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OPINIÃO
Maior número de greves na história recente: primeiras hipóteses lendo os dados do DIEESE
Leandro Lanfredi
Rio de Janeiro | @leandrolanfrdi

Com grande atraso o DIEESE divulgou no último dia 16 seu balanço das greves de 2013. Nele se expressa que o ano de 2013 confirmou o que todos percebiam, foi o ano com o maior número de greves em toda a série histórica, iniciada em 1984. Este estudo é o mais abrangente que é publicado no país, mas seguramente não cobre perfeitamente o número das greves, nem expressa com ênfase os elementos de qualidade das greves, por exemplo, não mede “greves selvagens”, o que tornará incompreensível o ano de 2014, por exemplo, marcado por muitas greves contra os sindicatos como os garis do Rio, rodoviários em várias cidades do país, para isto, neste artigo buscaremos tecer algumas hipóteses.

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Foto: Assembleia de greve dos professores municipais do Rio Janeiro em 2013

A tendência a ascenso das greves que já havia ficado marcada em 2012 ganhou força naquele ano que marcado por “junho” como mostra o estudo do DIEESE relativo a 2013. Publicamos abaixo algumas primeiras impressões e hipóteses para pensar os desenvolvimentos de 2014 e 2015 e o que estas tendências apontam na classe trabalhadora brasileira.

O maior número de greve, horas paradas em alta também

O DIEESE publica seu estudo anual com dados desde 1984. O ano de “junho” também foi o ano recordista em sua série histórica, tendo registrado neste estudo 2050 greves, frente ao ano anterior que registrou 877 e superando o recorde histórico de 1989 quando foram registradas 1962 greves.

No gráfico abaixo, de autoria do DIEESE é bastante visível a curva ascendente iniciada no final do segundo mandato de Lula e quando forem publicados os números de 2014 a tendência de alta já fortemente expressa em 2012 e 2013 se mostrará ainda mais, prevemos que seguramente 2014 ultrapassará 2013 e 2015 se não ultrapassar em número de greves deve ultrapassar em horas paradas. Ao final deste artigo tecemos algumas hipóteses sobre os anos seguintes.

O ascenso de greves mostra além do crescimento do número total, uma recomposição do “setor privado” no número de greves.

Mesmo sendo um ano recordista 2013 ainda mostra um número de greves sem contar o funcionalismo e empresas estatais inferior aos anos de 1989 e 1990, mesmo considerando que o número de estatais naqueles anos era muitíssimo maior que hoje (ou seja a “esfera pública era maior), já que grande parte das privatizações ocorreram nos governos Collor, Itamar e FHC.

No ano da eleição de Collor, 1989, houve 1389 greves na “esfera privada”, no ano seguinte 1259, com os impactos do neoliberalismo e derrota da classe trabalhadora, uma pronunciada queda é visível nos gráficos.

O “ano de junho” contou 1106 greves na “esfera privada”, muito mais próximo daqueles anos “quentes” do ínicio deste regime político do que os piores anos do neoliberalismo como as 317 registradas em 1999 em plena desvalorização do real e aumento expressivo do desemprego com FHC, ou na ainda baixa subjetividade que expressava a classe trabalhadora durante o primeiro mandato de Lula, como o ano de 2004 (ano da reforma da providência) que teve o menor número em toda a história da “esfera privada”, meras 114 greves.

O ascenso de greves dos últimos anos mostra-se não só em ter “contaminado” novamente a esfera privada como também no número de horas paradas. Ou seja, greves mais duras, mais longas. O gráfico abaixo mostra como a curva ascendente em horas paradas já vinha crescendo antes dos picos de 2012 e 2013.

O ano de 2013 contou 111.342 horas paradas, o terceiro maior número registrado, perdendo para os anos de 1989 e 1990, que registraram 127mil e 117mil, respectivamente. Em termos proporcionais, possivelmente 2013 ainda tenha sido um número inferior a outros anos próximos aquele pico uma vez que a classe trabalhadora era menor 20 anos atrás.

Greves mais defensivas, duras e força dos “bastiões”

O ascenso de greves até 2013 estava marcado pelas aspirações crescentes de um proletariado em crescimento. A economia crescia, o proletariado se nacionalizava com as grandes obras do PAC e instalação de indústria em novas regiões do país como no centro-oeste e nordeste. O pacto entre patronais, governos e sindicatos havia garantido nos anos “lulistas” aumentos salariais ligeiramente acima da inflação, mas inferiores aos ganhos dos lucros, uma situação onde parecia que “todos ganhavam”. Em algum momento após a crise em 2009 as patronais começaram a endurecer e mesmo o governo federal a recusar aumentos salariais fazendo chocar estas expectativas crescentes de “mais salário”, prometidas aos quatro ventos pelo lulismo, com esta dureza. 2013 e 2014 ainda foram fortemente marcados por estas tendências, já em 2015 predominaram claramente as greves defensivas (em defesa de emprego, direitos, contra redução de salários, etc) contra os ajustes. Mas mesmo 2013 já mostrava uma tendência a lutas mais defensivas.

O DIEESE aponta que o ano de 2012 havia, segundo a classificação do órgão 64,4% greves propositivas frente a 67,3% greves que eram defensivas (para o órgão é possível ocorrer as duas coisas ao mesmo tempo), já 2013 mostrava uma queda das “propositivas” para 57,4% e as defensivas em crescimento para 74,9%. A maior queda nas lutas por ganhos salariais e de direitos foi na “esfera privada”, com a indústria em crise e as patronais buscando descarregar nas costas dos operários os custos da crise e assim aumentar sua taxa de lucro, neste setor as greves com reivindicações “propositivas” caíram de 62,9% para 49,3%.

O ano de 2014 ainda esteve marcado por importantíssimas greves “propositivas” como os rodoviários de Porto Alegre e os garis do Rio lutando por expressivos aumentos de salário, cruzando-se com duras lutas defensivas como da USP contra o fechamento do hospital universitário e frente a proposta de aumento zero, já 2015 tem como emblema diversas lutas “defensivas” como dos professores do Paraná, do funcionalismo gaúcho, dos correios contra o corte de seu plano de saúde, dos petroleiros contra a retirada de direitos, das metalúrgicas contra as demissões, lay-offs e PPE.

Estas lutas mais duras também se expressaram na concentração do número de grevistas em algumas categorias que empreenderam greves mais longas, duras e que envolviam maior número de grevistas, o DIEESE afirma que seriam categorias com maior tradição de organização e luta como professores e metalúrgicos. Houve 56 greves que envolviam mais de 5mil grevistas, totalizando meros 6% das greves, porém estes mesmos 6% das greves envolveram 73% dos grevistas conforme pode-se ver nos dois gráficos seguintes elaborados em base aos números disponíveis nos relatórios do DIEESE.

Grandes “bastiões” da classe trabalhadora concentram o número de grevistas mas não esgotam um processo que se estende a inúmeras pequenas empresas. O peso de categorias tradicionais como metalúrgicos, professores, bancários, correios, petroleiros é uma marca que já estava visível em 2013 e, seguramente ganhou maior relevância em 2015 com longas e duras lutas de professores no Paraná, São Paulo e Rio Grande do Sul, bancários, petroleiros e ecetistas, bem como longas e duras lutas em praticamente todas montadoras de carros do país. Este fenômeno é entendido pelo DIEESE como um crescimento do número de greves por “transbordamento” do ascenso de um setor organizado para outros menos organizados que copiam a ação dos primeiros. Sem negar este elemento da realidade discutimos a seguir outros fatores que operam neste “transbordamento”.

Não é só “transbordamento” é nacionalização do proletariado e “junho”

Partindo de uma análise que leva somente em consideração o que era relevante estatisticamente e no passado o DIEESE conclui que houve “transbordamento”. É evidente que este fenômeno existe, após as greves dos rodoviários de Porto Alegre e dos Garis do Rio de Janeiro uma imensa quantidade de greves no transporte e na limpeza urbana estouraram em todo país. Isto aconteceu em 2014 e não parece ser mero “transbordamento nacional”, esta tendência já estava inscrita nas próprias estatísticas de 2013.

O DIEESE mostrou que naquele ano houve um expressivo aumento das greves de setores de “serviços” em meio ao crescimento das greves nas “esferas privadas”. Os “serviços” passaram de 122 greves em 2012 para 527 em 2013. É possível entender este fenômeno pelo transbordamento dos metalúrgicos, professores, etc, mas também como subproduto de dois fenômenos recentes, um deles do próprio ano de 2013: junho.

Um primeiro fenômeno é a nacionalização do proletariado nas últimas décadas, tanto pela instalação de indústrias fora do centro-sul (Camaçari, Suape, etc) como também pelo expressivo crescimento das grandes metrópoles no nordeste. Toda grande metrópole só existe com um expressivo batalhão de proletários de “serviços estratégicos”, como transporte e limpeza urbana.

Justamente em um ano marcado pela grande luta da juventude pautada pelo transporte e que colocou em questão a precariedade da vida nas grandes cidades o DIEESE viu só o “transbordamento”. Anotou que cresceu a participação do nordeste nas greves de serviços (alcançando 23%), mas não viu que trata-se de um novo fenômeno, que não teve o mesmo peso nos anos 80: a entrada em cena dos “serviços estratégicos” junto a “junho”. A vida nas grandes cidades em 2015, diferente de 1975 ou 1989 é muito mais marcada por estes serviços.

E esta tendência que junho acelerou, expressou-se contundentemente no ano seguinte. 2014 foi inaugurado com as grandes greves de serviços estratégicos como os rodoviários de Porto Alegre e depois os garis do Rio. Todos meses seguintes estiveram marcados pelas lutas de outros serviços estratégicos de norte a sul do país: limpeza urbana em todo país, rodoviários em Campinas, São Paulo, Rio de Janeiro, Recife, metrô em São Paulo e Recife, e um longo etc.

Hipóteses sobre as greves posteriores ao levantamento do DIEESE

Seguramente o ano de 2014 deve ter concentrado um número maior de greves que 2013, possivelmente o peso de serviços tenha sido ainda maior que 2013. Com greves longas nestes setores que também concentram muitos trabalhadores, possivelmente a concentração das greves em grandes categorias bem como o número de horas paradas também tenha crescido.

Mas 2014 ainda era um mundo de distância comparado ao intenso ano de 2015. Um ano marcado pela crise econômica e crise política. As greves de 2015 foram marcadamente defensivas, contra importantes ataques, muitos deles foram revertidos pelas categorias mais organizadas e com tradição de luta como petroleiros, ecetistas. As longas greves destas duas categorias somadas a greves de professores em vários estados e todo funcionalismo federal devem fazer o ano de 2015 ter um número igual ou maior de grevistas e horas paradas que 2013 e 2014, mesmo que isto ocorra em meio a diminuição do número total das greves (com as pequenas fábricas parando menos).

Diferente de petroleiros e ecetistas, onde mesmo que contando com a direção de sindicatos ligados ao governo Dilma ocorreu uma retirada dos ataques, este não foi o cenário no funcionalismo em vários estados, nem nos metalúrgicos, onde prevaleceu uma política de “mal menor”. A burocracia sindical, que impôs aos metalúrgicos que protagonizaram longas greves em montadoras como Volkswagen e Mercedes que sua luta contra as demissões virasse acordos de redução de salários (PPE).

Em 2015 ocorreram menos greves de serviços do que em 2014, porém os “grandes serviços estratégicos” ainda não foram fortemente desafiados pelas patronais e pelo governo como foram o funcionalismo em alguns estados e no plano federal, nem também sofreram as demissões e cortes dos trabalhadores da indústria.

Não há motivo para esperar que o ascenso de greves marcado pela onda expansiva quando os trabalhadores buscavam mais salário se reverta automaticamente em luta de resistência frente a ataques, porém, é possível também ter um certo otimismo. Diversas categorias protagonizaram greves como não faziam em anos. As lutas defensivas da Volks, Mercedes, Petrobras, professores do Paraná foram as mais longas destas empresas e categorias em décadas.

Pode o proletariado dos transportes e da limpeza que marcou tanto os anos de 2013 e 2014, que teve importantes vitórias aceitar derrotas sem resistência? A luta do funcionalismo frente a maiores ataques dos governos Dilma, estaduais e municipais se manterão? Tudo aponta que sim. O problema maior não reside na disposição dos trabalhadores, nem no número de greves, grevistas, ou mesmo de horas paradas, mas na qualidade do fenômeno: por que, como tantas greves acontecendo não muda o clima político do país, porque não estamos em um clima de 1978-1980?

Por que o maior ascenso de greves em 20 anos não pesa politicamente?

Há fatores de qualidade, geracionais que impõe diferenças importantes que os números frios de greves e número de grevistas não dizem. O que buscam, como se organizam o que pensam da burocracia sindical, dos partidos burgueses, do governo, de instituições do Estado (justiça, polícia, parlamento, etc) os trabalhadores que protagonizaram o recorde de 2013?

O proletariado de 2015 carrega novidades em relação ao de 1980 ou 1989, como uma maior “espontaneidade”, mas também o peso das décadas de derrotas. Estes fatores marcam potenciais mas também impõem limites a como este ascenso grevístico não significa ainda uma decisiva “entrada em cena” da classe trabalhadora.

Outro fator que expressa este limite é o fato de que pouquíssimas greves ou fenômenos políticos entusiasmaram o país e marcaram verdadeiras inflexões, e isto não é fruto só do “atraso” dos anos atuais frente aos 70 e 80, mas de fatores mais específicos, como a política de sua direção política e sindical.

Só os fenômenos fora do script impuseram uma politização, tornaram-se “causa nacional” e puderam entusiasmar outros setores.

Assim foi junho, a irrupção nas ruas de milhões de jovens, decididos a não retroceder até o aumento dos transportes serem barrados e colocando em questão muitas questões sociais do país. Em algum sentido a greve dos rodoviários do Rio Grande do Sul, que desafiava a justiça bem como a direção do sindicato, a greve dos garis do Rio, marcadamente contra o sindicato pelego e agora mais recentemente os secundaristas paulistas todos apontam a um mesmo fenômeno “sem arrego” e fora do script rotineiro, questionando ou derrotando as “direções oficiais”, não se curvando as determinações de proibição da greve, demissões, ameaças de reintegração de posse, etc. A aposta na massividade de sua adesão, decisão de seguir em luta, e mostrar sua causa como “causa popular” é algo que uniu todos estes fenômenos mais importantes dos últimos anos, também puderam mostrar-se hegemônicos, que lutavam por um "bem comum", transporte, educação, salário de um setor super-explorado.

Algumas greves em todos estes anos de ascenso poderiam ter sido fenômenos iguais ou superiores a estes. Porque não foram?

Em primeiro lugar porque a burocracia sindical (CUT, CTB, Força, entre outras) atua para manter as manifestações dos trabalhadores dentro de um script de pressão e acordos com as patronais e governos. Mesmo frente a importantíssimos ataques como o não pagamento integral dos salários no Rio Grande do Sul suas manifestações foram isoladas e pontuais. Frente a violência de Beto Richa, governador tucano do Paraná, a CUT e sua confederação da educação, a CNTE não se mexeu em apoio. Frente as ocupações de escolas pelos secundaristas paulistas o maior sindicato da CUT do país, a APEOESP dos professores paulistas nada fez de concreto.

O mesmo vale para diversas duras lutas que aconteceram este ano. A CUT e CTB atuam conscientemente para diminuir as críticas a “seu” governo. Nunca permitem as ações de coordenação e solidariedade, querem manter seu controle sobre o movimento, fragmentando-o, limitando-o a tratar tal como faz o sindicato dos metalúrgicos do ABC, da CUT, com suas “câmaras setoriais”, tratando ramo a ramo, empresa a empresa, isolando as forças, ajudando as patronais a imporem sua vontade.

Mesmo assim, mesmo com os limites impostos pela burocracia sindical, há disposição de luta. Os números das greves provam.

Falta surgir uma força na esquerda que coloque todas suas forças para o triunfo dos conflitos importantes. Que ajude algo a “sair do script” das data-base e a abrir maior confiança da classe trabalhadora para ela se enfrentar com os ajustes, o futuro do ascenso grevístico em curso dependerá disto.

Para esta superação faz falta uma esquerda fortemente vinculada à classe trabalhadora e com objetivos revolucionários. Para construir uma esquerda como esta é necessário superar a orientação eleitoralista de costas as lutas dos trabalhadores como é o caso da maioria das correntes do PSOL e seus parlamentares (que nunca sequer discursam sobre as greves, sobretudo se são contra o governo Dilma), bem como superar o rotineirismo sindicalista do PSTU que impõe claros limites a central sindical que dirigem, a CSP-Conlutas. Conquistam índices de recomposição salarial ligeriamente superiores aos da CUT mas não contribuem a uma "escola de guerra", não fazem nenhum plano ou atuam decididamente para que os sindicatos da mineração de Mariana e região onde dirigem sejam um peso regional e nacional de resposta anticapitalista à crise criada pela Vale, não preparam a GM de São José para tentar derrotar a patronal e buscar servir exemplo a todos metalúrgicos do país.

É preciso atuar nas greves como se fossem “escolas de guerra”. O triunfo de uma greve de professores do Paraná, ou de metalúrgicos da GM de São José dos Campos, se for tratada como uma batalha dura, decisiva, pode ser um exemplo para todo o país. Os garis mostraram isto. Junho mostrou isto. Agora os secundaristas mostraram isto.

Uma orientação como esta, uma força real com estas ideias e prática faz falta para que este ascenso de greves que já está acontecendo diante de nossos olhos pese na vida real tanto ou mais do que ele já pesa nas estatísticas.

 
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