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DEBATES NA ESQUERDA
Os atos de rua e a construção da frente única na esquerda
Odete Assis
Mestranda em Literatura Brasileira na UFMG

Desde que as mobilizações de ruas voltaram à cena em nosso país, a discussão sobre como se constrói uma frente única na luta contra Bolsonaro, tem sido tema de alguns dos debates entre as organizações de esquerda. Nesse artigo pretendemos entrar nas discussões que se dão em especial entre as organizações que compõem a Frente Brasil Popular e Povo sem Medo, que reúne partidos como PT, PCdoB e PSOL e entidades como CUT, CTB e UNE, e a Frente Povo na Rua, Fora Bolsonaro, dirigida pela Unidade Popular, MES-PSOL e PCB.

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Nos últimos anos, o Brasil proporcionou acontecimentos políticos capazes de fazer inveja aos roteiristas da Netflix. Podemos dizer que agora, estamos em um daqueles momentos de viragens bruscas, quando alguns fatos se tornam decisivos para pensar os rumos do país, e nesse caso, saber quem são os atores envolvidos conta muito. Em uma semana vimos a denúncia de corrupção das vacinas na CPI da Covid escancarar o desprezo que o governo Bolsonaro tem diante da vida dos brasileiros, gerando uma importante crise política. Tudo isso foi agravado pela revelação de cobrança de propina na compra da Astrazeneca. Golpes habilidosos, muito bem articulados com os interesses do Partido Democrata, que fizeram com que a CPI, que até então caminhava sem um propósito claro, ganhasse um novo sentido, trazendo a possibilidade de destituir Bolsonaro como uma ameaça para possibilitar que emerja uma terceira via de direita rumo as eleições de 2022, conforme analisamos aqui.

Nesse marco, ambas as frentes estavam unificadas com Joice Hasselmann e Kim Kataguiri para apresentar um novo pedido de impeachment, “um super pedido” que foi aclamado por diversas figuras justamente porque estavam representando a capacidade de unir esquerda e direita. Mas a cena dos povos indígenas se mobilizando do outro lado do planalto, enquanto os dirigentes das principais entidades e partidos de esquerda posavam para foto com essas figuras arquireacionárias, talvez seja a imagem mais clara do que representa essa estratégia de apostar todas as suas fichas para convencer que Lira e o Congresso decidam eleger Mourão como o novo representante dos seus interesses.

Sobre a política do PT e seu duplo discurso em relação ao impeachment, recomendo muito a leitura da coluna"Afinal, o PT quer derrubar Bolsonaro?”, de Diana Assunção. Mas aqui neste artigo nos concentraremos, em primeiro lugar, no debate apresentado por Valério Arcary, dirigente da Resistência-PSOL, que em seu último artigo tenta teorizar sobre um suposto ultraesquerdismo clássico que veio se expressando com o desenvolvimento das manifestações. E com a política da UP, MES e PCB que buscam se diferenciar dessa visão.

É assim que uma das organizações que mais vem se adaptando às burocracias petistas, agora taxa de ultra esquerdismo tudo o que questione essa lógica burocrática, mesmo que de forma limitada. Mas afinal, o que esperar daqueles que vem sendo o braço esquerdo das burocracias do PT e PCdoB para desarticular a auto organização dos trabalhadores e estudantes, como vimos na greve do metrô de São Paulo e nas diversas assembleias estudantis de preparação para os atos. No afã de defender que os burocratas das entidades sindicais, estudantis e dos movimentos sociais possam continuar decidindo como levar adiante a mobilização, para que sejam controlados, ordeiros e não fujam dos seus objetivos eleitorais, Arcary busca combater qualquer possibilidade de questionamento, tudo para ele se trata de radicalismo.

Em seu pensamento a lógica é invertida: culpa as massas por não estarem dispostas a fazer ações mais radicalizadas em sua luta, e como consequência defende que a saída para conseguir a unidade é se subordinar às decisões das direções burocráticas, já que são elas as que podem dialogar com as massas. Estaríamos fadados a implorar para que Lula vá na manifestação como fez a Resistência? Não. A classe trabalhadora foi se desmoralizando justamente pelas batalhas não dadas pela burocracia, que deixou passar toda obra do golpe institucional, com suas reformas, privatizações e ajustes, e agora é capaz de tudo para impedir que na luta contra Bolsonaro os trabalhadores se coloquem em cena com seus métodos. Por isso, nossa luta pela unidade da classe trabalhadora e da esquerda também precisa ser uma luta contra essas burocracias, exigindo que estas parem de trégua com o governo e organizem a luta.

Em oposição a esse tipo de pensamento, os setores que constroem a “Assembleia” Povo na Rua (UP, MES e PCB), buscam se delimitar como se estivessem construindo um polo independente da esquerda, ao chamar suas atividades próprias, que na prática se tratam de lives onde somente as organizações dirigentes e seus convidados tem direito a fala. Com essa iniciativa buscam dialogar também com os setores da juventude que ficaram revoltados com a espera de um mês para o chamado de um novo ato e com a condenação por parte de alguns dirigentes de partido e movimentos sociais as ações mais radicalizadas do que os pacíficos e ordeiros atos das burocracias, essa juventude que Arcary chama de ultra-esquerdistas.

No entanto, é preciso ter claro que apesar de organizativamente tentarem se colocar como um polo separado das burocracias, essa frente pouco está fazendo para de fato apresentar uma outra concepção para a construção da unidade na luta. Na política, como dissemos, ambos estão fechados no impeachment com a direita, inclusive vale ressaltar o protagonismo de Fernanda Melchionna do MES, integrante desta frente, no palanque do super pedido com Joice Hasselmann e Kim Kataguiri. E apesar de terem tirado como resolução da sua última live a defesa de assembleias de base e em abstrato e colocarem nas suas falas a necessidade de uma greve geral, isso não tem sido implementado na prática. Nos locais de trabalho e estudo não vemos essas correntes batalharem por assembleias de base para preparar o dia 3 e muito menos articular a exigência das burocracias da CUT e CTB para que construam de fato uma greve geral. Qual assembleia de base foi organizada pra esse objetivo? Não se sabe.

Leiam também: PSOL, PSTU, UP e PCB: pedem impeachment com a direita, na contramão de fortalecer a luta

Aos trabalhadores e jovens que diante desse cenário se perguntam como então podemos de fato conquistar uma unidade da esquerda para derrotar Bolsonaro e Mourão, sem nos subordinar à espera de 2022, sem deixar que desviem nossa luta nas ruas para saídas eleitorais, apresentamos a proposta de que a esquerda impulsione um Comitê Nacional pela Greve Geral. Como um espaço que possa reunir os milhares de ativistas que se colocam essas questões todos os dias, como um verdadeiro polo que não seja uma saída paralelista às direções, mas que justamente batalhe contra as burocracias das nossas entidades, defendendo a realização de assembleias de base para a organização de um plano de lutas que possa culminar numa greve geral contra Bolsonaro, Mourão e os ataques. Inclusive a CSP Conlutas poderia se somar a esse chamado, já que defendem a política da greve geral organizando em suas bases.

Um espaço assim nos permitiria de fato buscar selar uma aliança entre a classe trabalhadora, a juventude, nos movimentos sociais, os povos originários, e não com a direita golpista como é o impeachment. Também nos permitiria debater as diferentes estratégias da esquerda. Desde o MRT, acreditamos que ao colocar de pé uma luta para derrubar Bolsonaro e Mourão com os métodos da nossa classe, como é a greve geral, podemos avançar para golpear esse regime de conjunto, afinal enquanto a direita rasga a constituição de 88, nós queremos dialogar com as aspirações de todos os que querem defender seus direitos democráticos, apontando que o caminho passa pela unidade na luta para mudar não apenas os jogadores, mas as regras do jogo. Ou seja, batalhar para impor com nossa mobilização uma nova assembleia constituinte livre e soberana, que revogue as reformas, as privatizações, que garanta o direito à demarcação das terras indígenas, que permita com que seja a população aquela que de fato debata todos os grandes problemas do país. O que só será possível com nossa auto-organização para superar as direções burocráticas e também se enfrentar com a resistência dos capitalistas.

Ao contrário de temer aqueles que querem apresentar uma saída radical diante da crise capitalista, nós buscamos tirar as conclusões mais profundas dos processos da luta de classes, como no Chile, na Colômbia, nos EUA e na França, não para que essas mobilizações se limitem a buscar saídas institucionais como a ampla maioria da esquerda brasileira vem defendendo hoje. Mas para que ela possa apontar um caminho de organização da nossa classe, buscando uma estratégia que possa fortalecer nossa luta rumo à construção de um governo dos trabalhadores de ruptura com o capitalismo.

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Foto: Pedro Rocha/Sintufrj

 
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