia e revolução permanente". Começa com um retorno ao surgimento da própria noção de revolução permanente, começando com os próprios textos de Marx, seguido por seu uso na luta contra o stalinismo. Procura-se elaborar as principais linhas divisórias, começando com a oposição de uma concepção da guerra baseada no Estado-nação e outra baseada na luta de classes.

Para derrotar essa política, nem o stalinismo da URSS nem nenhuma das direções que tinham encabeçado as revoluções do pós-guerra – como o maoísmo ou o hochiminismo – podiam representar uma alternativa, já que, como castas burocráticas, embasavam-se também na dominação de uma minoria sobre as grandes maiorias de trabalhadores e camponeses. Sua ‘política exterior’ não podia ser mais que uma continuação nesses mesmos termos (p. 442).

A isso eles opõem a possibilidade de uma "grande estratégia" marxista centrada no internacionalismo e na perspectiva do comunismo.

Se a estratégia revolucionária é aquela que liga os combates isolados (tática) com o objetivo político da tomada do poder pelo proletariado, a ‘grande estratégia’ da revolução permanente é a que liga globalmente o começo da revolução à escala nacional com o desenvolvimento da revolução internacional e seu coroamento em nível mundial, assim como a conquista do poder com as transformações na economia, nas ciências e nos costumes, com o objetivo de uma sociedade de ‘produtores livres e associados’: o comunismo (p. 445).

Para esse fim, eles se entram em um diálogo crítico com Clausewitz, a conceitualização de Trótski de desenvolvimento desigual e combinado e suas observações sobre estratégia e táticas revolucionárias nas décadas de 1920 e 1930. Em particular, eles apontam para a importância da teorização de Trótski sobre a revolução permanente e sua generalização para incluir os países coloniais e semicoloniais, embora o centro de gravidade esteja nos países imperialistas. Isso permite uma perspectiva global que pode explicar a possibilidade de que a cadeia revolucionária comece na periferia. Porém:

Dessa combinação de elementos, depreende-se que a revolução proletária pode começar pela periferia capitalista, mas somente se ela adquire uma dinâmica expansiva que consiga derrubar a burguesia no ‘centro de gravidade’ – como de fato tentaram os bolcheviques e a III Internacional – pode aspirar a uma vitória duradoura. A desigualdade entre os fatores econômicos e políticos só pode ser resolvida a partir da redefinição de uma nova totalidade (p. 457).

Criticam a forma como essa linha foi assumida pelas diferentes tendências da Quarta Internacional: “a falta de definição correta derivou, alternativamente, na adaptação a diferentes correntes ‘terceiro-mundistas’, à social-democracia, ao stalinismo, ao castrismo, entre outras" (p. 459). Além disso, apontam as limitações estratégicas dessas concepções e a incapacidade de apresentar uma alternativa estratégica viável. Eles apontam como certas concepções de um "governo operário e camponês" levaram a uma subestimação da importância de uma perspectiva anticapitalista, especialmente no caso do SWP americano.

O capítulo 8 volta ao período da Guerra Fria e às "grandes estratégias" articuladas na época, a saber, a contenção e a "coexistência pacífica". Eles insistem que "se a própria existência da URSS e do conjunto dos Estados operários, apesar de seu caráter burocrático, localizavam o proletariado em uma posição politicamente ofensiva em relação ao imperialismo – ‘em que pesem todos os refluxos temporários’ – sob o ponto de vista da ‘grande estratégia’, a suspensão permanente da ofensiva no nível político (e na luta de classes, ali onde a situação abrisse possibilidades) jogava claramente a favor das forças capitalistas” (p. 514). Também instalam um diálogo crítico com a leitura de Isaac Deutscher. Isso permite-lhes oferecer uma visão histórica, a partir de sua perspectiva, desse período.

O Capítulo 9 retoma a estratégia da revolução permanente. Enfatizam a importância da expansão do Estado e a tendência de incorporação das organizações das classes subalternas e dos processos de burocratização reforçados. Eles também discutem se as organizações de trabalhadores fazem parte do Estado. Eles sugerem que

a ‘ampliação’ do Estado não elimina a possibilidade de que haja sindicatos não estatizados (como se todos, segundo Althusser, fossem simplesmente ‘aparelhos’ do Estado); os sindicatos podem ser recuperados das mãos da burocracia. O que desaparece é a possibilidade de que se mantenham ao longo do tempo como ‘neutros’ (nem estatizados, nem revolucionários), justamente porque o Estado e a burguesia atuam em seu interior (p. 545).

Nesse sentido, eles se opõem à sugestão de que o Estado é a condensação de uma "relação de forças", como teoriza Poulantzas [16], insistindo que isso pode levar ao abandono reformista de uma estratégia insurrecional.

ilustração: @059jorge

Na opinião dos autores, a restauração capitalista e a expansão sem precedentes das relações de exploração capitalistas foram acompanhadas por uma ampla fragmentação da classe trabalhadora. Eles destacam a importância da burocratização das organizações da classe trabalhadora, mas também das formas organizativas dos "novos movimentos sociais".

A forma que o ‘Estado integral’ assumiu na ‘Restauração burguesa’ significou a criação e/ou o fortalecimento de burocracias próprias de cada um desses movimentos, tendo como resultado sua progressiva estatização. Esta ocorre seja por meio de vínculos com o Estado feitos pelas ONGs (verdadeiras ‘ordens mendicantes do Império’, como as denominou Toni Negri), seja diretamente por meio de ‘departamentos’ estatais específicos (ministérios, secretarias, agências) que cumprem as tarefas de cooptação e regulamentação no interior dos ‘movimentos (p. 555).

Os autores insistem que a crise global iniciada em 2008 marca um ponto de inflexão, no qual a crise capitalista se une ao longo processo de declínio da hegemonia dos EUA e ao surgimento paralelo de novas formações de extrema direita e partidos neorreformistas como SYRIZA e Podemos. Assim formulam suas críticas às posições neorreformistas:

Hoje, o ‘neorreformismo’ é a expressão política das tentativas de canalizar a capacidade de manobra das classes subalternas que melhor se adapta às formas da estrutura sociopolítica do ‘Estado integral’ tal qual se apresentam na atualidade (no contexto dos elementos de “crises orgânicas” que permeiam muitos Estados como resultado da crise capitalista). É complementar à fragmentação material da classe operária e à separação de seus aliados.
Trata-se de um reformismo pequeno-burguês que não se entrecruza com o núcleo da burocracia sindical, já que, diferentemente do reformismo clássico, não se baseia nos batalhões centrais da classe operária, mas tem sua influência principal entre os jovens universitários (‘supereducados’ para os padrões capitalistas e subempregados), assim como na juventude precarizada e, em alguns casos, nos trabalhadores estatais (p. 559-60).

Contra o neorreformismo, os autores sugerem a necessidade de uma versão atualizada da Frente Única:

Assim, a conclusão lógica da frente única é a tática de ‘governo operário’ em seu sentido anticapitalista e revolucionário, com a exigência às direções reformistas e/ou centristas de que armem o proletariado para a defesa diante das forças burguesas contrarrevolucionárias, que instaurem o controle operário generalizado da produção e que façam recair sobre os capitalistas o peso da crise (p. 566).

Eles tentam integrar essa concepção em uma teoria da revolução permanente e vinculá-la à discussão das formas de desintegração das formas contemporâneas de hegemonia, concepção que também evita as armadilhas de qualquer pensamento de colapso da hegemonia ou de vazio hegemônico. Neste contexto

a revolução permanente, como viemos afirmando ao longo deste livro, é o que chamamos de uma ‘teoria-programa’. Como teoria, elenca uma série de leis tendenciais sobre as forças motrizes e a mecânica da revolução na época imperialista, tanto no que diz respeito à relação entre os objetivos democráticos e socialistas, entre a revolução nacional e internacional, quanto no que concerne à revolução socialista como tal. Ela não se limita, porém, simplesmente a descrever essas tendências, mas contém, ela própria, um tipo de articulação programática particular (p. 573-4).

Avaliação crítica

Este é um livro de abrangência impressionante que tenta discutir questões de estratégia militar e política e retomar alguns dos debates estratégicos mais importantes do movimento operário, para apoiar uma abordagem estratégica revolucionária que é baseada em Lênin, Trótski e em um certo diálogo com Gramsci. Entre os muitos méritos do livro, gostaria de destacar o seguinte.

Em primeiro lugar, é muito importante contar com livros que abordam os grandes debates estratégicos da história do marxismo e do movimento operário. Numa época marcada pelo pragmatismo eleitoral (ou mesmo oportunismo) ou dogmatismo sectário, é mais do que bem-vindo retomar os debates e argumentos articulados em seu contexto.

Em segundo lugar, a própria escolha de examinar as teorias marxistas da guerra, começando com a leitura de Clausewitz por Lênin, representa não apenas uma contribuição importante para a literatura, mas também um lembrete útil de um aspecto da tradição marxista que tende a ser esquecida.

Em terceiro lugar, é importante que seja um livro que busca examinar as noções estratégicas e ver sua potencial relevância para a conjuntura contemporânea e seus desafios, da frente única à revolução permanente, apresentando a riqueza da discussão, juntamente com os recursos textuais necessários. É especialmente importante a tentativa de um certo diálogo estratégico entre as respectivas posições de Trótski e Gramsci.

Ao mesmo tempo, existem alguns pontos críticos que podem ser levantados em relação ao livro. Há uma tendência a apresentar Lênin e Trótski de forma quase hagiográfica, no sentido de sugerir o acerto de todas as suas posições. Seria muito melhor se também fossem evidenciadas as contradições, oscilações e questões em aberto, bem como a forma como as suas posições evoluíram justamente nos problemas que enfrentaram. Da mesma forma, outras posições são apresentadas de forma controversa, como se seu caráter errado fosse dado como certo. E creio que alguns debates, como os dos anos 70 sobre a estratégia e o papel do Estado, requerem uma leitura mais atenta, apesar de suas contradições e lacunas. Por outro lado, às vezes, debates e tensões dentro da corrente mais ampla da Quarta Internacional ou eventos contemporâneos recebem um peso que parece desproporcional. Também acredito que a importância de Clausewitz parece exagerada em certos casos, e o mesmo se aplica à maneira como é apresentada a influência de Clausewitz sobre Lênin. Embora este seja um aspecto importante, é óbvio que a concepção de Clausewitz também tem limites, e que a abordagem marxista da guerra é muito mais complexa, justamente porque o marxismo tem uma abordagem muito mais complexa da política em sua articulação com as lutas de classes e os modos de produção específicos historicamente determinados.

Mas essas observações críticas não devem nos levar a subestimar a importância deste livro, sua abrangência e o significado das questões estratégicas que ele levanta e o modo como ele representa uma contribuição importante para questões tão abertas quanto urgentes. O fato de em breve estar disponível em uma versão em inglês fará com que esta pesquisa alcance um público mais amplo.

Tradução: Julie Silva.

Referências

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Giáp, Võ Nguyên (1970), The Military Art of People’s War: Selected Writings of General Vo Nguyen Giap, edited by Russell Stetler, New York: Monthly Review Press.

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Kautsky, Karl (1983), Selected Political Writings, edited and translated by Patrick Goode, London: Macmillan.

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