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França: O colapso político e moral da esquerda do NPA
Jean-Philippe Divès

Jean-Philippe Divès foi, por muitos anos, militante da Ligue Socialiste des Travailleurs, parte francesa da LIT fundada por Nahuel Moreno, mais tarde militou na Ligue Communiste Révolutionnaire (LCR) até a fundação do NPA, do qual passou a fazer parte, onde ele se tornou um dos editores de seu jornal teórico L’Anticapitaliste. Juntamente com F. Chesnais, é co-autor do livro ¡Qué se vayan todos! Le peuple argentin se soulève (Ed. Nautilus, 2002). No último congresso do NPA em 2018, foi signatário da “plataforma Z” em conjunto com a CCR, com a qual desde então vem trabalhando em colaboração. Ele é um dos signatários da recente declaração em que quase 300 militantes do NPA convocam a construção de uma nova organização revolucionária.

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Foto: Révolution Permanente

Isto é o que, não verdadeiramente chocados, mas realmente tristes, assistimos transcorrer em 22 e 23 de maio de 2021, durante o último Conselho Político Nacional (CPN) da NPA.

Outro artigo debruçou-se sobre o desenrolar desse CPN, responsável pela preparação de uma Conferência Nacional (CN) sobre as eleições presidenciais, bem como alguns dos eventos que a precederam. Vamos apenas lembrar, ao introduzir essas linhas, que os dois setores da esquerda do NPA [1], numericamente mais significativos depois da CCR/Revolução Permanente (e seus aliados, dentre os quais está o autor deste texto), deram passos em direção a um processo de “convergência” com a antiga maioria, ao mesmo tempo em que endossam as manobras destinadas a nos excluir.

Uma capitulação política...

A convergência política manifestou-se em dois níveis. Primeiro, o das “plataformas” que apresentam o conteúdo político e programático submetido à CN. Tanto uns (membros da Étincelle e A&R) quanto outros (membros da pU) se abstiveram – na maior parte do segundo caso – em suas respectivas plataformas. Foi uma forma de permitir que cada uma dessas plataformas obtivesse uma maioria relativa dos votos no CPN, mas também, e acima de tudo, para enviar a mensagem política inequívoca de um desejo compartilhado de obter uma posição comum desde já até a CN. Segundo, o do candidato a ser proposto para as eleições presidenciais. Além da votação que acaba de ser mencionada, uma série de intervenções indicaram que as antigas correntes de esquerda, que agora se apresentam como “no centro” do NPA, não serão obstáculo à escolha de Philippe Poutou, explicitamente anunciado no texto da pU para a CN.

No entanto, enquanto permanece um dos porta-vozes do NPA, Philippe Poutou também é o da lista, constituída para as eleições regionais em Nouvelle-Aquitaine, entre a França insoumise (LFI) e a “NPA en lutte” (membro da pU). Este último, uma fração muito minoritária no seio do NPA desta região, tomou unilateralmente a decisão de compor uma lista conjunta com a LFI, sem qualquer voto de qualquer órgão regular, mas com o apoio pouco velada da pU nacional. O cabeça da lista, Clémence Guetté, é secretário-geral do grupo LFI na Assembleia Nacional e corresponsável pelo desenvolvimento do programa presidencial de Jean-Luc Mélenchon para 2022. Philippe Poutou aparece como seu principal apoio em cartazes, folhetos e outros materiais de campanha.

Qualquer candidato do NPA (ou mais amplamente da extrema esquerda) para a eleição presidencial de 2022 será confrontado com a acusação de “dividir a esquerda radical” e, assim, enfraquecer as possibilidades de Mélenchon chegar ao segundo turno, enquanto este último aparece como o único capaz de questionar “pela esquerda” o cara a cara anunciado entre Macron e Le Pen. Do ponto de vista estritamente eleitoral-institucional, o argumento não é necessariamente absurdo. Como Philippe Poutou poderia responder? Como ele justificará a oposição ao candidato da LFI, depois de ter apoiado a LFI e seu programa nas eleições regionais?

... e moral

Nesse tipo de situação, os aspectos políticos e morais estão frequentemente intimamente ligados. Em 1979, por exemplo, a maioria da LCR e do Secretariado Unificado (o referencial internacional da pU que, embora muito enfraquecido, continua a se autointitular a “Quarta Internacional”) excluíram os opositores de sua política de capitulação às novas autoridades sandinistas da Nicarágua, enquanto cobriam – e até, a princípio, aprovavam! – a repressão exercida por este governo contra os trotskistas, em particular os combatentes estrangeiros da brigada Simon Bolivar (presos, espancados e depois expulsos do país).

O contexto atual é evidentemente menos dramático, uma vez que não se trata de se posicionar diante dos processos de revolução e contrarrevolução, mas “apenas” em relação ao reformismo, à política a ser perseguida diante deste e às pressões que exerce sobre a organização que reivindica ser anticapitalista. Mantém-se, no entanto, de outra forma, a correlação entre problemas políticos e morais e, portanto, também “princípios”.

É assim, como o explicita o artigo de RP ao qual me refiro no início desta contribuição, que os camaradas da fração L’Etincelle e da corrente A&R, ao mesmo tempo em que trabalhavam em sua aproximação com a pU, se recusaram a defender os direitos democráticos elementares dos militantes da CCR (e da nossa plataforma comum do último congresso), impedindo a adoção da moção mínima que visava preservá-los. É por isso que também nenhum representante das várias tendências “de esquerda” teve a menor reação quanto, após o fim do CPN de 22 a 23 de maio, a pU leu, e depois imediatamente publicou dentro do NPA, uma “declaração” que concluía com o apelo para formalizar a exclusão de seus oponentes: “A CCR (...) se comporta como um partido diferente hostil ao NPA. A Conferência Nacional deverá, portanto, tomar nota dessa nova realidade organizacional.”

É verdade que, como afirmaram e demonstraram ao longo do fim de semana, esses setores não se veem (ou, no caso de alguns, não se vêem mais) como adversários políticos da pU, mas como correntes que simplesmente expressam opiniões ou críticas que supostamente servem ao “interesse geral” do NPA.

Um teste perdido

Esse resultado é ainda mais deplorável uma vez que, somadas, as correntes “de esquerda” do partido constituem, desde o último congresso realizado em fevereiro de 2018 (já há três anos e meio, enquanto os estatutos preveem que “o congresso ocorra pelo menos a cada dois anos”!), uma clara maioria dentro do NPA.

Posta na minoria neste congresso, com 49,72% dos mandatos, a pU manteve sua maioria dentro do executivo graças ao entendimento benevolenteda fração L’Etincelle, cuja delegação ao CPN havia concordado em concedê-la, a seu pedido, uma “maioria de trabalho”. Mas isso não a impediu de perder incessantemente sua influência, a ponto de não representar mais que 40% dos militantes ou pouco mais que isso. A razão fundamental para isso é que, sob sua liderança, o NPA não tem sido capaz de propor uma política independente diante das ondas de greves e mobilizações que se seguiram umas às outras desde 2016 e, portanto, um perfil e perspectivas que são atraentes e capazes de entusiasmar as novas camadas militantes que surgiram.

Confrontada com fracasso, a antiga maioria optou por avançar através de uma política de mãos dadas com a LFI, hoje a principal força da esquerda reformista com pretensões radicais. Os acordos eleitorais feitos em Nouvelle-Aquitaine, mas também na Occitania, neste último caso, de forma ainda mais oportunista, prevendo, mesmo, a possibilidade de uma fusão em segundo turno com o PS, são as primeiras ilustrações disso.

A liderança da pU, principal emanação francesa da Secretariado Unificado, não faz, desta forma, outra coisa que aplicar as concepções e seguir o curso geral de sua corrente internacional, que tem multiplicado aventuras tão oportunistas quanto catastróficas – como no Estado espanhol, onde o Podemos, que a organização Anticapitalistas (“seção” da SU) contribuiu em grande parte para criar e lançar, acaba de se afogar em um mar de colaboração de classes e gestão institucional do Estado monárquico burguês.

Se aliando, mesmo que apenas nas questões sobre as quais já concordam entre si, as correntes de esquerda teriam colocado a pU em minoria e poderiam começar a dar ao NPA um novo rumo político, desejado pela maioria dos militantes. Foi com esse objetivo que, ao longo do último período, mantivemos por quase seis meses reuniões conjuntas regulares com a A&R, bem como com a DR (Démocratie révolutionnaire) – e mais episódicas, por sua própria vontade, com a fração l’Etincelle. Mas essas reuniões caminharam em círculos e não deram em nada, devido à recusa dos outros participantes de ir além de uma reação inicial comum à primeira ofensiva secessionista da pU, no verão de 2020.

Por fim, os camaradas da l’Etincelle e da A&R escolheram o caminho oposto: não uma frente comum para colocar a pU em minoria, trabalhando para construir uma alternativa revolucionária independente, mas um acordo com a pU “em defesa do NPA”, que nós mesmos teríamos supostamente “atacado” apresentando a pré-candidatura de Anasse Kazib, dirigente da luta de classes e antiburocrática das últimas greves ferroviárias, e referência de setores significativos da vanguarda operária.

Há momentos, em confrontos políticos como na luta de classes, em que as correntes revolucionárias têm que passar por testes um tanto sérios, que impõem, para se mostrar à altura, romper com concepções e rotinas do passado. A&R, assim como a fração l’Etincelle, obviamente falharam. Pouco importa que fossem “táticas” destinadas a preservar sua existência do grupo - para eles necessariamente interna ao NPA, uma vez que não vislumbram qualquer perspectiva fora dessa organização, que, no entanto, está em crise total - ou os primeiros passos de uma evolução política que seria então trazida à luz: em ambos os casos, o resultado é o mesmo.

O novo/velho projeto político da pU

A exclusão da CCR/Revolução Permanente é o ápice de um processo de mais de um ano. A pU lançou-o no início de 2020, após o movimento e as greves em defesa das pensões. A CCR havia sido a única corrente do NPA a mostrar-se capaz de convencer dezenas de dirigentes dessas mobilizações a se juntarem a uma luta revolucionária independente. Em pânico com a perspectiva de se tornar uma minoria permanente e, assim, perder o controle da organização que havia fundado, a antiga maioria do NPA então lançou sua ofensiva (então refocada apenas na CCR) contra as “frações” diferentes da sua, com o objetivo de discipliná-las ou empurrá-las para fora.

De modo um tanto surpreendente, nos dias 22 e 23 de maio, ouvimos dirigentes de conhecidas correntes de esquerda dizerem que o NPA “não falhou” e que, pelo menos, se não há outras razões para cantar seus louvores, ele “tem o mérito de existir”! Os líderes da pU, que controlaram desde o início a gestão e o pequeno aparato do NPA, estão muito cientes do fracasso do projeto lançado em 2009, mesmo que se recusem a assumir a responsabilidade por isso e o culparam nas “frações”, antes de focar seus ataques na CCR.

Deve-se dizer que, ao mesmo tempo, também recusam qualquer questionamento sobre sua doutrina do “partido amplo anticapitalista”, sem definições revolucionárias claras e assumidas, sem uma estratégia além da “unidade” para resistir aos ventos julgados unilateralmente contrários, sem orientação independente nas lutas e sem uma política de construção.

Em um texto de 10 de maio de 2021 intitulado “A la croisée des chemins” [“Na encruzilhada”], os membros da pU no comitê executivo do NPA reafirmaram sua “oposição a qualquer política centrada em partidos de vanguarda”; ou seja, sua oposição à construção de uma organização revolucionária que se coloque o objetivo de reunir os setores mais avançados de nossa classe para preparar para revolução. Ao fazê-lo, eles repetem o conhecido refrão de que “a linha estava certa, mas não foi (ou não poderia realmente ser) aplicada”; neste caso, devido a circunstâncias adversas inesperadas e à má vontade da CCR. No entanto, pretendem voltar ao trabalho o mais rápido possível, e é por isso que eles fizeram um primeiro gesto nas eleições regionais para os militantes da France Insoumise.

Seus companheiros do Anticapitalistas no Estado espanhol fazem o mesmo balanço de sua experiência com o Podemos, um projeto que eles haviam imaginado e que não teria visto a luz do dia sem sua ajuda. Após a entrada do Podemos no governo “socialista” de Pedro Sánchez, um dirigente do SU no Estado espanhol continuou a reivindicar a “forte aposta” que consistia, em suas palavras, em “sair da zona de conforto em que estão instalados tantos pequenos grupos e seitas da esquerda radical que limitam sua atividade à autoconstrução, à denúncia, ao aconselhamento de outros agentes políticos e ao propagandismo, sem ter a vontade ou a capacidade de conceber projetos políticos para a ação das massas e em relação a elas”. Mas uma das condições – continuou ele – para poder empreender, quando as condições forem favoráveis, novas aventuras desse tipo, será “a necessidade de ter uma preparação ideológica e estratégica significativa (...) agir de forma homogênea, com pensamento estratégico, habilidade tática e criatividade organizacional” [2].

Dentro do NPA, isso envolve separar-se daqueles que têm uma “tendência (...) a resumir as dificuldades que nosso campo social enfrenta às ‘traições’ das principais organizações da esquerda social e política, e propor como única perspectiva o reagrupamento dos elementos mais revolucionários da classe trabalhadora em um partido sob a liderança da qual toda a classe poderia levantar a cabeça.” . Tendo como chave, ainda segundo os autores do texto citado, “práticas sectárias nas mobilizações sociais, que é sempre uma questão de ‘corte’ entre os mais e os menos ‘radicais’, assim como a recusa da construção leal de qualquer estrutura básica (sindical, coletiva, associação, coordenação...) se não está sob a direção exclusiva de militantes revolucionários.”

Desde a chamada “Rejoignons-nous” – da qual vários membros e líderes da pU foram co-iniciadores – a outras expressões na mesma linha, incluindo, é claro, os acordos eleitorais com a LFI, sobram sinais que prevêem um projeto político significativamente diferente do do NPA das origens. Este último, apesar de todas as suas inadequações, manteve sua independência em relação à esquerda reformista, mesmo a chamada “radical”, sem mencionar sua recusa a qualquer acordo eleitoral com a “esquerda” burguesa (PS e EELV). Isso causou-lhe no início três rachas sucessivos, partindo para a Front de gauche, antecessora da LFI: a Gauche unitaire, depois a Convergences et alternative, e finalmente a Gauche anticapitaliste.

Com seus “acordos unitários” nas eleições regionais, a pU acaba de derrubar as barreiras que mantinha até então. Obviamente, também está preparando novas “recomposiçãos”, uma primeira etapa da qual seria a reunificação dentro da mesma organização dos membros do Secretariado Unificado na França, atualmente dispersos entre NPA, LFI e Ensemble.

Na estrada para o esquecimento

Após nossa exclusão, a pU deve recuperar uma maioria numérica no NPA, permitindo que ela prossiga com mais tranquilidade sua política. Podemos esperar que inicialmente, pelo menos até o final da corrida presidencial, observe uma “trégua” com as outras correntes que permanecem ao seu lado. Mas então as coisas podem mudar.

As correntes de esquerda ou anteriormente de esquerda que endossam nossa exclusão para continuar a se beneficiar do guarda-chuva do NPA se verão então expostas ao mau tempo em terreno aberto. Após o fracasso previsível da terceira candidatura de Poutou, serão acusados de todos os males. Mesmo que seus militantes, ou uma parte significativa deles, tenham, apesar de suas discordâncias, participado honestamente da terceira campanha do Poutou e/ou na busca das assinaturas dos prefeitos [3], suas “frações” serão consideradas responsáveis pelo fracasso: por razão de que sua estrutura, sua imprensa, seus folhetos próprios, isto é, sua própria existência, terão contribuído para enfraquecer o esforço conjunto essencial. É então que virá a imposição: ou você se submete até o fim, ou você sai.

Os excluídos de hoje sabem que o caminho que escolheram será difícil e repleto de obstáculos. Mas é infinitamente mais digno, entusiasmante e potencialmente produtivo do que o da renúncia que só leva ao desaparecimento e ao esquecimento.

 
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