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Crise no Haiti
O assassinato do presidente Moïse e a crise no Haiti
Omar Floyd

O magnicídio da madrugada desta quarta-feira surpreendeu o mundo. Neste artigo de opinião analisamos o ocorrido à luz dos acontecimentos dos últimos anos no Haiti.

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Que aconteceu no Haiti?

Nesta madrugada, o presidente do Haiti, Jovenel Moïse, foi morto a tiros em sua residência por volta da 1h, enquanto estava junto à primeira-dama Martine Moïse, que ainda permanece em estado grave. O empresário do ramo de bananas, que assumiu a presidência do país depois de obter 55, 6% nas polêmicas eleições de 2016 representando o partido liberal Tet Kale (fundando pelo seu antecessor e mentor Michel Martelly), levava adiante um dos governos mais turbulentos da América Latina. Seu governo vinha sendo atormentado por constantes processos de mobilização contra os ferozes planos de austeridade que seu governo aplicou em um dos países mais pobres do mundo.

Desde 2018, os protestos e denúncias de corrupção não pararam de crescer e o aumento dos combustíveis em 2019 provocou um surto social que dissolveu a pouca autoridade que ainda tinha o Governo, que só pôde manter-se no cargo devido a acionar o criminal Aparato Repressivo do Estado, o controle territorial de grupos armados e protegidos pelo Governo, os empresários e comerciantes locais, e o apoio irrestrito do imperialismo norte-americano e da OEA às suas políticas de ajuste e repressão.

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Nessas condições e em meio à pandemia de Covid 19, o presidente Moïse decidiu não deixar o cargo uma vez que seu mandato terminou em fevereiro deste ano e continuou no poder sob um golpe de Estado. Durante o mesmo, numerosos massacres foram perpetrados contra dirigentes sindicais e jornalistas. Por sua vez, a oposição política e os setores empresariais inimigos de Moïse formaram um governo interino de oposição à ditadura, encabeçado pelo juiz Joseph Mécène, de 72 anos, e formado a partir de uma resolução do Conselho Superior de Justiça que dava por concluído o mandato de Chefe de Estado no dia 7 de fevereiro de 2021. O ditador assassinado propôs um novo calendário eleitoral com a realização de eleições legislativas em setembro, presidenciais em novembro e uma reforma constitucional para criar o cargo de vice-presidente e eliminar o de primeiro-ministro, formar um sistema legislativo unicameral e permitir que os haitianos que vivem no exterior possam votar e ser eleitos.

Quem foi Jovenal Moïse?

Filho de um comerciante e de uma costureira, Moïse nasceu em 26 de junho de 1968 em Trou-du-Nord, uma zona rural no Nordeste do Haiti. Estudou Ciências da Educação na Universidade de Quisqueya, localizada em Puerto Príncipe. A sua intervenção pública não esteve associada à política, mas sim ao mundo dos negócios, na década de 90 iniciou a sua meteórica e inexplicável ascensão como humilde vendedor de automóveis, que rapidamente expandiu o seu negócio e passou a dedicar-se ao cultivo e exportação de bananas.

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Em menos de uma década, ele se tornou secretário-geral da Câmara de Comércio e Indústria do Haiti e se tornou um dos homens mais poderosos do país. Próximo ao presidente Martelly, ele estabeleceu redes de clientes no negligenciado mundo agrícola e desenvolveu iniciativas relacionadas a biocombustíveis, energia eólica e solar. Com a proposta de dar continuidade à orientação liberal de seu antecessor e de promover programas que permitam o acesso à eletricidade e água potável aos setores rurais empobrecidos (majoritariamente em condições de extrema pobreza) sua figura foi projetada politicamente e obteve o apoio necessário para apresentar sua candidatura. Naquela época, derrotou Jude Célestin em eleições marcadas por denúncias de fraude em 2015. As quais foram anuladas e novamente realizadas em 2016, quando finalmente conseguiu se tornar presidente em um clima ainda rarefeito, o primeiro cargo público de sua vida.

O espiral de violência e a crise humanitária haitiana

Com cerca de vinte governos nos últimos 35 anos, o Haiti é a nação da região que teve mais governos em menos tempo desde o final do século XX. Moïse assumiu a administração de um país em condições de emergência humanitária, alimentar e de sanitária crônicas. Isso se acentuou de forma abrupta desde o terremoto de 2010, que matou quase 300.000 pessoas e destruiu a precária infraestrutura que abastecia milhões de haitianos com água e energia, que nunca foi totalmente reconstruída.

Suas políticas careceram totalmente de autonomia, beneficiaram apenas os setores econômicos com os quais estava comprometido e eram ditadas de acordo com as necessidades dos Estados Unidos. Lembremos que o imperialismo norte-americano controla as principais fontes econômicas e institucionais do país desde sua intervenção em 2004 contra o governo de Jean Beltrand Aristide (que já havia sido derrubado de seu primeiro mandato por uma invasão norte-americana em 1993). Isso contou com o apoio de uma “Força de Paz” multilateral formada pela ONU chamada Minustah e formada por países como França, Brasil, Chile e Argentina, entre outros.

O país caribenho também sofre com um constante aumento da violência e do gangsterismo de máfias com cobertura empresarial e governamental que atualmente são o único fator de poder estável na maior parte do território. O fenômeno das gangues criminosas, agrupadas em Cofradías que agem impunemente como o chamado G9, é abertamente apoiado pelos detentores do poder. Isso deu origem a uma Economia da Violência baseada na exploração do tráfico, extorsão e sequestro como práticas cotidianas.

Esses grupos têm a capacidade de estender suas ramificações às comunidades haitianas de Miami, Montreal e Chile e controlar grande parte das remessas que chegam ao país. Seus integrantes possuem um arsenal de armas de guerra superior ao da Polícia e do Exército (que na verdade os controlam por dentro) e obrigam funcionários e empresários a pagar altas taxas por sua "proteção". Encontraram-se em seu poder armas do Ministério do Interior, com as quais perpetraram massacres como a de La Saline, na qual foram executadas 60 pessoas, entre elas mulheres e crianças.

Tudo indica que o crime de Moïse se insere no quadro de uma profunda crise política, econômica e social com altos níveis de violência estrutural (repressão estatal, protagonismo de gangues paramilitares, pobreza extrema, elementos de desintegração do Estado, etc.) que se agravaram sob sua gestão, mas que arrasta há anos. O governo foi deixado nas mãos do primeiro-ministro Claude Joseph, que havia sido destituído ontem (6) pelo governo de fato que nomeou Ariel Henry, que não pôde assumir o cargo. Joseph decretou o Estado de Sítio em todo o país, fechou os aeroportos e apontou que os primeiros indícios culpam "um grupo de criminosos estrangeiros não identificados" pelo assassinato, hipótese para a qual não foram fornecidas provas até o momento.

 
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